Vanessa Henriques — Afinal, o que é femicídio?

 

 

 

Novembro de dois mil e dezesseis. Celsiane Queiroz do Amaral, trinta anos, foi estrangulada em Chapéu do Sol, São João da Barra, pelo namorado que já acumulava um histórico de agressões à vítima. Somente na semana passada o autor do crime revelou o local onde havia enterrado o corpo, dez meses depois de ter cometido o assassinato. O namorado afirmou que matou Celsiane devido a “provocações injustas” que ela teria dirigido a ele durante uma relação sexual. Segundo a irmã da vítima, Celsiane costumeiramente apanhava do namorado na frente dos filhos.

Nove de março de dois mil e dezessete. Mônica Gomes Rangel, de vinte e nove anos, foi morta (aqui) com um tiro de espingarda calibre 12 na frente da filha de treze anos, no distrito de Vila Nova, em Campos. O autor do crime foi o ex-marido de Mônica, de quem ela havia se separado pouco tempo antes da tragédia. O assassino confesso justificou o crime alegando ter descoberto um “vídeo íntimo” da esposa.

Doze de setembro de dois mil e dezessete. Dandara Ramos, vinte e um anos, foi morta com dois tiros na cabeça por um homem com quem se relacionava há seis meses, em Conceição de Macabu. O autor do crime confessou sua autoria à polícia e revelou o local no qual havia ocultado o corpo da vítima. Disse que matou Dandara porque ela contou que estava esperando um filho dele. Para ele, a gravidez poderia atrapalhar os planos que tinha para sua vida, dentre eles o de iniciar um relacionamento com outra mulher.

Esses foram três casos de assassinatos de mulheres que aconteceram na região nos últimos tempos. Escolho elencar apenas três de uma longa lista deles. O que os três crimes possuem em comum? São qualificados como feminicídios.

No Brasil, a Lei nº 13.104/2015 alterou o artigo 121 do Código Penal para incluir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, aumentando a pena do crime e impedindo o pagamento de fiança. Tal alteração segue a recomendação de organização internacionais, como o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), da Organização das Nações Unidas.

Sendo assim, no Código Penal brasileiro, o crime de feminicídio está classificado como um crime hediondo, tipificado nos seguintes termos: é o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O feminicídio, então, seria uma forma de violência originada pela desigualdade de poder de que desfrutam mulheres e meninas nas diferentes esferas sociais.

Desta forma, nem toda morte de mulher configura-se necessariamente como feminicídio. A maior parte dos feminicídios acontece no âmbito doméstico e é levado a cabo por parceiros ou ex-parceiros da vítima. Frequentemente os crimes são marcados por requintes de crueldade, como mutilação dos seios ou da área genital, partes do corpo fortemente vinculadas ao feminino, dilacerações do rosto da vítima, além de violência sexual.

O famoso caso da menina Eloá, cujo sequestro pelo ex-namorado Lindemberg culminou em seu assassinato no dia dezessete de outubro de dois mil e oito, é exemplo de um feminicídio em que a vítima recebeu um tiro no rosto e outro na virilha, além de ter apanhado diversas vezes enquanto permaneceu no cárcere. O caso que foi massivamente publicizado pelos meios de comunicação na época (com direito à apresentadora Sônia Abrão transmitindo ao vivo uma ligação para o sequestrador), pode demonstrar algumas características típicas do crime de feminicídio: Lindemberg era um rapaz de vinte e dois anos que não aceitava o término do namoro, tal como outras centenas de milhares de rapazes e homens que veem suas parceiras como sua propriedade, negando a elas o direito de determinarem os rumos de suas próprias existências. “Se ela não for minha, não vai ser de mais ninguém” é frase que não raramente ouvimos desses homens que decidem por fim à vida das mulheres com as quais se relacionaram.

É comum que os meios de comunicação classifiquem este tipo de crime como “passional”, fruto de um lapso momentâneo em que o autor da agressão perde o controle racional sobre as próprias ações e acaba cometendo o assassinato. No entanto, especialistas no tema alertam para o fato de o feminicídio ser o ponto culminante de um processo contínuo de violência já vivenciado pelas vítimas. Antes de serem mortas, essas mulheres já sofriam outros tipos de violência machista de seus companheiros, tais como violências psicológicas e físicas. Essas violências vão desde o controle do corpo dessa mulher, seja através da supervisão de suas vestimentas, do seu direito de ir e vir e de seus direitos reprodutivos e sexuais, até violências físicas que deixam marcas visíveis em seus corpos.

