Hamilton Garcia — Por que somos assim?

 

 

O título acima foi tirado do livro recém lançado pela editora Verbena-FAP[1], organizado por Cristovam Buarque et alii, reunindo textos de variados autores, como José de Souza Martins, Lourdes Sola, Bolívar Lamounier,  Marco A. Nogueira, Alberto Aggio, entre outros. Os organizadores tinham em mente entender como nos equilibramos “em meio a uma generalizada crise, a qual estaria (…) corroendo a sociedade e suas estruturas”, não obstante questionarem a ideia de um “estado de crise”.

Não vou comentar os textos que fazem parte da coletânea nessa minha estreia aqui na blog “Opiniões”, hospedado no Folha 1 — atendendo ao generoso convite do diretor do jornal e editor do blog Aluysio Abreu Barbosa. Apenas, pretendo tecer algumas considerações em torno do tema da nossa recorrente instabilidade político-institucional, que tem a data da República (1889) e, portanto, não deveria nos causar espanto.

Não obstante isso, em qualquer época as crises chocam porque se trata de processos muitas vezes dolorosos que afetam vidas (às vezes mortalmente). No caso atual, o espanto também se deve ao processo deseducativo que teve transcurso nos meios de comunicação e na intelectualidade, do Plano Real (1994) até a eleição Presidencial de 2014, quando os grupos no poder chegaram ao ápice da manipulação das expectativas e, mais recentemente, à própria maquiagem da realidade.

Nesse período, quando ainda era comum realizar nas universidades debates entre pessoas de opiniões diferentes, me lembro que fui convidado a participar de uma mesa sobre a conjuntura político-eleitoral de 2006 e me foi pedida uma sugestão de nome para o evento. Eu, então, sugeri algo que incluía o nome Crise no tema em discussão, o que fez meu interlocutor, um equilibrado colega da Uenf, fazer uma cara de espanto e me perguntar: “mas, que crise é essa Hamilton?!”. Bem, estávamos na primeira eleição após o escândalo do Mensalão petista, mas o clima era de total otimismo com a recuperação econômica (modesta) que agora, de maneira pouco usual em nossa história, vinha acompanhada de políticas de inclusão social e combate ao desemprego.

Bem, o resto já sabemos, mas o episódio mostra nossa dificuldade cultural em problematizar nos períodos de otimismo, além da dificuldade política (universal) de relativizar os feitos de governos que apoiamos ou rejeitamos.

Seja como for, devemos buscar entender a persistência histórica das nossas crises — nosso “estado de crise” —, para além de sua dimensão cíclica, que se relaciona com as dificuldades naturais dos processos de democratização/modernização que se processam, no Ocidente, desde as revoluções burguesas do século XVII. Aliás, aqui está uma das chaves para entender porque as crises em determinados países, como o nosso, sempre nos levam ao limiar de uma refundação enquanto em outros, como na Inglaterra e EUA, são resolvidos nos marcos institucionais fundadores de suas modernidades políticas (respectivamente, séc. XVII e XVIII).

Eis nosso problema: onde se encontra o marco fundador de nossa modernidade política?

Nossa independência, provocada pela revolução liberal portuguesa, que precipitou a volta do monarca lusitano à terra natal, em 1821, abriu as portas para um reinado nacional sem rupturas radicais com o legado português, mantendo o monopólio sobre as terras (inclusive urbanas) e o trabalho escravo como pilar da economia, situação que impediu a emergência de uma sociedade isonômica por aqui. José Bonifácio bem tentou emplacar uma constituição moderna (liberal) no país, mas foi desautorizado e exilado por D. Pedro I, que impôs a constituição centralizadora/conservadora que nos regeria até o advento da República.

Na República (1889), de novo, a mudança ocorre sob o signo da continuidade, sem rupturas: os militares derrubam a Monarquia por questões corporativas, sem um programa de reformas claramente elaborado e temendo a sociedade civil constituída após o fim a escravatura. Os oponentes civis que lhes sucedem, utilizam o liberalismo para edificar um regime de oligarquias regionais que orbitam o poder central ocupado pelas parcelas mais fortes da classes terratenentes, sem cogitar de reformas econômico-sociais inclusivas e usando o Estado para seus fins privados. Assim, a modernização econômica vai se processar por via das contingências externas (1ª Guerra Mundial, 1914-18), sem reforma agrária, e a modernização política vai esperar mais uma década para, finalmente, se colocar no centro do palco através de um novo golpe militar (Revolução de 1930).

