Artigo do domingo — Uenf de Pessoa a Whitman

 

 

Fernando Pessoa e Walt Whitman (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Em um dos seus poemas mais angustiantes, aos seus leitores mundo afora, como deve ter sido para quem o escreveu, o português Fernando Pessoa (1888/1935) sentenciou a espécie pela pena do seu heterônimo Álvaro de Campos:

 

“És tudo para ti, porque para ti és o universo”

 

E depois reforçou três versos abaixo, na mesma estrofe:

 

“És importante para ti porque só tu és importante para ti”

 

À parte o estímulo debochado ao suicídio, do mais debochado e metafísico dos heterônimos de Pessoa, os versos pinçados do poema “Se te queres matar” são um retrato talvez cruel, mas nítido, da nossa real importância para fora de nós mesmos: pouca ou nenhuma. Por mais que, “sombra fútil chamada gente”, estejamos quase sempre a pensar o contrário.

Afinal, não somos todos os “gênios-para-si-mesmos sonhando” que Pessoa/Campos versejaria em outro poema, “Tabacaria”, seu mais famoso?

O fato é que a dose de humildade que o poeta nos impõe, seria de muito bom proveito num Brasil tão fragmentado por opiniões tão distintas sobre tudo, que não raro conduzem a nada.

Neste contexto de polarização nacional, muitas vezes à beira da esquizofrenia, encontrar algo que nos una é remédio poderoso. Pode não curar as diferenças — nem deve! Mas diagnostica como, à parte elas, temos um caminho a percorrer juntos enquanto sociedade.

Nesse sentido, a população de Campos e da região, ainda que não se distinga do resto do Brasil, deu um exemplo recente e inconteste, na mobilização pela manutenção da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro.

Desde o fechamento da Casa de Cultura Villa Maria, por falta de energia elétrica, denunciado (aqui) na coluna “Ponto Final” como vanguarda do desmonte da Uenf, a reação da população foi imediata. Fechada no último dia 18, a Villa seria reaberta (aqui) no dia 24, para receber (aqui) no evento “Choro na Villa”, no dia 29, seu maior público — como testemunhou a diretora da Casa, a diligente professora Simonne Teixeira.

E o sucesso se repetiu (aqui) ontem (05), no Dia do Rock Goitacá. Mudou o estilo da música, não a simpatia popular pela Villa. Doada em testamento por sua antiga dona, Finazinha Queiroz (1887/1970), como sede de uma futura universidade pública de Campos, o solar histórico foi a vanguarda da Uenf mais de duas décadas antes da sua criação, em 1993.

E como provam os eventos dos dois últimos sábados, tem sido também a vanguarda da resistência contra a possibilidade de fechamento da Uenf.

Bem verdade que, cobrado sobre a situação da universidade numa entrevista (aqui) de duas páginas, na edição da Folha do último domingo (30), o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) daria a melhor resposta (aqui) cinco dias depois. Em reunião na última sexta (05) com os reitores das instituições estaduais de ensino superior, subordinadas à Ciência e Tecnologia, seus servidores e alunos se uniram na mesma promessa feita à Educação: a partir de abril, salários e bolsas em dia.

Quanto aos atrasados, o governador estimou a quitação no final de junho, quando deve ser aprovada no Congresso Nacional a ajuda da União aos Estados. Nela, a expectativa fluminense é receber a injeção de R$ 3 bilhões.

Nas páginas 5, 6 e 7 (aqui e aqui) desta edição, falam sobre a crise da Uenf diversas lideranças do meio acadêmico e da sociedade civil organizada, além do reitor da universidade, professor Luis Passoni. Na entrevista feita na quinta (04), ele viu o gato da Uenf subir no telhado, mas entre a queda e sua possibilidade, depois da reunião com Pezão, na sexta, classificou o que ouviu como “boa notícia”.

Certo que, nessa luta coletiva, cada indivíduo, como nos versos de Pessoa, tenda a achar sua participação mais importante do que de fato foi. E é humano que assim seja. Na dúvida, a certeza que se não fosse o compromisso dos campistas com o que une, sobre aquilo que separa, o sonho de Darcy Ribeiro (1922/97) e de tantos outros ao longo do último quarto de século, correria o risco de se transformar em pesadelo.

Pelo sim, pelo não, até que a situação esteja de fato normalizada, aconselha-se a dormir com um olho aberto.

Grande influência de Pessoa e assumidamente a maior do seu heterônimo Álvaro de Campos, é o poeta estadunidense Walt Whitman (1819/92), pai de tudo aquilo que depois se chamaria modernismo, quem dita a senha:

 

“Você, leitor, que pulsa

de vida e orgulho e amor,

assim como eu:

para você, por isso,

os cantos que aqui seguem!”

 

 

Publicado hoje (07) na Folha da Manhã

 

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