Os feminicídios são entendidos como verdadeiros crimes de ódio e não como “casos isolados”, cometidos por “monstros”, “animais”, doentes mentais” ou qualquer outro nome que frequentemente é atribuído aos homens perpetradores desses crimes. Os “feminicidas” são homens “comuns”, socializados numa cultura machista, que propicia a esses indivíduos a noção de que são senhores da vida dessas mulheres. Não raras vezes os feminicídios acontecem quando a mulher decide se separar, quando existe a possibilidade real ou imaginada de traição (o que fere a noção de “honra” dos autores do crime), quando a mulher engravida e não aceita abortar (e muitas vezes, nesses casos, o autor do crime entende que essa gravidez é uma agressão a ele, culpa exclusivamente da mulher que “não se cuidou”, que quer “arruinar” a vida dele), dentre outros fatores que corriqueiramente acontecem durante relacionamentos.

Para evitar que esses crimes continuem a acontecer em grande escala como é o caso do que acontece no Brasil – país com o quinto maior índice de feminicídio do mundo – é preciso não somente que exista uma potente e articulada rede de enfrentamento à violência contra a mulher, intento que deve conjugar esforços dos três poderes, no âmbito municipal, estadual e federal, como também é preciso investir em ações de educação e reeducação a respeito de temas como gênero, igualdade, diversidade e direitos humanos. Desta forma, poderemos combater noções e valores discriminatórios contra as mulheres que nos são ensinados desde a infância, reproduzidos de geração a geração, e que são, ao fim e ao cabo, a raiz ideológica desses crimes que atentam contra a vida das mulheres.

 

Reforços do blog: Vanessa Henriques volta, Chico de Aguiar e Orávio de Campos chegam

 

Na semana passada, dois novos colaboradores foram anunciados (aqui) e fizeram (aqui e aqui) suas estreias: a historiadora Guiomar Vadez e o jornalista Alexandre Bastos. Mas outras novidades foram prometidas entre os colaboradores deste “Opiniões”. Uma delas é uma jovem velha conhecida dos leitores do blog: a cientista social Vanessa Henriques, que retoma amanhã (30) sua colaboração quinzenal aos sábados.

Os outros dois novos colaboradores são veteranos do jornalismo de Campos: Chico de Aguiar assume um espaço quinzenal no blog às segundas, a partir da próxima (02/10), ao passo que Orávio de Campos Soares escreverá terça sim, terça não, a partir de 10 de outubro.

Abaixo, em palavras próprias, conheça melhor os três e o que cada um pretende trazer a você, leitor do blog:

 

 

Vanessa Henriques, Chico de Aguiar e Orávio de Campos Soares (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Vanessa Henriques — Depois de ficar um período afastada do blog por conta da dificuldade de conseguir conciliar estudos, trabalho e vida pessoal,volto às contribuições quinzenais, trazendo opiniões sobre temas que julgo relevantes para a corrente conjuntura. Na posição de cientista social e atual presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campos, trarei para o debate questões como violência, sociedade, gênero e sexualidade. Mais uma vez agradeço a oportunidade e fico entusiasmada com a sempre enriquecedora experiência de poder contribuir e aprender com o debate público do nosso município.

 

Chico de Aguiar — Chico de Aguiar é meu nome jornalístico. Sou Francisco Manoel Aguiar Ribeiro, 70 anos, campista, solteiro. O meu pai era campista e minha mãe capixaba. Mas tenho sangue mineiro dos avós maternos. Fiz o curso primário em grupos escolares e no Externato Eucarístico. Sou fundador do Colégio Salesiano, como aluno do curso ginasial. Mas meu melhor momento na vida estudantil foi quando ingressei no curso clássico do Liceu de Humanidades de Campos. Sou bacharel em jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Casper Libero, em São Paulo (SP), cidade onde morei por sete anos, quando fui empregado da Copersucar. Como jornalista fiz carreira nas redações de A Cidade e da Folha da Manhã, em Campos, e na sucursal campista do diário carioca O Dia.

