Por Aluysio Abreu Barbosa, Matheus Andrade Berriel e Paula Vigneron
Sem receber três meses de salário em 2017, nem ter até hoje quitado o 13º de 2016, a Associação dos Docentes da Uenf (Aduenf) decidiu em assembleia, na última quinta (03), paralisar as atividades da universidade por tempo indeterminado. Para você, leitor da Folha, a situação dramática da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro não é uma novidade.
Em 19 de abril, na coluna “Ponto Final”, onde é expressa diariamente a opinião do jornal, a comunidade era cobrada (aqui) a reagir ao desmonte da principal instituição de ensino superior da região. A vanguarda desse processo cruel, capital aos destinos do Norte Fluminense, era então apresentada no fechamento da Casa de Cultura Villa Maria por falta de luz. Após a viralização da notícia nas redes sociais, a cobrança da Folha aparentemente surtiu efeito: no dia 24 daquele mês, a luz da Villa foi religada (aqui).
Sem abandonar o caso, a edição dominical da Folha de 30 de abril trazia em sua manchete de capa um desabafo do professor Luis Passoni, reitor da universidade: “É difícil saber até quando manteremos a Uenf aberta”. Naquela edição, além de Passoni, foram ouvidos (aqui) os prefeitos de Campos, Rafael Diniz (PPS); de São João da Barra, Carla Machado (PP); e de Quissamã, Fátima Pacheco (PTN). Além deles, o presidente da Câmara de Campos, vereador Marcão Gomes (Rede), o deputado federal Paulo Feijó (PR), os estaduais Bruno Dauaire (PR), Geraldo Pudim (PMDB), João Peixoto (PSDC) e Gil Vianna (PSB) também se posicionaram sobre a gravidade do quadro — analisado ainda pelos professores Luciane Silva (presidente da Aduenf), Sergio Azevedo, Sérgio Arruda (ambos da Uenf) e Aristides Soffiati, além do universitário Gilberto Gomes, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Uenf.
Não satisfeito com a repercussão política e acadêmica da crise na Uenf, a Folha apresentou a conta diretamente ao devedor. Numa entrevista exclusiva naquela edição de 30 de abril, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) também foi ouvido (aqui). Nela, afirmou duas vezes: “Reconheço a importância da Uenf”. Mas, de lá para cá, esse reconhecimento nas palavras de Pezão não se refletiu em seus atos. Se, então, já devia aos servidores da Uenf o 13º de 2016 e o salário de março de 2017, o governo fluminense quitou este último (aqui), é verdade, mas deixou de pagar depois os meses de maio, junho e julho aos servidores da universidade.
No domingo seguinte, em 7 de maio, a cobrança da Folha continuou. Uma entrevista com Luis Passoni foi publicada (aqui) em mais aquela edição dominical da Folha, na qual o reitor falava das promessas de Pezão diante da situação falimentar da Uenf, administrada sem verba de manutenção desde outubro de 2015.
Além de Passoni, a Folha também ouviu (aqui) naquela edição, dedicada à crise na Uenf, vários representantes da sociedade civil organizada e da comunidade acadêmica: Humberto Nobre, presidente da OAB/Campos; Jefferson Manhães de Azevedo, reitor do IFF; Fernando José Coutinho, presidente da Firjan no Norte Fluminense; Marcos Breda, coordenador regional do Sindipetro; Frederico Paes, presidente do Siserj; Hernán Armando Mamani, diretor da UFF-Campos; Elizabeth Landim, vice diretora do Isecensa; Inês Ururahy, reitora do Uniflu; Joilson Barcelos, presidente da CDL; Ronaldo Nascimento, presidente do sindicato dos Comerciários; Gustavo Chagas, diretor do Isepam; Heitor Antonio da Silva, reitor da Uni-Redentor; Giselle Teixeira de Almeida, diretora da Universo; José Luiz Lobo Escocard, presidente da Acic; Tito Inojosa, presidente da Asflucan; Vitor Menezes, presidente da AIC; Edilbert Pellegrini, diretor da FMC; Rafanele Alves, presidente do sindicato dos Bancários; e João Waked Filho, presidente da Carjopa.
Apesar de toda a mobilização em torno da Uenf, o pior chegou na última quinta-feira. Com servidores e professores da universidade tendo que socorrer à doação de cestas básicas para poderem comer, a Aduenf decretou a greve até que as dívidas do governo estadual sejam quitadas. Abaixo, nos relatos de dois jovens jornalistas da Folha, que cobriram o caso na quinta e na sexta, duas análises são precisas para descrever a situação atual da mais importante instituição de ensino superior do Norte Fluminense: a roda gigante que travou com toda a Uenf e a região na parte inferior de um “brinquedo” sem nenhuma graça, e do nosso doloroso fracasso enquanto sociedade, impotente diante de professores universitários passando fome:
“A assembleia do corpo docente da Uenf que definiu o início da greve, logo após o início do segundo semestre de 2017, foi uma das coisas mais tristes que já presenciei. Vi estudantes se manifestando por quererem estudar, e professores, dentro de seus totais direitos, discutindo contra isso. Não porque não querem trabalhar; mas porque não dá mais. Quatro meses não são quatro dias. O descaso do governo com os servidores é total. Na mesma assembleia, vi professores se emocionarem pedindo apoio dos alunos, pois se dedicam para que estes sejam futuros professores e torcem para que eles não tenham que passar pelo que os atuais estão passando. Vi uma aluna falar em democracia e ser impedida de se manifestar caso quisesse continuar no auditório. Afinal, a reunião era de docentes. Nas reuniões de diretório acadêmico, também por questão de ordem, haverá o troco; será a vez dos professores engolirem o significado de democracia. Isto, dentro de uma universidade pública.
