Orávio de Campos — Poderes Antagônicos

 

 

 

Há uma citação de domínio público dando conta de que “não se deve criar polêmicas com pessoas que usam saias” — mulheres, padres e juízes —, sob pena de perdermos as demandas, sejam elas justas ou não, porquanto, no final, pode prevalecer a vontade das mulheres, porque choram; dos padres, porque doutrinam; e os juízes, porque têm nas mãos os segredos da aplicação das leis — quase sempre frias diante da dinâmica e da expressividade do direito, em suas nuances sociológicas.

O antagonismo entre jornalistas e juízes possui uma série de exemplos s desde o “Correio Brasiliense”, de Hipólito José da Costa, em 1808, editado em Londres, logo após a chegada de D. João VI ao Brasil fugindo da saga de Napoleão. E isso resulta de discussões sobre o direito de opinião, como prática jornalística, e do julgamento de juízes que, em tese, no exercício do poder coercitivo, interpretam a legislação à luz de conceitos quase sempre punitivos para os profissionais da imprensa.

Para ilustrar, citamos o processo contra o Ouvidor Japiassu, em São Paulo, em 1830, acusado da morte do jornalista Libero Badaró, abatido a tiros porque ousou em tecer críticas à administração de Pedro I, embora os jornais da época, os chamados observatórios, dessem conta de ter sido sua majestade o mandante do indigitado crime contra o jornalista. Levado à julgamento, foi ele absolvido pela justiça sob o argumento torpe “de que não se podia falar da figura divina do imperador”.

Citaria, se necessárias, inúmeras condenações de jornalistas ao longo da história da tardia imprensa tupiniquim — o que se pode ser aclarado com a leitura do livro do Dr. José Marques de Melo, “Imprensa Brasileira — Personagens que Fizeram a História”, com destaque para Cipriano Barata, autor das chamadas “Sentinelas da Liberdade”, talvez o primeiro grande empreendimento nacional pelas liberdades de expressão da história desta país, em busca da consolidação de seus rasgos democráticos.

Pessoalmente, tivemos um embate com a justiça de Miracema, diante de um artigo de natureza ingênua publicado pelo editor Avelino Ferreira, na última década do século passado, fatos devidamente imortalizados no livro do repórter Thiago Freitas, “Opinião e Crime”, (Editora Marka, 2013). No jornal “Três Estados”, de Laelson Barros, referindo-se ao prefeito Gutemberg Damasceno, disse que o mesmo, por causa da idade e pelo fato de se encontrar adoentado, deveria se aposentar da política e etc…

Avelino, nos processos, colocou-nos como testemunha de defesa e foram inúmeras as vezes que o juiz de Miracema, amigo do prefeito, marcava as audiências no Fórum da cidade do Noroeste e, na hora, dava última forma, deixando-nos com a cara de tacho tendo que enfrentar a lotação da Empresa Brasil na viagem de volta. Certo dia, solicitamos, através do advogado e amigo Maurício Monteiro, o direito de depor em Campos, por precatória, o que, na realidade, não adiantou muita coisa quanto ao nosso intento de proceder, tecnicamente, à defesa do direito de opinião do jornalista

Numa única audiência, por precatória, o juiz de Campos perguntou: “O que o senhor sabe sobre este caso? ”. Disse que se tratava de uma queda de braço entre o juiz de Miracema e o editor do Jornal “Três Estados” e que, na defesa, ficamos impedidos de apensar ao processo uma análise sobre o artigo esclarecendo que, de forma nenhuma, atentava contra a honra do prefeito. Num esgar de ódio, o meritíssimo (?) fez um discurso arrogante dizendo que “juiz não joga quebra de braço com jornalista”. Ato seguinte encerrou a audiência, porque nada mais foi dito e nem perguntado.

Aliás, por um cochilo das lideranças da Fenarj à época, a elaboração da Constituição de 1988 apertou cada vez mais a chamada “Lei da Imprensa”, criando-se, inclusive, o que Zuenir Ventura denominou de Indústria das indenizações, inclusive atingindo jornalistas e proprietários de empresas, principalmente políticos apanhados diante de falcatruas com o dinheiro público, o que está na moda. E seria bem pior se nos processos inexistissem as investigações do Ministério Público Federal.

Thiago cita, em epígrafe, no seu livro, o texto do antropólogo Roberto da Matta: “No Brasil, entre a lei que diz que não pode e o amigo que diz eu quero, a gente atende o amigo e dá um jeito na lei”. Há uma correlação subjetiva dessa citação com o juiz eleitoral de Campos e o ministro Gilmar Mendes, do TSE, envolvendo a família do ex-governador Anthony Garotinho, um político/comunicador que gosta (e tem pago caro por isso) de expor o que pensa, sem se preocupar com o antagonismo que envolve as questões. No momento, ninguém se arrisca a apostar numa decisão lógica nesse jogo de poderes.

Finalmente, para se brigar contra os que usam saias, nada aconselhável o enfrentamento com alguns juízes arrogantes que condenam; e com poucos padres que, pelo verbo, excomungam. Nesse caso, melhor mesmo é enfrentar as mulheres, porque elas choram. E se choram, mantém, ainda, a sensibilidade pródiga de quem, em algum momento, vão saber como julgar. E perdoar, sem nenhum antagonismo.

 

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