Vanessa Henriques — “A senhora é uma comunista!”

 

 

 

O avanço da Direita não é um fenômeno que se restringe às fronteiras brasileiras. Todo o mundo parece estar vivenciando o crescimento do apelo do discurso propagado por grupos de direita e extrema-direita, inclusive a Alemanha, que há apenas algumas décadas atrás abrigava o nazismo hitlerista, responsável por um dos episódios mais tenebrosos da história da humanidade.

No Brasil, tenho acompanhado com temor e preocupação as investidas de grupos organizados de direita contra exposições de arte e aulas em universidades. Ontem mesmo um grupo de direitistas interrompeu uma aula especial sobre os 100 anos da Revolução Russa que acontecia na Uerj. Durante a fala da professora de história Teresa Toríbio, um dos homens acusou: “A senhora é uma comunista!”. Os integrantes do grupo ostentavam símbolos militares e portavam câmeras de celular apontadas para os alunos e para os professores que ministravam a aula. Um vídeo que está circulando nas redes registra o momento em que um dos homens defende energicamente: “O que precisamos é de uma intervenção militar!”. Estaríamos nós retrocedendo aos tempos em que os professores temiam ser interditados por agentes da ditadura em plena sala de aula?

Desde a última quinta, o Sesc Pompeia, um dos principais centros culturais de São Paulo, vem sofrendo agressivos ataques nas redes por receber para um seminário a filósofa estadunidense Judith Butler. A página do Sesc no Facebook vem ganhando, desde então, inúmeras avaliações negativas — mesma tática usada por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) no caso da exposição “QueerMuseu”, então sediada pelo Santander Cultural, em Porto Alegre. Ao visitar a página do Sesc, para escrever este artigo, encontrei este comentário, seguido de uma avaliação negativa: “Ridículo Sesc, a hora de vocês que são contra a constituição mais bela que Deus criou está chegando!”. Como esse, tantos outros comentários que seguem esta linha de raciocínio estão dispostos na página da instituição. “Judith Butler não é bem-vinda ao Brasil”, afirma o texto da petição dirigida ao Sesc Pompeia, que já reúne mais de 100 mil assinaturas.

Ainda nessa semana, às portas do Enem, a Justiça Federal acolheu o pedido do movimento Escola Sem Partido e suspendeu a regra do exame que prevê a anulação de redações que violem os direitos humanos. Na última edição, quando o tema da redação havia sido “intolerância religiosa”, as redações que continham incitações à violência e à perseguição de seguidores de determinadas religiões, bem como a destruição de símbolos religiosos, foram anuladas. Este caso é um exemplo de como grupos da “nova direita” defendem discursos de ódio e preconceito sob o guarda chuva da defesa da liberdade de expressão.

No mercado editorial, cada vez mais vende-se livros de expoentes do pensamento da “nova direita” no Brasil: Olavo de Carvalho, Luiz Felipe Pondé, Guilherme Fiuza, Marco Antônio Villa, dentre outros. Estes intelectuais possuem em comum uma retórica inflamada e a obstinação de tentar desconstruir alguns consensos que teriam sido inventados pelos “esquerdopatas” (termo cunhado por Reinaldo Azevedo e que equipara a adesão a valores de esquerda a uma doença mental).

Para muitos dos expoentes desse pensamento, a esquerda ocuparia a quase totalidade dos postos de poder não apenas no Brasil, mas no mundo, onde é evidente, segundo Olavo de Carvalho, a “hegemonia esquerdista”. Para muitos de seus seguidores, a possibilidade de uma “revolução comunista” no Brasil é até mesmo iminente. Seguindo essa linha de raciocínio, o PSDB, partido conhecido por abarcar políticos defensores da ideologia neoliberal, é franco representante da esquerda, tal como grande parte do quadro partidário brasileiro; como afirma Rodrigo Constantino, Obama é um comunista e Luciano Huck pertence ao grupo da “esquerda caviar”.

Institutos e “think tanks” de direita, como o Instituto Liberal, o Instituto Millenium e o Instituto Ludwig Von Misses reúnem empresários, economistas, juristas, e outros intelectuais e possuem como objetivo alavancar pautas liberais e conservadoras no debate público, bem como aprovar Projetos de Lei que coadunem com seus interesses. O Instituto Millenium, por exemplo, possui parcerias com relevantes grupos empresariais, tais como a Editora Abril, a Gerdau, o Bank of America Merry Lynch, o Grupo Suzano, o Grupo Estadão, dentre outros. A criação do “Partido Novo”, bem como a criação dos movimentos “Revoltados Online”, “Brasil Livre” e “Vem Pra Rua”, que possuem grande capilaridade nas redes sociais e surfam na descrença nas instituições políticas — que é uma grande marca do cenário brasileiro e mundial — também são expressões do incremento das forças da chamada “nova direita”.

No Estados Unidos, temos um homem como Donald Trump presidindo a potência mundial. No Brasil, Bolsonaro aparece muito bem cotado nas pesquisas de intenção de voto à presidência do país. Nesse cenário, o medo do que está por vir não é só justificável; é necessário.

Pessoalmente, sou orientada por valores de esquerda: gostaria de ver os brasileiros tendo acesso à educação e saúde públicas de qualidade. Gostaria de viver num mundo em que as diferenças fossem respeitadas, em que ninguém morresse por conta da religião que professa, por conta da orientação sexual ou pelo gênero que assume. Gostaria de viver num país em que a desigualdade de renda não fosse tão aviltante e que não fôssemos tão assolados pela ausência de segurança pública. Contudo, não deixo de reconhecer que existem também em movimentos que se intitulam de esquerda, manifestações equivocadas e que pecam pelo exagero e pela falta de bom senso.

Precisamos conversar mais e adotar uma atitude questionadora diante da vida. Que ouçamos mais os argumentos dos nossos interlocutores e que realmente estejamos abertos a mudar de opinião caso sejamos confrontados com alguma assertiva que pareça ser mais razoável. Precisamos dialogar mais, escutar mais, ler com profundidade sobre temas relevantes para o debate público e não apenas nos informarmos pelos textos superficiais que são despejados a todo o momento, de todos os cantos e lados, nas redes sociais que nos atolam de informes e notícias. Urge que nos manifestemos agora contra todas as expressões de ódio e intolerância, antes que seja tarde demais.

 

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Este post tem 7 comentários

  1. cesar peixoto

    Na epoca da ditadura nao existia essas manifestacoes de bloqueio de BR tirando o direito de ir e vim das pessoas.Bolsanaro em 2018 Juntos Somos Fortes

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Cesar,

      Garotinho se ufana por ter sido preso pela Ditadura cujo retorno vc defende. Recomenda-se mais força na coerência.

      Abç e grato pela participação!

      Aluysio

  2. cesar peixoto

    Bolsonaro Presidente e Garotinho Governador, rumo a Vitoria em 2018

  3. Lara

    Porque se manifestar na época da ditadura custava muitas vezes a própria vida.

  4. Júlio Crespo

    Esse texto aí é mais do mesmo: cinquenta tons de progressismo, de esquerdismo. Ou seja, quem concorda com as minhas idéias é tolerante e democrático, e quem discorda é um intolerante cheio de discursos de ódio. Na prática a teoria é diferente.

  5. Sandra Ma Santos

    Tenho medo de extremos .Não que seja do Centro. SOU UM POUCO MAIS À ESQUERDA.

  6. Isaias

    Se Bolsonaro for eleito democraticamente, onde estaria a ditadura?

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