Além de agradecer ao convite do Aluysio pela oportunidade de estar aqui neste espaço, quero propor os temas de minhas reflexões. Sei que tenho a virtude do memorialista. Assim, pretendo escrever sobre música, esportes e outros assuntos relacionados com a nossa cultura. Não obrigatoriamente apenas sobre Campos. Vou buscar uma abrangência, também, sobre o nosso Estado do Rio, sobre o Brasil e sobre o mundo. Sou da geração dos Beatles e dos Roling Stones. A propósito, a frase musical que me acompanha e me guia, eu busquei na canção “Think for yourself”, dos quatro rapazes de Liverpool: “Do what you want to do; and go where you’re going too; think for yourself cause I won’t be there with you”. Sempre só. Vou e faço.

 

Orávio de Campos Soares — Não gosto muito de auto-promoção, mas aí vai o mini currículo: professor mestre em comunicação e cultura (UFRJ), professor do curso de jornalismo do Uniflu (Centro Universitário Fluminense), integra a Academia Campista de Letras, a Academia Pedralva Letras e Artes, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e a Rede Brasileira de Folkcomunicação (Folkcom). Gostaria de abordar assuntos ligados à cultura e às novas tecnologias da comunicação. Mas sempre olhando para frente.

 

Luciane Silva — A sociedade dos camelôs em liquidação

 

 

 

Este é um daqueles textos que classifico como “colhidos na rua”. George Simmel, um sociólogo alemão de ascendência judia, escreveu um texto delicioso sobre o espírito das grandes cidades[1]. Este ar da cidade que “nos faz livres” reúne, em relações de interação muito próximas, pessoas que de outra forma, em outro momento histórico, dificilmente se encontrariam. Estes trilhos de ferro, casebres no meio do barro, túneis subterrâneos em que habitam pessoas e ratos, mercados de pulgas, frangos, panelas e hortaliças. Ou aqueles encontros memoráveis entre os que foram agraciados pela sorte da fortuna, descritos nos contos de Machado de Assis, e aqueles visitados pela desgraça, dependentes de um bom casamento ou da morte de um parente fazendeiro. Ambos flertam na mesma festa de máscaras, interessados ou apaixonados, calculistas ou idealistas, realizam a Grande Comédia da vida moderna. Ao menos pelas poucas horas de duração do baile.

A cidade é, em minha opinião, o grande invento da modernidade. A mais fascinante experiência e o mais aterrador desafio. Quem tem lido os escritos de David Harvey sobre a Índia e outras favelas ao redor do globo pode ter idéia sobre o tamanho do desafio aos pesquisadores em pensar a possibilidade das cidades globais no século XXI. Principalmente, como prover saneamento, condições dignas de moradia? O direito à cidade, tema bastante complexo na obra de Henry Lefebvre nos conduz neste caminho: pensar um tipo de acesso à vida urbana em cidades como Lagos, Mumbai ou São Paulo.

Quem já permaneceu, mesmo que rapidamente em uma cidade com mais de 5 milhões de habitantes, certamente provou da “intensificação de vida nervosa” descrita no ensaio de Simmel. Quantos cálculos diante da velocidade dos sinais, das interações cruzadas por variáveis monetárias, pelas decisões sobre segurança cotidiana e lazer, vizinhança e trabalho? Diante do excesso de estímulos, segundo o autor, o habitante das grandes cidades teria como uma das principais formas de reação a esses estímulos nervosos o desenvolvimento de um caráter “blasé”. Poderíamos pensar em uma escala que vai do desvio de olhares em metrôs ou supermercados, até a reação violenta em situações de interação no trânsito.

Nisto tudo, a experiência urbana se torna indissociável da experiência monetária. Ou mais precisamente, a regulação de todos os aspectos da vida pelo dinheiro. A vida das classes operárias na Inglaterra descrita por Engels, as operações da bolsa de Nova York em 1929, ou o confisco das poupanças no Brasil no governo de Fernando Collor; em todos estes momentos o homem comum foi nivelado pelo quantum do valor que dispunha neste tablado de operações financeiras.

