Crônica do domingo — Personagens de um crime imperfeito

 

Capa da Folha de 24/08/17 (Edição de Joseli Matias e Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Personagens de um crime imperfeito

Por Paula Vigneron(*)

 

Tarde de sábado, 19 de agosto de 2017. Em Campos, veículos de comunicação divulgam a tentativa de homicídio de uma jovem universitária. Durante um assalto, na pracinha do parque Rio Branco, em Guarus, Ana Paula Ramos, de 25 anos, foi baleada. Dois bandidos roubaram celular e dinheiro da vítima, que estava acompanhada por uma amiga, posteriormente identificada como cunhada. Eles estavam em uma bicicleta e fugiram do local do crime. Um deles foi localizado pela Polícia Militar e preso na mesma noite.

Manhã de terça-feira, 22 de agosto. Diversas pessoas entram e saem da delegacia de Guarus. Uns buscam informações; outros as fornecem. A morte, até então fruto de um assalto inesperado, tornou-se um crime encomendado. A mandante foi a cunhada. Alguns percorrem a área externa, em silêncio, observando a movimentação. O Hospital Ferreira Machado (HFM) publica uma nota para declarar a morte cerebral da universitária.

Na véspera, parentes e amigos se organizaram, na porta da unidade hospitalar, em uma corrente de oração por Ana Paula. À noite, familiares permaneceram em frente ao hospital para conseguirem notícias da vítima. Eles foram notificados sobre a morte cerebral. No momento do relato, policiais, que transitavam à paisana entre a multidão e nas proximidades, abordaram a suspeita de organizar a ação. Ela não reagiu e foi encaminhada à delegacia para prestar esclarecimentos. Outros dois suspeitos também foram presos por envolvimento na morte de Ana Paula: o que arrecadou materiais para simular o assalto; e o intermediário, que foi ponte entre a mandante e os demais comparsas.

Na delegacia, o irmão da vítima e marido da suspeita busca compreender o motivo da detenção e é surpreendido ao saber que a esposa estava sendo apresentada como mandante do homicídio. Após a notícia, sente mal-estar. Os policiais na unidade acompanham os desdobramentos e atuam, durante toda a madrugada, no caso. Pela manhã, prosseguem com o trabalho, auxiliados por biscoitos e doses de café. Dentro do local, os suspeitos continuam à espera dos próximos fatos.

Nas redes sociais, internautas lamentam pelo crime brutal que chocou os moradores de Campos. Uma moça planeja o homicídio da cunhada. Contrata outras pessoas. Paga R$ 2 mil no momento do encontro. Os outros R$ 500 seriam entregues após a realização do serviço. Inicialmente, o suposto assalto foi pensado para acontecer na praça de Custodópolis, mas, devido à grande movimentação, há mudança de planos. Segue para uma praça após convidar a vítima para visitar as obras de sua nova casa, na qual moraria com o marido, irmão da moça. Depois, escolheriam a sua roupa para o casamento de Ana Paula, marcado para outubro.

Antes, em uma tarde aparentemente comum para duas amigas de infância, tomariam um sorvete na pracinha. Seria esse o sinal para os bandidos, supostos assaltantes, abordarem as duas. Eles chegam ao local da emboscada. Pegam o celular e o dinheiro, parcela que faltava para completar a negociação, na simulação do assalto. Assiste aos tiros disparados em direção à vítima. Um atinge a cabeça, que resultaria, dois dias depois, na morte cerebral decorrente de trauma no crânio. Acompanha o dia a dia da família e da internação. Une-se às orações pela melhora da jovem.

À porta da delegacia, surgem questionamentos, certezas e revolta com o ato e a frieza com que se portou a jovem. Na manhã de quarta-feira, com respostas para dar à população, o delegado responsável pelo caso apresenta a mandante e os comparsas à imprensa, em uma coletiva. “Para nós, é necessário fazer uma apuração com maior acuidade para que saibamos a motivação real. Acreditamos numa passionalidade dessa motivação, mas ainda necessitamos de mais esclarecimentos. Quanto ao fato de ela ser a mandante, não temos dúvidas sobre isso”, declara.

