Guilerme Carvalhal — A proposta

 

 

 

 

Eu, sozinho em um bar junto da lata de cerveja, um ponto ermo, bem ajeitado e acima de qualquer suspeita. Apenas em um ambiente assim, capaz de proporcionar segurança, que uma mulher apresentaria tal proposta a um desconhecido:

— Aceita duzentos reais pra me comer?

Estava na faixa dos quarenta anos, não era nem bonita nem feia, mas tinha seus atrativos. Se vestia de uma maneira que definiria como discreta e sensual ao mesmo tempo, e seu sóbrio vestido cinza de tecido grosso cobria pernas protegidas por finas meias, meias unicamente postas no intuito de seduzir.

Não disse seu nome nem nada. Somente apresentou a proposta. O aluguel vencido me libertou das iniciais desconfianças de acordar sem um rim: não passava de uma mulher solitária em busca de companhia. E topei.

Ela me conduziu a pé por três quarteirões até um sobrado discreto espremido entre duas grandes casas. Eu mesmo havia passado ali algumas vezes e jamais reparei no imóvel. Ela destrancou um portão lateral que mais parecia uma saída de emergência do que uma entrada principal e me guiou por um corredor estreito até uma escada. Essa escada chegava a uma porta e pela área externa se compreendia ser um pequeno quarto anexo à casa.

Quando entramos e ela acendeu a luz, tomei um susto com um homem cadeirante. Suporia da mesma faixa etária dela, apesar do rosto mais afetado pelos malefícios do problema de saúde. Mexia um pescoço para um lado e outra, mas não braços e pernas, de onde supus que era tetraplégico. Também não falava, emitindo grunhidos guturais.

O quarto, no mais, era apertado como a área exterior indicava, ocupado por uma cama grande e outros apetrechos simplórios. Havendo a escada ali fora, imaginei que o quarto funcionava como uma prisão para ele:

— Deixa explicar como tudo funciona. Eu quero que você me coma aqui, na frente do meu marido.

Olhei para o cara na cadeira de rodas e notei um semblante de ira, indicativo da falta de consentimento com o ato. Aquilo consistia em extrema crueldade, subjugar um inválido a assistir a esposa o traindo, e pensar nisso me esfriou sexualmente:

— Vou contar a história toda. Esse com quem me casei é um patife. Ele sempre me traiu, sempre gostou de farrear. Bem, eu lidei com calma até descobrir algo assustador, que ele andava violentando meninas de um colégio. Foram três que eu fiquei sabendo. E isso não pude suportar. Por isso coloquei um veneno na comida dele que agiu perfeitamente. Ele teve um AVC, perdeu os movimentos e a fala, preservando o raciocínio. Consegui aplicar a mais adequada punição, aquela que a justiça não conseguiu.

Olhei o marido, depois para ela. Aquela situação enfim me excitou. Pulei sobre ela animalescamente, arrancando sua roupa em rasgões, puxando sua pele com tamanha força que lhe deixei marcas roxas pelos membros. Nunca fodi com tanta vontade, quase arrebentando os parafusos da cama metálica, terminando ambos demolidos sobre o colchão ensopado de suor.

Levantei-me para ir embora logo que me recuperei. Fazia parte do teatro, impor àquele sujeito a sensação de ser sexo o mais casual possível, legitimando-a enquanto uma piranha, uma puta, adjetivos que porventura usava para xingá-la. Ela me ofereceu o dinheiro diante dele e peguei somente para aturdi-lo ainda mais: dispensaria completamente a grana tendo em vista a qualidade do sexo. E, antes de partir, ela anotou seu telefone em um cartão pedindo para reencontrá-la.

Retornando para casa, fiquei pensando se não passaria de mentira tudo que ela disse. Talvez seu marido fosse bom e ela uma psicopata se divertindo em infligir o máximo de dor. Cogitei todas as possibilidades imagináveis, ela o envenenando por querer alguma herança ou por mera maldade, e ponderei se deveria continuar.

A dúvida me perturbou durante alguns dias. Eu pairava na berlinda, em uma escolha que contrariava inúmeros valores morais meus. Porém, pensei na satisfação de poder fazer sexo na presença daquele pobre coitado, no grito amargurado que não conseguia expelir, em toda a raiva causada pelos ciúmes, e ele ali, indefeso em sua cadeira. Não resisti e telefonei para ela.

 

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