Uenf sem ter o que comer
Hoje se completam cinco dias da paralisação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro. A greve na mais importante instituição de ensino superior de Campos e região foi decretada pela Associação de Docentes da Uenf (Aduenf) na última quinta-feira (03). Diferente de outras paralisações nos 24 anos de vida da universidade, quase como férias extraoficiais pelas reivindicações de praxe, não há como não apoiar a excepcionalidade da causa atual: o pagamento do 13º de 2016 e dos salários de maio, junho e julho de 2017 a servidores e professores que têm recorrido à doação de cestas básicas para ter o que comer.
O trabalho
Quem trabalha quase sempre acha que deveria ganhar mais. Quem emprega, não raro acha que paga o suficiente. Entre a oferta e procura de Adam Smith e a mais valia de Marx, esse é o conflito desde sempre. O que não se pode admitir é que não se pague nada a quem trabalhou. Sobretudo quando o trabalho, como o desenvolvido na Uenf há quase um quarto de século, é destaque meritocrático nas avaliações científicas do país. Só para ficar na última, em maio a universidade ganhou (aqui) pela terceira vez o Prêmio Nacional de Iniciação Científica, conferido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
A questão
Com a polarização muitas vezes esquizofrênica do debate público brasileiro desde o 2º turno da eleição presidencial de 2014, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, e pela vergonhosa negativa da Câmara Federal em dar prosseguimento às investigações sobre Michel Temer (PMDB), há quem critique o pensamento político dominante na Uenf, por entendê-lo refratário, por exemplo, a parcerias com a iniciativa privada. Quem vê nisso (aqui) uma alternativa de sobrevivência, tem todo o direito de questionar, desde que ninguém se desvie da questão principal: é possível pensar Campos e o Norte Fluminense sem a Uenf?
A resposta
Em contrapartida, quem está na Uenf e se queixa da falta de engajamento popular em sua luta, não pode se lembrar de tentar quebrar o aquário entre universidade e sociedade apenas quando o calo da primeira aperta. E, sem receber verba de manutenção do governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) desde outubro de 2015, o calo já estourou há mais de 21 meses. O estágio atual é da ferida que chegou ao nervo do osso do pé. Perder a Uenf seria ter amputado um membro imprescindível ao caminhar da região, que seria empurrada três décadas para trás em oportunidades de desenvolvimento.
Outra pergunta
Para quem vive em Campos ou no Norte Fluminense e achar que tanto faz, responda antes a uma pergunta simples, pessoal e intransferível. Quem, mesmo sem nunca ter passado pelos quadros discente e docente da nossa maior universidade, não tem pelo menos um parente, amigo, colega de trabalho ou vizinho que não tenha ampliado sua capacidade acadêmica e profissional, sua visão de mundo e sobre si mesmo, depois de fazê-lo? Porque quem não souber dar a devida importância à resposta, não deveria viver em sociedade.
A luta
Concebida pelo antropólogo Darcy Ribeiro, a Uenf foi inaugurada em 1993. Mas é fruto de desejos e lutas anteriores. Um dos seus símbolos, a Villa Maria, onde passou a funcionar a Casa de Cultura da universidade, foi doada a esta em testamento por sua antiga proprietária, Dona Finazinha Queiroz, desde a sua morte em 1970. Se a Uenf funciona há 24 anos, o desejo da cidade por uma universidade pública de qualidade vem de quase outro quarto de século antes de ser finalmente realizado. E se quem vive hoje em Campos não for capaz de lutar para mantê-la, não será digno de quem já lutou e não está mais aqui para fazê-lo.
O fato
Ciente do seu papel de porta-voz de Campos e do Norte Fluminense, a Folha da Manhã, a partir de hoje, fará constar na primeira dobra de sua capa, a cada nova edição, o calendário atualizado de quantos dias a Uenf está parada. Em duas edições especiais de domingo (30/04 e 07/05), dedicadas à crise da universidade, as principais lideranças políticas, acadêmicas e de classe da cidade e da região foram ouvidas por este jornal. E todas, em coro uníssono, foram vozes firmes na defesa da manutenção da Uenf. Se o atual governo estadual, ou qualquer outro, achar que pode simplesmente ignorar isso, está muito enganado. Não pode. E não irá!
