Poucas coisas produzem tanta satisfação quanto a percepção de que a Justiça foi feita – e causam tanta decepção e revolta quando sobrevém a sensação de que não houve Justiça. A maioria das pessoas não será capaz de definir “Justiça” de forma simples, mas todos sabem quando ela está presente ou não de forma imediata. Ela é mais do que uma abstração, é uma necessidade básica das pessoas e pode ser sentida a cada instante – assim como é buscada todo o tempo.
O tempo, aliás, é fundamental para a sensação de satisfação por Justiça. De que adianta um cidadão morrer antes de ver concluído um processo que, ao final, lhe dá ganho de causa? Mesmo que algum direito lhe seja garantido “post mortem” e transmitido aos seus herdeiros… não houve justiça de fato para o maior interessado na disputa. No Brasil, são comuns os processos que duram décadas e que acabam tendo seus resultados transmitidos como herança: são ecos ruidosos de uma Justiça capenga.
De forma análoga, que Justiça realmente pode haver num caso de homicídio se a vida jamais será restituída? Não importa que o assassino seja condenado a séculos de prisão, que pague milhões de indenização… simplesmente não há como se reparar inteiramente o dano causado. Obviamente, existem implicações sociais (além das individuais e jurídicas) que justificam os processos, mas… se lembrarmos que no Brasil menos de 10% dos homicídios são solucionados e seus responsáveis levados à Justiça… a sensação é de terror.
Lidamos todos os dias com a frustração de nossa imensa demanda por Justiça quando vivemos num país como o Brasil – e encaramos uma dose maciça de revolta e desencanto a cada reflexão. É que além dos casos fortuitos – em que não se deveria pensar em Justiça, apenas enfrentar o acaso -, nos sentimos, por uma série de razões altamente justificadas, abusados e vilipendiados por todos os lados, o tempo todo:
– Se eu contribuí para o INSS sobre 10 salários, não é justo que, ao me aposentar, só vá receber 5 – e muito menos que, ao longo de alguns anos, isso vá encolhendo para 4, 3, 2, 1!;
– Se eu trabalho feito um condenado, não é justo que eu receba o mesmo que meu colega que não faz quase nada, só fica no celular, enrolando no expediente;
– Se eu pago tanto imposto, não é justo que tenha que gastar dobrado com plano de saúde, escola particular, pedágios e seguros contra roubo de tudo;
– Se eu trabalhei e poupei a vida toda pra melhorar de vida, não é justo que me olhem como se fosse um crime viver bem com o fruto de meu esforço.
Justiça classe média? Pode ser – mas depende: será justo aplaudir um governo que diz que tirou milhões de pessoas da pobreza só porque decidiu reduzir os parâmetros de classificação de renda que define os miseráveis? Ahn… Mas se nem fosse isso! Que Justiça social existe em “elevar milhões para a classe média” (mesmo que haja quem diga “eu detesto a classe média”, né, Marilena?) e, cinco anos depois: mandar todo mundo de volta pra onde veio (junto com alguns outros milhões que empobreceram pela primeira vez) só porque a preocupação em roubar tudo que fosse possível e fazer a sucessão tivesse determinado rumos desastrosos para a economia do país inteiro?
É justo continuar defendendo bandidos de estimação apesar de todas as evidências de seus crimes e contra toda a ética possível e imaginável? Como é que é? Você diz que “acredita no projeto que eles personificam”? É justo que suas crenças ou caprichos ideológicos sobrepujem a obviedade da razão? Que Justiça pode ser compreendida por quem faz de suas preferências pessoais o motivo pra mandar toda a ética às favas?
Delatores apresentam suas confissões. Para algumas pessoas, elas são justas quando atacam o adversário, mas são “golpe” quando apontam pra seus velhos ídolos. A cegueira não é justa – embora seja um fato que assombra muita gente. Mas não acho justo lamentar a cegueira de quem simplesmente se recusa a ver. Não há Justiça aí; só a feiúra da indecência.