Particularmente, em 2017, tenho andado pelas ruas do Rio de Janeiro observando este gigantesco movimento presente no centro das grandes cidades: o comércio de rua. Entre Alfândega e Cinelândia com atenção especial às ruas próximas da avenida Rio Branco, tenho flagrado um incremento não  apenas da quantidade mas da variedade das mercadorias. Ao mesmo tempo em que as lojas ofertam 60% de desconto em vestuário e eletrodomésticos, os camelôs vendem cavalinhos de brinquedo, moedores de pimenta, “hand spinners” luminosos, queijos curados, pilhas, luminárias, filmes, chicletes, goiabas, programas de computador, roupas, sapatos, canetas, pipocas, amendoins torrados, livros usados, tecidos africanos.

O que mudou em 10 anos de observação? Percebo não só um número maior de mercadorias (inclusive nos trens se vende lasanha congelada, carregadores de celular, coadores de café, chocolates…) como um perfil diferente daqueles que vendem estes itens. Flagro pessoas que recentemente saíram do mercado formal, vestidas com distinção e apuro, idosos em busca de complementação de renda, jovens vendendo azulejos decorados. Uma geração diferente daqueles camelôs que conhecemos, descolados em idas ao Paraguay, conhecedores das regras de divisão das quadras e bancas.

E essa diferença lembrou-me muito aquele homem vendendo maçãs em uma fila interminável de pessoas na Grande Depressão de 29. Rio, 2017, trabalhadores que da noite para o dia se vêem aniquilados pelo desemprego. Em uma cidade que teve seus custos de vida elevados com os megaeventos. A rua como destino de moradia, trabalho, lazer e protesto. A cidade como espaço de contradição e invenção. Esbarramos a cada esquina nestas pessoas que “viraram maçãs”, ou seja, converteram-se no objeto vendido em uma condição de humanidade mutilada. Esbarramos nessa cidade o tempo todo. Mas não há nisso nenhuma fatalidade. A aventura da cidade é coletiva e construída.

A desconfiança como primeira forma da interação e a desigualdade como régua, classificam a cada um de acordo com o pedaço do espaço ocupado. E um dos resultados desta aversão ao estranho, desta desconfiança contínua, é a solidão da grande cidade. Mas, como diz Simmel, os homens resistem. Não só a sua transformação em maçãs, mas a natureza impiedosa do sistema financeiro. Resistem ao nivelamento de todas as qualidades, humores, habilidades e destinos pelo mercado. Inventam novas formas de viver a cidade, recriam espaços e formas de trocas.

Por essa razão devemos saudar com entusiasmo as intervenções urbanas nos muros, o teatro de rua, as serestas, as formas solidárias de troca, a agricultura familiar, os brechós, as formas de habitação alternativas, o artesanato local. E principalmente os espaços de convivência ao ar livre, como a praça São Benedito, a São Salvador ou a simpática “praça do Liceu”. A cidade que queremos é essa. Menos desigual, menos cinza.

(enquanto finalizava este texto, aproveitando o chimarrão em minha cidade, eis que recebo uma ligação impiedosa de um grande banco espanhol, tentando vender um novo produto… ah, os bancos!)

 

[1] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132005000200010

 

Marcão: “O senhor Anthony Garotinho pensa que todo mundo é bandido como ele”

 

Vereador Marcão (Foto: Rodrigo Silveira – Folha da Manhã)

 

 

— O senhor Anthony Garotinho (PR) pensa que todo mundo é bandido como ele. Chamo de senhor, porque é isso que ele é: um senhor decadente, que já foi prefeito, deputado, governador e candidato a presidente, mas hoje não passa de um ex-presidiário, condenado na Chequinho (aqui, por corrupção eleitoral, associação criminosa, coação de testemunhas e supressão de documentos) e condenado como chefe de quadrilha armada (relembre aqui), pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, como o (Ronaldo) Caiado (DEM/GO) bem disse na cara dele (reveja aqui), na Câmara Federal. É um bandido condenado duas vezes, além de investigado na Lava Jato e por outros tantos sinais de prática de ilícitos. E será tratado como o bandido que é: na delegacia de Polícia e na Justiça! O Legislativo de Campos, como poder legalmente instituído, não vai se intimidar com as acusações levianas de um bandido.

