Igor Franco — “Por que você não faz um concurso?”

 

 

 

A pergunta do título deve ter sido a que mais ouvi nos últimos 12 anos. Desde que entrei na minha primeira – e não terminada faculdade de direito – ela é feita reiteradas vezes por pessoas diferentes, pelas mesmas pessoas, em ocasiões diferentes, nas mesmas ocasiões. Caso ela fosse repetida com a mesma intensidade de “por que não abre um negócio?” ou “por que não trabalha fora do país?”, provavelmente eu não estaria aqui dedicando minha atenção a este fenômeno tão típico do nosso país. Típico e explicável.

Historicamente, ser funcionário público sempre foi um ótimo negócio: prestígio social, estabilidade, remuneração acima da média de outros setores, regras especiais de aposentadoria e a brasileiríssima capacidade de conceder aos amigos e aos amigos de amigos acesso especial a determinados benefícios públicos.

Dados recentes apontam diferença salarial superior a 60% em favor dos funcionários do Estado. Essa diferença tende a aumentar: enquanto milhões de trabalhadores privados amargam um colossal desemprego, o presidente sancionou ainda este mês reajustes a categorias de servidores e já está pactuado novo aumento para funcionários do Executivo em 2018. Até 2013 os servidores possuíam previsão de aposentadoria integral sob a esdrúxula justificativa de que esta seria uma reparação pelo menor salário ao longo da carreira quando comparado com seus pares do setor privado. Apesar de descontinuada, essa jabuticaba nos legou um déficit previdenciário gigantesco, da ordem R$ 90 bilhões apenas em 2015.

Embora o sonho de uma remuneração diferenciada encante, essa não parece ser a principal explicação para o fetiche brasileiro com o serviço público. A estabilidade é a joia da coroa. É juridicamente possível demitir um funcionário público, porém, tarefa mais fácil talvez seja fazer gargarejo de bruços.

A estabilidade irrestrita é de difícil compreensão: deve-se admitir que carreiras de Estado como juízes, promotores, delegados, procuradores etc. precisam de proteção legal contra pressões políticas, mas não é possível justificar que a auxiliares, analistas e até mesmo a professores, médicos e policiais seja estendida a mesma garantia. A experiência mostra que a estabilidade garantida no Brasil mais favorece a baixa produtividade e o desincentivo à meritocracia que blinda servidores de perseguições. Exemplo radical da desproporcionalidade desta estabilidade versus interesse público pode ser visto a olho nu na crise fiscal do estado do Rio. Mesmo operando fora dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e habilitado a demitir servidores, o governo estadual recusa-se a fazer isso menos pela necessidade e mais pela pressão exercida pelos fortes sindicatos do funcionalismo estadual.

Regras especiais de aposentadoria, remuneração muito acima do mercado, ampla estabilidade e, impossível negar, baixa exigência de resultados tangíveis são incentivos enormes para que um batalhão de milhões de brasileiros bem formados tente, anualmente, uma vaga neste oásis em meio a um deserto de oportunidades e atrativos no setor privado. Ninguém me convencerá que centenas de milhares de pessoas dedicam milhares de horas de estudo para alcançar o sonho de ser um “Consultor Legislativo”. Num país carente de mão-de-obra qualificada, a concentração de profissionais com alto grau de educação formal num setor público de baixíssima produtividade é uma tragédia para o desenvolvimento econômico.

Não nego que muitos funcionários públicos – notadamente os da área de educação, segurança pública e saúde – na maioria das vezes atuam em condições sofríveis. Sanados estes problemas – em muito decorrentes da péssima governança pública, porém, as distorções permaneceriam e seriam, ainda mais, injustificáveis. Censurar os privilégios legais reservados aos funcionários não equivale a censurar especificamente os funcionários. A menos que tenham fraudado seus concursos ou descumpram com mandamentos éticos legais estão cumprindo apenas as regras que regulam seu trabalho.

Não há nada de mau em dedicar-se a melhorar de vida e buscar uma boa remuneração e estabilidade. Mas há algo de fundamentalmente errado num país que custeia tudo isso através de uma grande parcela da renda de outros profissionais mal remunerados e sem os mesmos privilégios.

 

fb-share-icon0
Tweet 20
Pin Share20

Este post tem 5 comentários

  1. cesar peixoto

    Eu estou em comum acordo em alguns ponto, mas as remuneracoes deve ser diferenciadas sim, o servidor publico nao tem FGTS,quando se aposenta sai de maos vazia.

  2. Andresa Hauaji

    Ótimo texto! Parabéns!

  3. Victor Hugo Arêas

    Excelente texto, muito coerente e pertinente nos dias atuais. É lamentável ver a ‘teta’ do estado sendo ‘mamada’ diariamente por muitos encostados que não pensam em dar retorno algum ao país com seu trabalho.

  4. cesar peixoto

    Eu repudio falar que muitos estao mamando na teta do estado, so quem e do estado sabe o que nos estamos passando com esses governantes, que saquearam o estado nesses ultimos anos

  5. Erika Saraiva

    Olha, sinceramente… Primeiro que não é verdade que a maior parte dos concursados no Brasil ganha salários acima da média, ou acima do valor de mercado como você gosta de falar. Segundo, se existe um problema de baixa remuneração no mercado, e sim existe, é porque grande parte dos empresários não está disposta a pagar salários adequados a seus funcionários (ou como vocês do mercado gostam de chamar, colaboradores). Terceiro, se não fosse por conta dos concursos públicos muitos governantes colocariam para ocupar esses cargos pessoas que possuem alguma relação com eles (como fazem em toda brecha que tem). O sistema tem falhas (assim como seus argumentos), mas com certeza é melhor do que o seu querido mercado gostaria que fosse.

Deixe um comentário