Aliás… em inglês “Justiça” é “Justice”, mas seu adjetivo, “justo”, é “fair”. “Fair” também significa “belo”. A Justiça é bela, sim – especialmente pra quem fala inglês. Tem mais: “Direito” (ciência), em inglês, é “Law”; mas como atributo é “right” – que também significa “certo”. Ou seja: lá por aquelas bandas, o que é de direito é certo e se obtém através da ciência da Lei. Mesmo com rumorosas exceções, não admira que os falantes de língua inglesa vivam majoritariamente mais satisfeitos com sua Justiça e tenham um padrão de vida mais alto. Pena que na nossa realidade latino-americana a coisa seja mais feia. Num país em que se plantando tudo dá, dá-se jeitinho o tempo todo; mas a Justiça é rara como a neve: até cai de vez em quando, mas não em todo lugar.
Por aqui, a riqueza gerada pela economia de mercado é considerada injusta por, alegadamente, concentrar renda – nunca a enxergam pelo lado da oferta de oportunidades; pela realidade da mobilidade social; e pelo potencial de realização pessoal. Mas… e o desastre socialista: será ele (mais) justo por distribuir a fome e o desalento por igual como, por exemplo (e exemplo mais óbvio que esse, só o de Cuba “antigamente”), acontece na Venezuela? Por que a miséria de todos seria “mais justa” que o sucesso de muitos? Qual a Justiça embutida na tesoura totalitária que vive de cortar as asas de indivíduo depois de indivíduo para lhe censurar planos e potenciais?
“Ah… é porque todo mundo merece igualdade em tudo” – diz a resposta infeliz!
Quem disse que isso é Justiça: dar a todos, independentemente de suas vontades, capacidades e esforços, as mesmas recompensas? Isso fora que nem tudo na vida é racionalmente controlado, medido ou providenciado – sequer conquistado. Nair Belo, quando perdeu seu filho, foi a Minas ver Chico Xavier em busca de consolo. Lá, pediu a ele uma explicação: “Por que isso foi acontecer logo comigo?” Ele respondeu: “Mas por que não podia ser com você?” Coisas ruins acontecem com pessoas boas e há cretinos que terão sorte a vida inteira – quer você goste disso ou não. Desonestidade é outra coisa e deve ser combatida – inveja do sucesso alheio também. Se é justo? Depende do que te preocupa mais; se a sua vida ou a dos outros.
No final das contas, todos teremos na vida mais de uma ocasião em que acharemos justo “plagiar” uma notória redação há anos entregue no vestibular de uma concorrida universidade pública:
“A Justiça com que o peito sonhou……………………………………………………………………………………. …………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………….. na realidade morreu.”
Afinal… há quem veja morrer no túmulo toda ideia de Justiça.
Mas torço para que, na vida das pessoas, existam outras tantas – de preferência, mais ocasiões até! – em que o tom será o oposto: “Apesar de todo sofrimento, mais deus deu do que o diabo tomou.” Talvez não haja, no íntimo de cada um, maior plenitude do que a constatação de que houve Justiça afinal – e que o coração pode se dar por satisfeito. Este é um dos nomes da Paz.
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Aproveito estas últimas linhas para falar a todos que encerro hoje este meu período de participação aqui no blog Opiniões. Agradeço profundamente a Aluysio pelo convite que muito me honrou e a todos os colegas de pena (mais justo seria falar de tecla? rsrsrs) pela generosidade com que compartilharam o espaço comigo. Obviamente, agradeço muitíssimo aos que pacientemente me leram nesses cinco meses – que passaram como um raio de tão rápido! Apesar da imensa satisfação de participar deste grupo, a vida me pede atenção a outros de seus aspectos e não seria justo negligenciar tal chamado, rsrs. Quem sabe num outro dia volto? Já a todos que ficam… meu maior desejo de sucesso!!! Ao blog Opiniões: vida longa! E a todos… Justiça e felicidades! Obrigado!!!
Caro Marcelo,
Em primeiro lugar, penso em falar em nome dos leitores ao agradecer sua colaboração quinzenal com o blog. Em segundo, num nível mais pessoal, como o poeta irlandês W. B. Yeats deixou ao seu epitáfio e eu gosto de repetir vez em qd: “Passe os olhos friamente/ Pela vida, pela morte/ Cavalheiro para frente”.
Abç e obrigado por td!
Aluysio