As palavras duras foram usadas agora há pouco pelo presidente da Câmara Municipal de Campos, vereador Marcão Gomes (Rede). Ele disse ao blog que está estudando, junto ao procurador geral da Casa, Robson Maciel Filho, a melhor maneira de responsabilizar criminalmente Garotinho. Na noite de ontem, diante à sua famosa “casinha na Lapa que papai deixou”, o ex-governador também usou palavras duras contra os vereadores de Campos:

— Todo mundo sabe, hoje, onde funciona o bar da propina, onde todo mês os vereadores vão lá receber, além de tudo que já ganham, uma quantia em dinheiro, cada um — acusou Garotinho, em meio a vários outros ataques (confira aqui), ao ser liberado da prisão domiciliar, por decisão do  Tribunal Superior Eleitoral (TSE), depois de 14 dias preso pela condenação na Chequinho a nove anos e 11 meses.

Vereador do G-5, Jorginho Virgílio (PRP) se sentiu ofendido com as declarações e apresentou (aqui) uma queixa-crime contra Garotinho, na manhã de hoje, na 134ª DP de Campos:

— Eu, como vereador, não posso aceitar um tipo de acusação inverídica. Vim fazer uma queixa-crime contra ele. Os meus advogados já estão preparando toda a documentação para entrar com uma ação criminal, para que ele possa provar o que denunciou ontem à noite — disse Jorginho. Além da própria Câmara de Campos, outros vereadores devem tomar o mesmo caminho contra o ex-governador.

 

Durante a prisão de Garotinho, Campos não teve protestos. Por que será?

 

 

 

Charge do José Renato publicada hoje (28) na Folha

 

 

Coincidência?

Durou pouco mais de 13 dias a prisão domiciliar e a incomunicabilidade do ex-governador Anthony Garotinho (PR). Condenado no último dia 13, pelo juízo da 100ª Zona Eleitoral (ZE) de Campos, a nove anos e 11 meses de cadeia pelos crimes de corrupção eleitoral, associação criminosa, coação de testemunhas e supressão de documentos, Garotinho teve a prisão e todas as medidas cautelares suspensas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na noite de terça (26). Coincidência ou não, nestas quase duas semanas, Campos não teve quase nenhum protesto popular, nem de categoria, como servidores ou motoristas de vans e lotadas.

 

Garotinho e Rosinha convocam

O dia de ontem (27), seguinte à concessão de habeas corpus pelo TSE, foi gasto com formalidades jurídicas para o cumprimento da decisão da instância máxima da Justiça Eleitoral brasileira. Uma reunião com a militância, engordada pelos que andaram sumidos durante os 13 dias de prisão do líder, chegou a ser convocada nas redes sociais por Garotinho e sua esposa, a ex-prefeita Rosinha Garotinho (PR). Seria às 18h de ontem, no Clube de Regatas Rio Branco, no Centro. Mas, diante dos contratempos burocráticos à liberação do ex-governador, acabou sendo adiada para hoje (28), a priori nos mesmos local e horário.

 

Protestos à míngua

Se a reunião acontecer mesmo hoje, impossível contabilizar a quais categorias e bairros pertencerão os militantes presentes. Mas, nos pouco mais de 13 dias em que Garotinho ficou preso, só duas manifestações ocorreram em Campos: na última quinta (21), pais de alunos e funcionários da Escola Municipal Heitor Alves Barreto, em Ponta de Coqueiros, fecharam (aqui) a RJ 216 contra demissão de uma diretora; enquanto na última terça (26), motoristas e cobradores da empresa Rogil paralisaram (aqui) o serviço, reivindicando os salários de agosto, mesmo com a confirmação do pagamento do consórcio por parte do município no referido mês.

 

Ameaça dos RPAs

Bem verdade que os médicos que trabalham para a municipalidade com Recibo de Pagamento Autônomo (RPA) ontem já ameaçavam cruzar os braços. Segundo eles, o atraso no pagamento chegaria a dois meses. Em comunicado da superintendência da Comunicação, a Prefeitura admitiu dificuldade no pagamento de agosto. Ninguém discute que quem trabalha, sobretudo numa área essencial como a Saúde Pública, tem que receber. Mas a lógica nem sempre é a tônica de quem insufla os protestos para criar o clima de caos na cidade.