O momento da educação superior pública brasileira é como uma roda gigante em que só foram ocupadas cadeiras próximas, em apenas um lado do ‘brinquedo’. Já teve época em que todo mundo estava lá em cima, na adrenalina, com medo de cair. Hoje, o ‘brinquedo’ travou com todo mundo embaixo. Professores e alunos, lado a lado, com desejos parecidos, mas, por ora, rivais. Enquanto os mais experientes querem descer e protestar contra os ‘proprietários do parque’, os mais novos, no auge da juventude, só pensam em ver a roda voltar a girar logo, nem que seja em velocidade lenta, só para terem a oportunidade de viver a aventura chamada aprendizado. E, em meio a isso, ainda, os demais funcionários de apoio, que fazem a máquina funcionar. Todos sem previsão de retorno. O medo da vez é que o ‘brinquedo’ não ligue mais. Neste ‘parque do ensino’, são os servidores quem fazem a diversão”.
(Matheus Andrade Berriel, jornalista)
“Tenho acompanhado, bem de perto, o dia a dia dos servidores da Uenf, em Campos. Ouço seus relatos, vejo as dificuldades e, também, a nobreza com que abraçam a causa dos que estão em situações mais alarmantes. São três meses de salários atrasados e a falta do 13º salário. Não há previsão para a regularização do pagamento. Na noite de ontem, os docentes da instituição optaram, assim como a Uerj, por greve. Tempo indeterminado. Não há condições de manter o funcionamento da universidade sem verbas.
Na manhã de hoje, primeiro dia de greve dos professores, estive na Uenf. No local, aposentados, pensionistas e servidores estaduais, que estão passando fome, se reuniram para ter acesso às cestas básicas, cujos produtos têm sido doados pelos campistas. Entre conversas paralelas, ouço mais um pouco sobre os transtornos. Imediatamente, penso em como é a realidade desses companheiros, próximos a mim, que enfrentam todos os tipos de dificuldades — incluindo falta de dinheiro para transporte e cuidados básicos.
São pessoas que se dedicam/dedicaram às suas profissões; que ajudaram a construir uma realidade melhor para a nossa cidade; que se entregaram ao projeto idealizado por Darcy Ribeiro por acreditarem em suas propostas. Observar o estado crítico em que vivem esses trabalhadores, junto à destruição de seus sonhos, me enfraquece. Desestimula. Traz incredulidade. Sensação de impotência. Olho ao redor e noto que, sim, todos nós, brasileiros, estamos anestesiados com tapas e socos que surgem de diversas direções. Enquanto isso, enquanto nós, os ‘de fora’, estamos paralisados pelos choques, eu vi, hoje, uma demonstração de nobreza e amor ao próximo em cada cesta doada a quem não tem força, nem comida, nem dinheiro, nem fé.
Fracassamos. E dói assistir a esse fracasso.
‘Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive
Apenas aguenta’”
(Paula Vigneron, jornalista e escritora)
Publicado hoje (06) na Folha da Manhã
Estamos perdendo…
“Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho, sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida”
Precisamos refletir sobre os crimes cometidos por políticos que se unem a empresários para roubar o Estado. As verbas desviadas pelos criminosos prejudicam milhões de cidadãos brasileiros pois deixam de financiar serviços públicos enquanto são usadas para sustentar hábitos sofisticados do tipo pagar fortunas por refeições servidas em restaurantes caríssimos, colecionar automóveis de luxo, viajar para lugares exóticos ou comprar imóveis suntuosos. Lembremo-nos dos ladrões quando a UERJ suspender as aulas por causa do atraso no pagamento dos salários dos professores; quando o bandejão da UERJ deixar de servir refeições aos estudantes devido ao calote aos fornecedores alimentos; quando o Arquivo Público parar de funcionar devido à falta de dinheiro para pagar as contas de luz e de água; quando o funcionalismo municipal não receber salários porque os cofres da Prefeitura estão vazios; quando viajarmos em ônibus espremidos como gado porque o Estado não tem dinheiro para construir novas linhas de metrô; quando a Polícia Federal interromper a emissão de passaportes por falta de verba; quando procurarmos um pronto socorro e ouvirmos do plantonista que ele não vai tirar raio x de uma fratura porque o posto não tem aparelho de radiografia, ou quando agendarmos uma consulta no SUS e esperarmos até 6 meses para sermos atendidos. Para diminuir a sensação de vivermos em um país onde se pode tudo e onde a impunidade vigora, tratemos o roubo de verbas públicas como crime hediondo e apliquemos aos seus autores punição proporcional aos danos que causam à sociedade.