Um pequeno país perdido em uma ilha do pacífico movia-se por uma filosofia de total abnegação em relação ao futuro. Não que o conceito de tempo inexistisse. Preservavam o passado e para isso seus escribas recebiam certa notoriedade. Conheciam suas origens e admiravam seus fundadores. Porém, conviviam sem preocupação com o amanhã.
Tal filosofia não possui razão de ser nem base lógica alguma. Eram assim desde os primórdios de sua formação e seguiram conforme seus usos habituais. Construíam casas e teciam roupas porque essas sustentavam necessidades prementes. Entretanto, viviam de caça e coleta de frutos, pois não eram capazes de programar colheitas e quaisquer plantações careceriam de manejos de longo prazo. Portanto, a noção de acumulação não existia e os visitantes de fora estranhavam como, mesmo com certa complexidade de desenvolvimento social, não havia vasos nem objetos de estocagem, sendo a cerâmica exclusiva para adorar seus deuses sepultados no passado.
O sistema político se tratava de algo próximo ao anárquico. Reuniam-se apenas em momentos emergenciais, como em incêndios ou outras circunstâncias inesperadas. Funcionava assim pois jamais conseguirem estabelecer uma data para reuniões nem firmar compromissos coletivos. Precisavam de eventos de maior monta para forçá-los a agirem coletivamente.
Essa sociedade imóvel teve um enorme baque quando por lá aportou um antropólogo europeu e esse constantemente consultava seu relógio. Os nativos estranharam esse aparelho e, diante da curiosidade geral, o acadêmico explicou seu funcionamento e sua essência.
Embasbacados, muitos se interessaram pela perspectiva de contabilizar o passar das horas. O antropólogo previa que em poucos instantes anoiteceria e monitorava o período de duração de diversas tarefas. Assim, iniciou uma divisão naquela sociedade, entre os entusiastas pelo futuro e os arraigados ao passado.
As mudanças aos poucos geraram maiores rixas. Aqueles que seguiam o instrumento que dominava o tempo caçavam com maior eficiência e começaram a planejar uma ideia de estoque para o inverno. Tudo evidenciava que uma forte desigualdade se instalaria e isso provocou a ira da imensa maioria que ficaria para trás.
Quando o antropólogo seguido pelo seu séquito de seguidores anunciou em praça pública a criação de um calendário oficial para o país, a população se revoltou. Consideraram que viver pensando em estações, em programação de fatos, em coisas para eles plenamente imprevisíveis, equivalia a uma heresia que colocava em risco toda estrutura social. Furiosos, todos se lançaram contra o líder e seu grupo, matando-os ali mesmo e culminando a execução com a destruição do relógio.
Um único sobrevivente dos futuristas restou. Amedrontado, guardou consigo os ensinamentos proibidos e dedicou sua vida a seguir os preceitos de todos, ruminando uma ideologia que não encontrava espaço. Aplicou-a uma única vez em um feito repleto de amargura, erguendo uma estátua no local da chacina, para lembrar a todos os compatriotas do futuro que incutir o progresso na cabeça de seus pares constituía um crime sem perdão.
Muito bom!