Gustavo Alejandro Oviedo — A casa que pinta a aldeia

 

 

 

Observem a fotografia que ilustra este texto, por favor. Ela mostra a fachada de uma casa localizada na rua Formosa, em frente do colégio Eucarístico. As diferentes texturas do revestimento construção da frente revela que, alguma vez, foi uma mureta baixa, de aproximadamente 60 centímetros. Posteriormente, a mureta elevou-se mais alguns centímetros, e foi colocada uma grade de ferro. Algum tempo depois, as colunas que seguram a grade também foram elevadas. Finalmente, sobre essas colunas, foi instalada uma outra grade contínua, em cuja parte superior nascem trios de ferros pontudos.

A imagem é fantástica porque evidencia a degradação da vida urbana em Campos, principalmente, produto da insegurança — mas não apenas. Se deduz da sua observação que, aparentemente, em algum instante longínquo do tempo, os proprietários não precisavam criar fortalezas para se isolar do ‘mundo exterior’ que existe fora dos limites da sua moradia.

Já foi dito neste blog que uma cidade é aquilo que são os seus habitantes. Isto é verdade. Mas não nos esqueçamos de que os administradores municipais também moram nela (ou deveriam morar). São eles, como representantes dos vizinhos, os que deveriam estabelecer as condições para criar um ambiente urbanístico mais integrado socialmente, mais seguro, e também — e não menos importante — mais belo. Para mim, essa deveria ser a função principal de um prefeito.

Infelizmente, não é o que temos visto nos últimos anos. Os últimos gestores parecem ter sido especialmente eficazes em fazer de Campos uma cidade cada vez mais feia e mais árdua para o convívio social. Exemplos sobram: a conversão da praça São Salvador num espaço insuportável de permanecer num dia ensolarado e de calor; a ‘revitalização’ do Canal Campos-Macaé, que passou de ser uma vala de esgoto para ser uma vala de esgoto com arcos; a falta de políticas de arborização das calçadas , que somadas ao notável desprezo que os proprietários tem pela vegetação na frente de suas casas — ‘suja muito’; ‘levanta o chão’ — revelam quadras onde as casas obedecem ao exclusivo princípio arquitetônico produzido pela especulação imobiliária (lotes pequenos onde o morador fica obrigado a sacrificar espaços verdes para criar cômodos e sobrados suplementares para sua família).

Os bairros populares criados durante a gestão anterior são outra tragédia urbanística. Os conjuntos habitacionais carecem de praças, de centros de convivência e de comércio  e, claro, de vegetação. Recomendo a releitura do texto de Luciane Silva, publicado neste espaço, cujo título é ‘“Morar Feliz”, um guetto dentro da cidade’.

É desolador comprovar que a única experiência urbanística que produziu um bairro mais ou menos agradável em Campos, o Flamboyant, hoje está sendo degradada pela própria legislação municipal. O bairro tinha conseguido, através de umas escassas premissas, ser totalmente diferente ao resto da cidade: prédios limitados a dois andares, lotes de tamanho razoável, vedação ao comércio, e a imposição de espaços verdes. A última modificação ao plano de zoneamento e uso de solo, de 2007, liberou a construção de edifícios de altura desproporcional, como também permitiu a atividade comercial desordenada. Aquele bairro que deveria ser o modelo para o resto da cidade não resistiu à incompetência e à ignorância — no melhor dos casos — dos gestores públicos. Quem quiser morar num bairro bonito, que vá para um condomínio fechado.

Existe uma espécie de resignação, nas nossas cidades latino-americanas, na noção de que um bairro só pode ser bonito se for de gente rica. Os pobres, e até a população de classe média, estariam fadados a viver em lugares miseráveis ou simplesmente feios. Esta ideia pareceria se confirmar na prática, haja vista, por exemplo, que os prefeitos que governaram Campos nas ultimas décadas foram todos populistas, e nada puderam fazer para mudar essa elitista realidade — como já dissemos, até a pioraram.

Para refutar essa ideia, ou ao menos para limpar nossos olhos, existe essa ferramenta fantástica chamada Google Street View. Com ela podemos percorrer as ruas de várias cidades do planeta, como se lá estivéssemos. Basta clicar em qualquer cidade europeia para confirmar como a beleza urbana independe de classes sociais, e como até o bairro mais humilde pode ter casas simples num entorno ameno e integrador.

A foto que encabeça este post também foi tirada com o Google Street View.

 

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