Publicado hoje (08) na Folha da Manhã
Prezado Aluysio
A Folha tem certamente tido um papel importante na luta da UENF contra este processo de desmonte imposto pelo atual governo. Resolvi escrever este comentário, no entanto, por considerar que uma das opiniões expressas nesta coluna pode estar mal informada. Tenha certeza que nenhum Professor entra em greve com a cabeça tranquila. Esta é uma decisão extrema que impõe um custo alto à própria classe, muito longe de serem “férias extraoficiais”. Várias greves deflagradas na UENF tiveram como objetivo a defesa da Instituição, colocando reposições salariais em segundo plano. As reposições reivindicadas em outras greves não são aumento de salário, mas uma tentativa de perder menos. O custo de vida aumenta constantemente, e o próprio salário mínimo é corrigido anualmente. O salário dos servidores, no entanto, não é corrigido nunca, a não ser que faça greve. Esta distorção seria facilmente corrigida e as greves evitadas ou reduzidas se o governo tivesse um plano de correção salarial. Acho difícil acreditar que a sua opinião seja que o servidor tem que receber o mesmo valor de salário durante 10 anos enquanto suas despesas vão aumentando de acordo com os índices econômicos. Por fim, a luta salarial pode ter um objetivo imediato, mas também tem um papel relevante na defesa da Instituição. Na iniciativa privada, uma empresa pode atrair profissionais melhores ao oferecer salários mais altos. Isto acontece em Universidades de outros países, mas é impossível para as Universidades Brasileiras, pela falta de flexibilidade. Sem as greves passadas, seria impossível manter os salários da UENF em níveis próximos aos das Federais e as de outros Estados, o que criaria ainda maiores dificuldades de contratar profissionais qualificados. Existem alguns outros pontos em que discordo das suas posições, mas este comentário já está grande demais. Aplaudo novamente a iniciativa da Folha em manter a luta em defesa da UENF e espero melhores dias para nossa Universidade e Região.
Caro Leandro R. Monteiro,
Penso que nenhum professor entra numa greve de cabeça tranquila. Da mesma maneira que nenhum estudante ou pai de aluno de qualquer insituição de ensino pública no Brasil, há algum tempo, é capaz de planejar com tranquilidade a conclusão do ano letivo sem a interrupção das greves. Daí a expressão “férias extraoficiais”. Concordo que é uma generalização, tão perigosa qt qualquer outra. E que cada movimento reivindicatório tenha suas particularidades, unidas pela mesma desvalorização aviltante à qual os profissionais da educação são submetidos no Brasil. Sobretudo nos ensinos infantil, fundamental e médio. Todavia, a distinção que se buscou fazer é entre quem busca repor perdas salariais diante da inflação, com quem trabalhou sem receber rigorosamente nada. E este é o caso dos professores e servidores da Uenf, que esperam até hoje o 13º de 2016 e os vencimentos de maio, junho e julho de 2017. Daí ser inquestionável o direito da Aduenf de decretar greve na última quinta, enquanto esses atrasados não forem devidamente quitados. Tanto que hoje os servidores administrativos da Uenf aderiram à paralisação. Discordar é salutar e faz parte do jogo democrático. Desde que, como ressaltado no texto, não se perca o foco dos dois questionamentos principais: 1) “é possível pensar Campos e o Norte Fluminense sem a Uenf?” e 2) “Quem, mesmo sem nunca ter passado pelos quadros discente e docente da nossa maior universidade, não tem pelo menos um parente, amigo, colega de trabalho ou vizinho que não tenha ampliado sua capacidade acadêmica e profissional, sua visão de mundo e sobre si mesmo, depois de fazê-lo?”. É isso que, penso, teria que unir Campos e o Norte Fluminense sobre quaisquer diferenças.
Abç e grato pela chance da exposição!
Aluysio