 

Quanto pior, melhor

Condenado a oito anos de inelegibilidade na mesma Chequinho que prendeu Garotinho, o ex-vereador Albertinho (PMB), por exemplo, já foi flagrado tanto nos protestos de motoristas de vans e lotadas que se acostumaram a parar impunemente a cidade (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), quanto na paralisação dos rodoviários (aqui) do último dia 4, pedindo fiscalização às vans e lotadas. Nessa ausência de lógica reunida contra a cidade, ontem, diante à “casinha na Lapa” de Garotinho, a militante do ex-candidato a prefeito Caio Vianna (PDT), Josy Vaz, gritava às vans e lotadas que passavam: “A perseguição vai acabar”. E depois vociferava aos ônibus: “A passagem a R$ 1,00 vai voltar”.

 

Expectativa

A retomada da Bacia de Campos é a grande aposta das cidades que fazem parte da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro). Ontem, enquanto dez novos blocos na região eram arrematados em leilão da 14ª Rodada de Licitações de Petróleo e Gás, a busca por investimentos nos campos maduros também levou o prefeito Rafael Diniz à sede da Petrobras, em Macaé, para um encontro com o gerente geral da Unidade de Operações de Exploração e Produção na Bacia de Campos (UO-BC), Marcelo Batalha. A projeção é que R$ 10 bilhões sejam aplicados nos próximos anos onde já há exploração.

 

Socorro

A expectativa é de que o aumento da produção de petróleo eleve a receita de royalties e participações especiais dos municípios. A curto prazo, esses investimentos podem gerar impactos socioeconômicos positivos, com destaque para a geração de empregos, na arrecadação de impostos, como ISS (Imposto Sobre Serviços) e dinamização de serviços e comércio. Diniz ressaltou que os municípios estão unidos por ações de desenvolvimento.

 

Com o jornalista Rodrigo Gonçalves

 

Publicado hoje (27) na Folha da Manhã

 

Amaerj repudia declarações de Gilmar Mendes no julgamento de Garotinho no TSE

 

Em notas postadas neste blog (relembre aqui), a Folha já teve suas discordâncias públicas com a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj). Mas a entidade produziu uma nota sobre as declarações do ministro Gilmar Mendes, que ontem cobrou (aqui) “vergonha na cara” ao fazer a defesa mais veemente do habeas corpus do ex-governador Anthony Garotinho (PR), deferido por 4 a 2 no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em nome do contraditório a um dos magistrados mais impopulares da República, também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), confira abaixo:

 

 

 

 

A Amarej repudia as declarações desrespeitosas do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, contra a atuação dos juízes brasileiros. Ao votar pelo fim da prisão domiciliar do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, nesta terça-feira (26), o ministro ofendeu e desqualificou o trabalho dos magistrados e do Poder Judiciário.

Em um momento de luta contra a corrupção, Gilmar Mendes disse que magistrados “aproveitadores” praticam “populismo constitucional” ao cederem à opinião pública para manter prisões. Sem mencionar nomes, afirmou que “é preciso parar de brincar com a liberdade das pessoas” e “ter vergonha na cara”.

A prisão domiciliar de Garotinho foi determinada e devidamente fundamentada pelo juiz Ralph Manhães, da 100ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes, que o condenou a 9 anos e 11 meses de prisão por corrupção eleitoral, associação criminosa, coação de duas testemunhas e supressão de documentos. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ).

A Amaerj defende a independência judicial da magistratura e manifesta apoio integral aos juízes do País, que têm se conduzido com coragem e firmeza. Os resultados do trabalho dos juízes e seu retorno à sociedade são públicos. É fundamental que sejam valorizados pela relevância de sua atuação e não depreciados, principalmente por uma autoridade, como o presidente do TSE e membro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Uma Justiça forte, independente e resistente a pressões, de onde quer que venham, é um dos pressupostos do Estado de Direito e da democracia.

 

Atualização às 18h25 : a nota da Amaerj foi publicada antes aqui, no blog “Na curva do rio”, de Suzy Monteiro

 

Ricardo André Vasconcelos — De volta ao passado

 

Kennedy e Khrushchov evitaram a guerra em 1962 e em nada lembram Trump e Kim Jong-un

 

 

“É preciso dar um basta a essa maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é paz”.

