Gustavo Alejandro Oviedo — Para quem diz que não tem nada novo na TV

 

 

 

Esta semana finalizou um dos fenômenos mais importantes da televisão mundial: foi ao ar o ultimo episódio da terceira temporada de Twin Peaks, pela Netflix.

O seriado, criado pelo diretor David Lynch, teve as suas duas primeiras temporadas exibidas em  1990 e 1991, respectivamente. Numa pequena cidade do interior do estado de Washington, uma garota, Laura Palmer, é assassinada. Para investigar o crime, o FBI envia até Twin Peaks  o agente Cooper, quem terá que lidar com uma fauna de habitantes bastante excêntricos. Mas não apenas isso. Com o decorrer dos capítulos, o ‘universo Lynch’ irá desflorando, apresentando também universos paralelos, entidades metafísicas y monstros sobrenaturais.

O programa se antecipou, em muito, a projetos como “Arquivos X”, “Lost” ou “The Leftovers”. E pagou um preço pela audácia: com a audiência despencando, a rede ABC, produtora do seriado, cancelou o projeto. No entanto, no último capítulo da segunda temporada, o agente Cooper se encontra com a falecida Laura Palmer no plano extra-terrenal chamado “Black Lodge”, e ali a moça faz uma profecia: eles se reencontrarão 25 anos mais tarde.

Com apenas alguns meses de demora, a predição de Palmer se realizaria.  O canal americano Showtime, em parceria com a Netflix, estreou, de maio até esta semana, a continuação da saga metafísica de Lynch, um quarto de século depois. Para os antigos espectadores, tornar a ver os mesmos personagens, passados tantos anos, é se reencontrar com velhos conhecidos, além de provocar aquela melancolia de ver o que o tempo faz com rostos que recordávamos jovens. Para os novos assistentes, é uma experiência que lava os olhos diante de tanta mesmice e mediocridade.

Quem conhece um pouco da filmografia de David Lynch sabe que uma das obsessões do diretor é mostrar o contraste entre o corriqueiro e o sobrenatural, ou, mais bem, o aspecto surreal que se esconde por trás do cotidiano da sociedade norte-americana.  Lynch nunca foi um narrador clássico, no sentido facilitar a vida para seus espectadores (suas duas exceções são The Elephant Man e, não casualmente, A Straight Story). Aquela característica se mantém, ou melhor, se potencia na terceira temporada do seriado.

E é ali onde reside a maravilha de Twin Peaks, e faz dela uma opção única entre as dezenas de programas de TV que hoje temos disponíveis: é absolutamente hipnótica e imprevisível. Embora alguns puristas sustentem que é necessário ter visto os capítulos prévios das temporadas anteriores, garanto que isto é absolutamente desnecessário.  Você não vai entender absolutamente nada, mas não poderá largar os olhos da tela.

É necessário esclarecer:  Twin Peaks pode ser totalmente maluca, mas não é indecifrável. Há uma secreta coerência dentro do universo metafísico de Lynch.  Só que as regras que o regem não são aquelas do nosso mundo ‘normal’. Quem tenha assistido as temporadas 1 e 2 podem captar algumas coisas a mais do que os novos espectadores, mas também não vão pegar tudo. Por outro lado, entender, para Lynch, não é mais importante do que sentir. Ele quer que o espectador fique colado à tela, fascinado pela sucessão de imagens, sons e músicas.

No filme ‘O Ultimo Magnata’, de Elia Kazan, um poderoso produtor de Hollywood (Robert De Niro) tenta explicar ao prestigioso escritor (Donald Pleascence) que acaba de contratar para que escreva roteiros – e que não sabe nada de filmes – qual é o segredo do cinema. O faz improvisando uma situação sem lógica nenhuma, acerca de uma moça e um homem que a observa. De repente, De Niro para de contar a história, e fica olhando para o escritor, quem não se aguenta e pergunta: ‘o que acontece depois?”.

Isso é o que David Lynch consegue em Twin Peaks. Após cada cena absurda, surreal e inverossímil, você fica se perguntando ‘mas, o que acontece depois?’.

A cena do ‘O Último Magnata’ pode ser vista em Youtube, neste link.

 

 

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