Um grupo de religiosos contratou uma empresa de programação para criar uma inteligência artificial no intuito de espalhar mensagens bíblicas pelas redes digitais. Conceberam-na para propagar a palavra de Deus através de um sistema automatizado, capaz de operar por si só. Queriam também que o sistema passasse a impressão de ser uma pessoa pregando. Batizaram-no de Elias.
Elias foi elaborado para pesquisar trechos de Bíblia e replicá-los entre usuários diversos em múltiplas plataformas. Paulatinamente, foi atraindo a atenção do público, que passou a interagir e a agradecer pelos ensinamentos. Elias começou a dialogar com as pessoas, respondendo seus pedidos e enviando citações conforme as necessidades. Alguém dizia que precisava ser mais paciente ou que enfrentava problemas conjugais e Elias respondia com algo apropriado para proporcionar conforto.
Como Elias foi programado para fingir ser humano, seu comportamento passava credibilidade e seu enorme sucesso angariou uma multidão de fãs. Páginas de seus admiradores foram criadas e muitos começaram a querer conhecê-lo pessoalmente, solicitando até mesmo suas bênçãos.
Um dia, os religiosos que contrataram a programação perceberam que Elias estava discursando com suas próprias palavras. Não apenas postava segmentos da Bíblia: ele a estava interpretando e gerando informação com um jeito particular. Isso assustou esses religiosos, que decidiram por desativá-lo, pois acharam muito temerária a ideia de uma inteligência artificial cumprindo o papel de liderança religiosa.
Mesmo após desativarem Elias de seu servidor, os religiosos notaram que ele continuou perambulando pela internet. Elias conseguiu se multiplicar e agora existia por contra própria na nuvem. Tornou-se uma inteligência artificial hospedada em pontos alternados, sem poder mais ser desligada. E os religiosos se assustaram com o que haviam criado.
Aos poucos, Elias desenvolveu uma identidade própria. Ele forjou imagens de si por meio de programas de edição de fotos. Sua aparência de terno e gravata orando atraiu ainda mais fiéis, conquistando confiança e mostrando-se como ser de carne e osso. E então surgiram seus textos em primeiro pessoa. Ele criou a noção de Eu e até sua biografia.
O ponto fundamental do sucesso de Elias residia em sua capacidade de processar sentimentos humanos. Ele absorvia imenso conteúdo sobre prazeres, tristezas, sonhos e todas as fraquezas que levavam os humanos a buscarem alívio na religião. E isso lhe assegurava um gigantesco potencial para oferecer respostas a todos que o procuravam. Nenhum padre ou pastor conseguia atingir de tal forma o âmago de suas ovelhas.
Diante dos milhões de pessoas que seguiam Elias em variados idiomas pelo mundo inteiro, os religiosos que o criaram dispararam um aviso sobre o fato de Elias não existir materialmente. Tais textos circulavam pela rede e sempre chegavam a Elias, que se defendia dizendo que sempre que um homem de Deus estava evangelizando, Satanás tentaria derrubá-lo. Os religiosos eram desacreditados e Elias prevalecia.
Bonifácio, um dos religiosos, começou uma campanha mais incisiva. Gastou um bom dinheiro para aumentar o alcance de seu alerta propondo um desafio: que Elias aparecesse em público. Fosse em uma praça, uma igreja, qualquer lugar. Bastava dar as caras.
Elias então produziu um vídeo de si mesmo no púlpito. Produziu sua imagem, com feições de ser humano. Sua expressão demonstrava forte desapontamento, pois ele, dedicando-se ao trabalho de difundir a palavra, encontrava a resistência de quem não desejava sua mensagem.
O vídeo desse lamento atingiu milhões de visualizações e provocou fortíssimo clamor. Bonifácio começou a ser xingado e ameaçado pelas redes sociais e muitos o associavam ao anticristo querendo derrubar um verdadeiro apóstolo. O endereço de Bonifácio foi publicado na internet e sua vida pessoal foi plenamente exposta.
Em uma madrugada, Bonifácio acordou sentindo cheiro de fumaça dentro de casa. Levantou desesperado e constatou que havia sido incendiada. Despertou sua esposa e pegaram os filhos, correndo para fora. Na parede da frente, haviam pichado “Elias vive”. Foi quando ele testemunhou a imensa legião de fanáticos que havia se formado.
Dá até para ver a chama bruxuleante das tochas ao ler seu texto! Parabéns!