De costas para os jornalistas, a idealizadora do homicídio permanece impassível. Caminha, posteriormente, entre eles. Mãos imóveis, com algemas, e olhos atentos aos movimentos ao redor. Observa. Encara os presentes, brevemente, e volta a si. Sem reações. É encaminhada ao Instituto Médico Legal para o exame de corpo de delito. A poucos quilômetros dali e horas antes de sua morte, Ana Paula respira com ajuda de aparelhos enquanto, no IML, a cunhada e amiga de infância distrai-se enrolando fios de cabelo nos dedos, aguardando o desfecho de seu crime imperfeito.

 

(*) Jornalista e escritora

 

Publicado hoje (27) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 14 comentários

  1. Edi Cardozo

    E vocês, da imprensa, sem um mínimo de in
    teresse para um “furo de reportagem”, ignoram e não perguntam a traidora o motivo para tal violência e tamanha insanidade contra a vitima.
    ro de reportagem” não

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro(a?) Edi,

      Só alguém que nunca testemunhou o pior da humanidade vindo a furo numa delegacia, pode supor que a pergunta mais elementar do mundo não foi feita. E que a suspeita, que tem o direito constitucional de ficar em silêncio e não produzir prova contra si, responderia a um jornalista a pergunta feita antes, inúmeras vezes, por policiais.

      Grato pela chance de ressaltar o óbvio!

      Aluysio

  2. Maicon Wando

    Excelente texto, Paulínia!

  3. Maicon Wando

    Paulinha*

  4. Emar Azevedo

    Perfeito! A pessoa que criticou, primeiro comentário, parece não conhecer muito bem os mecanismos que envolvem uma reportagem policial e os limites que ela contém.
    Ando sem paciência para os que sempre querem criticar. Pior ainda, sem base para isso.

  5. Vera

    Texto impecável ,Paula!!! Parabéns!!

  6. Paula Vigneron

    Muito obrigada pela leitura e pelo retorno, Maicon e Emar.

  7. Paula Vigneron

    Obrigada, Vera!

  8. Nino Bellieny

    Texto perfeito, frio e objetivo, relatando como deve ser. E, reforçando quem já disse, não cabe a jornalistas repetir perguntas que os policiais já fizeram. O óbvio tem limites.

  9. cesar peixoto

    Mais uma vez eu aguardo que divulgue qual a profissao e o local de trabalho, da mandante do assassinato da universitaria

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Cesar Peixoto,

      A suspeita de mandante do assassinato trabalhava como bancária. Já para saber seu local de trabalho, melhor esperar sentado ou buscar em fonte que ignore a diferença entre interesse público e interesse do público.

      Grato pela chance do esclarecimento!

      Aluysio

  10. Celia

    Tomem na cara postes. (Trecho excluído pela moderação)

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara(o?) Celia (ou Edi?), IP: 172.68.25.73,

      Ao se chocar com o poste, a tendência é mesmo machucar a “cara”. É o que se pode dizer de quem fez o primeiro comentário infeliz como “Edi”, pelo IP 172.68.25.73. E, depois de repondido(a?) pelo blogueiro e dois outros comentaristas, chora suas mágoas em um novo comentário, no qual passa a assinar como “Celia”, mas não tem a inteligência de mudar o mesmo IP 172.68.25.73. Pela lógica, quem é desonesto na assinatura do próprio nome, não tem dificuldade para sê-lo no mais que escreve.
      Enquanto isso, a crônica da Paula, ilustrada pela capa da Joseli e do Eliabe, vai ultrapassando o meio milhar de likes…

      Grato pela dupla participação!

      Aluysio

  11. Nélia

    Parabéns, Aluysio Abreu Barbosa!! Sua Competência e Educação deram a resposta que esse primeiro comentário precisava.Parabéns a Paula Vigneron também.

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