Sou contra desperdiçar qualquer coisa, desde o tempo até a água e a comida. Por outro lado, consumir em excesso tudo que nos oferecem também sou contra. Nem sempre pratico o que penso e concordo, é fato. Sei que não dispomos de todo o tempo, água e comida, mas quando os temos em abundância, aparentemente, fica aquela impressão de que estas coisas nunca se esgotam. Nem o tempo, nem a água, nem a comida que, para mim, são três sinônimos de felicidade. Às vezes, a gente joga a felicidade no lixo e nem se dá conta de tamanho desperdício.
Acabei de chegar de uma viagem ao Sul do Brasil que durou uma semana. Foi o suficiente para sair da rotina pesada, ficar contente, e também para voltar à realidade que quase sempre queremos escapar, mas que insiste em se mostrar com toda a verdade que lhe convém. Não se pode fugir de todos e de tudo por muito tempo. Principalmente, de nós mesmos. Mesmo quando se viaja até os confins do mundo, levamos o nosso próprio corpo, nossa própria mente e visão para a diversão e para o choque de realidade que cedo ou tarde nos estapeia com uma certa fúria e pressa.
Assim que voltei à casa, fui logo em direção à vassoura, sacos plásticos, lixeira, balde, rodo, mangueira. A sujeira dos cães espalhada pelo quintal dava a certeza de como a inspiração de Rita Lee está correta em transformar pelo menos estrume em arte e melodia: tudo vira bosta. As paisagens lindas do Paraná e do Rio de Janeiro precisam esperar em algum canto da memória para darem lugar à faxina necessária no lugar onde habito e vivo quase a metade do tempo diário. Partidas e chegadas têm dessas coisas. Que dirão aqueles que nunca viajam?
A casa vazia e silenciosa tem lá suas vantagens para prestarmos mais atenção em certas coisas, além de nós mesmos. Na fruteira da cozinha, recolhi banana, tangerina, limão e laranja que não foram consumidos e que acabaram se estragando. Pena. Algumas tangerinas e maçãs poderiam ser aproveitadas se cortassem as partes deterioradas. Cortei. Na geladeira, carambolas e cajás estavam na mesma situação. Ia jogar tudo fora, mas bateu aquela dor de consciência do desperdício e da fome mundial. Alimento é coisa sagrada e cara, cada vez mais em tempos de crises e incertezas.
Tive a ideia de fazer geleias e sucos com o que podia aproveitar. O suco é fácil, mas geleia nunca tinha feito. Viva a Internet e suas receitas! Panela, frutas batidas no liquidificador, açúcar, suco de limão, fogo baixo, retirando espumas por quase trinta minutos, vidros esterilizados, e de repente, virei doceiro na emergência. Que seja doce! Mas a geleia de tangerina com maçã ficou amarga. Descobri tarde que não se pode cozinhar a parte branca da tangerina em nenhuma hipótese, pois ficará com gosto de xarope expectorante. Enfim, é assim a vida. Mesmo com receita nem sempre dá certo. No entanto, se a gente não tentar ou não experimentar, felicidade e geleia dificilmente se tornarão reais.
Transformar o tempo, a água, a comida e as frutas maduras demais em geleia exige uma certa boa vontade. Entretanto, ser feliz exige também algum tipo de esforço e dedicação. Constato que a era dos culinaristas de televisão também me afetou. A gente pode nem ter toda a felicidade do mundo o tempo todo, mas pelo menos parte dela passa e passeia pela cozinha ou por algum alimento. Felicidade é também para se comer. Já a receita, …