Carol Poesia — Para Lúcia, por Wendel Sampaio

 

Ontem perdemos a nossa generosa amiga Lúcia. Professora dedicada, pedagoga engajada, uma mulher de vanguarda que nos enche de orgulho e, hoje, dolorosa saudade.

Escrevi algumas palavras para ela, mas meu irmão Wendel escreveu melhor, me encheram de emoção suas francas e viscerais palavras. Então peço licença para compartilhá-las com vocês:

 

 

 

 

O jardim de Lúcia

Quando eu era criança, na escola, minha professora, tia Mariazinha, me ensinou que todos os brasileiros nascidos naquela época já vinham ao mundo com uma dívida, que crescia de uma maneira matematicamente incompreensível pra mim, mas parecia determinar um futuro assombrador.  Saber aquilo fez crescer uma grande raiva, ora direcionada aos colegas, ora à própria escola, às vezes, à minha família; com o passar do tempo, ao mundo e a todas as coisas que existiam nele. Conforme amadurecia, essa raiva transformou-se em um pessimismo, pernicioso e niilista, o qual estava subsidiado por intelectuais de todas as partes e épocas.

Cheguei mesmo a acreditar que a literatura realmente boa fosse necessariamente assim.

No meu nomadismo, no entanto, encontrei Lúcia. A princípio, apenas alguém que eu admirava intelectualmente, depois, uma amiga. Um par. Parecia-me que podíamos concordar em tudo, ler pensamentos um do outro, dividir opiniões e que isso fosse o ideal de amizade. Mas, essa disposição – a qual todos nós estamos sujeitos – a querer encontrar no outro um reflexo, era nada mais que uma arapuca da vida. Foi a própria Lúcia quem me ensinou, porque ela era antes de tudo uma professora, que o caminho para a amizade, para o amor e para a sabedoria estava na dúvida, na incerteza e na discordância. Pra quem tinha passado a vida inteira com raiva, foi como perder tudo. Minha raiva vinha justamente do fato de ter dúvidas e não respostas, de ter incerteza do meu futuro endividado e de discordar do mundo como ele era.

Hoje, volto a sentir raiva. Particularmente hoje, sinto muita raiva. Já perdi amizades para vida, mas nunca tinha perdido para a morte. É um soco no estômago. Também tenho raiva pelo mundo, pela nossa cidade, pela nossa escola. Perderam uma mulher precursora, por isso mesmo muitas vezes incompreendida.

Como, no entanto, de nada serve a raiva, pois ela também é uma menoridade, para nós que ficamos, a melhor maneira de homenageá-la e respirar depois deste soco será através de seu legado. Seja fazendo a vida que ela sonhou, seja terminando a construção da escola que ela iniciou. Assim como Lúcia e como Rubem Alves num livrinho dado por ela, também acredito que é mais bonito e verdadeiro se as escolas, em vez de se parecerem com linhas de montagem, se parecessem com jardins. O jardim está plantado.

Wendel Sampaio

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Cecília Fausto

    Lindo texto! Conseguiu expressar meus sentimentos e me fez pensar que é hora de cuidar desse jardim…

  2. ANA PAULA MAIREN

    Eh coisa linda de ver!! Belíssima homenagem! Parabéns.

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