Homilia de D. Hélder Câmara, na Missa dos Quilombos (disco gravado em 1982 por Milton Nascimento e os bispos D. Hélder Câmara e D. Pedro Casaldáliga).

 

Talvez desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, naqueles 13 dias que abalaram o mundo em outubro de 1962, o Planeta nunca tenha flertado tanto com o apocalipse como nestas últimas semanas. Diferente de meio século atrás, dois idiotas convictos têm o poder de apertar os botões e iniciar a guerra do fim do mundo. De um lado, o ditador Kim Jong-Un, terceiro de uma dinastia bélica, afronta o mundo civilizado com armas nucleares apontadas para o Japão e, garantem, com poder de fogo para atingir os Estados Unidos. Na outra ponta da insana disputa, o líder da nação mais poderosa da Terra, Donald Trump, com a sutileza de um elefante em casa de louças, tuíta ameaças de destruição total — “fogo e fúria” contra a Coreia do Norte.

“É melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos Estados Unidos. Enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu”, declarou Trump em seu clube de golfe em Bedminster, Nova Jersey, onde passava férias há duas semanas. “Agora, Trump insultou a mim e ao meu país diante dos olhos do mundo e fez a mais feroz declaração de guerra da história, de que ele destruiria a República da Coreia do Norte”, completou Kim, retribuindo as ameaças na sequência. “Definitivamente, domarei com fogo esse americano senil mentalmente perturbado”, afirmou Kim Jong-un.

Em nada lembram os estadistas Jonh Kennedy e Nikita Khrushchov, que evitaram em 1962, a guerra numa delicada operação diplomática em que os instintos de sobrevivência dos dois líderes mundiais falaram mais alto. O filme “Treze Dias que Abalaram o Mundo”, de Roger Donalson (2000), retratam como esses dois homens evitaram o primeiro disparo porque sabiam quem depois de iniciada seria praticamente impossível impedir a destruição total.

Naquele cenário de guerra fria resumida às duas grandes potências que dividiram o mundo em dois ao final da Segunda Guerra (1939-1945), apenas elas, União Soviética e Estados Unidos eram potências nucleares. Atualmente o cenário é mais grave porque os conflitos são pulverizados por diversas áreas do Planeta e uma dezena de nações tem armas nucleares, incluindo a Coreia do Norte e outros países tão instáveis quanto, como Paquistão, Índia, além das potências econômicas, China, Reino Unido, França, Rússia, Israel e Estados Unidos. No Irã dos aiatolás há suspeitas não confirmadas, ainda.

Ao longo da história, as guerras entre os povos foram justificadas com argumentos econômicos e expansionistas em um mundo ainda em construção. Conquistadores — heróis-bandidos — movidos pela ambição de ampliar territórios e impor sua cultura, como Alexandre, Júlio César, Gengis Khan, Napoleão, Hitler ou Stálin estariam confinados aos livros de história com os ares pacifistas que respiramos a partir dos anos finais do século XX. Os acordos de não proliferação das armas nucleares e a desmobilização de arsenais atômicos na Ásia, Europa e mesmo nos Estados Unidos, autorizavam-nos a sonhar com um mundo futuramente livre da ameaça de destruição. Ledo engano.

Como a morte que espreita o homem desde o berço, o espectro da autodestruição paira sobre nossas cabeças. De novo estamos de volta ao passado!

 

Peão no jogo de Brasília, Campos terá governo no foco e Garotinho na oposição

 

Charge do José Renato publicada hoje (27) na Folha

 

 

 

 

Garotinho, o retorno

Acabou o suspense. Por quatro votos a dois o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não só revogou (aqui) a prisão domiciliar do ex-governador Anthony Garotinho (PR), na famosa “casinha da Lapa que papai deixou”, como suspendeu todas as medidas cautelares determinadas (aqui) pelo juiz Ralph Manhães, na 100ª Zona Eleitoral de Campos, depois confirmadas (aqui) por unanimidade pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Na prática, assim que for publicado o acórdão do TSE, Garotinho não usará mais tornozeleira eletrônica, poderá falar sobre o processo, retomar seu programa de rádio na Tupi e ir para onde bem entender.

 

Trilha de Rosinha

Assim que a decisão do TSE foi definida no Planalto Central, fogos espocaram na Planície Goitacá. Na rua Saturnino Braga, na Lapa, multiplicaram-se os militantes do garotismo. Rosinha Garotinho (PR) saiu à rua para comemorar com eles. Ela cantou o louvor “Senhor do Universo”, sendo seguida pela execução de “Como é grande o meu amor por você”, de Roberto Carlos. Apesar do histerismo da última quinta (21), quando gravou (aqui) um live na casa de uma vizinha, para dizer que seu marido não havia descumprido a prisão monitorada pela tornozeleira, a ex-prefeita se mostrou certa ao apostar todas as fichas do casal em Brasília.

 

Aviso de Clarissa

Bem mais contida (e irônica), a secretária municipal de Trabalho do Rio de Janeiro, Clarissa Garotinho (PRB), também parecia antever a decisão de ontem. Em resposta (aqui) a um texto de Gustavo Matheus (PV), seu primo e superintendente de Trabalho em Campos, a deputada federal licenciada cometeu gafes, como elogiar o Cepop — símbolo maior de desperdício do dinheiro público na gestão municipal rosácea. No entanto, diante do pai chamado de “leão desjubado”, Clarissa pareceu segura ao ecoar a todos o aviso ao primo: “A ‘juba’ do seu tio vai crescer de novo. Você pode estar ao lado dos leões, não precisa se juntar aos caçadores!”.

 

Sobem

Pelo sim, pelo não, Garotinho ontem não pôs a cara fora da “casinha da Lapa”. Nem da janela. Mas tão logo seja liberado a fazê-lo pela porta da frente, nada indica que usará o passado recente como lição de humildade (ou cautela) ao futuro. Sobretudo após ter ontem a aparente garantia de que, salvo fato novo, não será preso novamente pela 100ª ZE ou TRE, sem o crivo do TSE. Presente lá ontem, após passar a morar em Brasília para defender o líder, cresce dentro do grupo o conceito do advogado Thiago Godoy (PR), candidato à vaga aberta pela nomeação de Francisco de Assis Pessanha Filho ao Tribunal de Justiça (TJ) do Estado do Rio.

 

Jurisprudência

Ex-advogado de Rosinha, na segunda cassação desta como prefeita, em 2011, o atual relator da Chequinho no TSE, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, não viu fato novo que justificasse a prisão domiciliar ou as medidas cautelares. De fato, nova foi só a confusão com a tornozeleira, sobre a qual Rosinha estava correta e que não ajudou a quem queria Garotinho preso. Contra o voto do relator, ficaram apenas os ministros Rosa Weber e Herman Benjamin. Este, embora favorável ao recurso em liberdade, preferiu votar por escrito e separado, por discordar que se firmasse com a decisão de ontem uma jurisprudência contra a instituição da prisão preventiva.

 

Vergonha na cara?

Quem cega além do primeiro algarismo, talvez não tenha visto o dois seguinte numa operação de soma, tampouco o quatro como resultado final da equação. Para estes, o julgamento de ontem foi só sobre Garotinho. Com a decisão favorável a ele defendida ardorosamente pelo insuspeito presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, Benjamin pareceu antever a formação de uma jurisprudência que visa, de maneira mais ampla, livrar a cara de uma elite política corrupta e acossada em investigações como a Lava Jato — da qual a Chequinho é consequência inequívoca. Por via das dúvidas, em sua fala, Gilmar cobrou “vergonha na cara”.

 

Jogo jogado

Mero peão no jogo do Planalto Central — como quando a “venda do futuro” de Campos foi trocada (aqui) com o governo federal Dilma Rousseff (PT), pela abstenção da deputada Clarissa na votação do impeachment da ex-presidente —, a Planície Goitacá retoma sua velha realidade. Com a liberdade física, de palavras e atos a Garotinho, o governo Rafael Diniz (PPS) voltará ao foco, com o retorno do seu mais articulado e raivoso opositor. Fatos como a paralisação (aqui) dos rodoviários da Rogil, ou o corte de luz (aqui) nas unidades municipais por falta de pagamento, todos ocorridos ontem, não serão mais eclipsados pelas desventuras da Lapa.

 

Publicado hoje (27) na Folha da Manhã