É Getúlio Vargas que, no Estado Novo (1937-45), golpe sustentado pelos militares e por um empresariado já afeito ao intervencionismo estatal, vai inaugurar uma fase de intensa modernização econômico-social e estatal (de cunho racionalizante) mantendo, todavia, a sociedade aprisionada ao paternalismo. Somente a partir da  redemocratização de 1945 é que conheceremos partidos nacionais que visavam representar os interesses sociais. Mesmo assim, em 1947, o partido dos trabalhadores (PCB) era posto na ilegalidade e os sindicatos mantidos sob as rédeas do governo.

Quando a urbanização nos bate às portas, a partir dos anos 1950, e os conflitos sociais (greves operárias e revoltas camponesas) adquirem uma dimensão importante, a modernização do Estado claudicava e a inclusão social restava barrada num parlamento pouco representativo, em meio a instituições políticas atrofiadas — não obstante a diversificação social provocada pelos avanços econômicos —, fazendo com que, de novo, a crise cíclica de democratização desembocasse em intervenção militar. Ao final do último ciclo militar, que durou inéditos 20 anos, a economia fora modernizada, mas a racionalização do Estado ficara restrito à esfera federal e a inclusão social limitara-se à classe-média urbana e rural, ficando as instituições políticas prisioneiras do casuísmo do regime.

A redemocratização de 1984 e a Constituição de 1988, finalmente, abriram as portas para a igualdade social, mas a economia viu seu pilar industrial regredir, colocando em risco as conquistas sociais alcançadas, e a modernização política parou na porta do sistema partidário-eleitoral, tomado por novas oligarquias vindas de baixo, provando que a democracia, desacompanhada de boa regulação, ao contrário do que rezam certos evangelhos, não é garantia de bom governo.

Num país sem instituições solidamente modernizadas e culturalmente reformadas, de longa data, as crises, combinadas à desigualdade, insegurança econômica e corrupção arraigada, passam a ser material inflamável exposto ao combustível fóssil das fricções sociais típicas da modernidade que, nas democracias maduras, costumam ser resolvidas, não agravadas, por eleições sucessivas.

 

[1] http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/produto/brasil-brasileiros-porque-somos-assim/.

 

Cientista político Hamilton Garcia é o novo colaborador do “Opiniões”

 

Marcado pela participação quase diária dos seus colaboradores, amanhã este “Opiniões” ecoará uma novo voz: a do cientista político e professor da Uenf Hamilton Garcia. A partir deste sábado, ele escreverá no blog em periodicidade quinzenal.

Para saber um pouco mais sobre ele, ou do que pretende trazer a você, leitor, nada melhor do que saber por palavras próprias:

 

Cientista político e professor da Uenf Hamilton Garcia

 

Formado em Sociologia&Política pela PUC/RJ, fez Mestrado em Ciência Política na Unicamp e Doutorado em História Contemporânea na UFF, se dedicando ao estudo dos partidos de esquerda.

Atualmente leciona na Uenf disciplinas de Política e Sociologia Política voltadas para a compreensão dos processos políticos e seus múltiplos desenvolvimentos — levando em conta fatores “genéticos” e “mutacionais” produzidos ao longo das formações histórico-sociais que lhes servem de base. É colaborador do sítio Gramsci e o Brasil e da Fundação Astrojildo Pereira.

A proposta é discutir, à luz do materialismo histórico e da perspectiva crítica (reflexiva), os fenômenos políticos que nos circundam, ajudando o leitor a, antes de tudo, entendê-los para depois enfrentá-los.

 

Guilherme Carvalhal — A favela vista de baixo

 

 

 

 

A favela vista de baixo

 

os caibros desdobram-se ribanceira acima

aquário de palitos de fósforo acesos

ilumina à distância a vaga-lume

os ladrilhos sonhados, sonho sem peso

 

por essas ruas nunca ladrilhadas

escorre um córrego de cimento fresco

que às terras planas semeia de arranha-céus

emerge o muro intangível de arabesco

 

do mesmo cimento sobe a poeira

enevoa e oblitera um olhar mais amplo

e de baixo a fluorescência fosca

se interrompe em clarões de relâmpago

 

e se de uma caixa se desenham casebres

de seu palito risca e explode o prisma

lançada chama ao barril da pólvora

fabricada sem pressa a suor e cinzas

 

as cinzas o vento da tarde leva

adentram intrusas varandas e quintais

sopra um vapor seco, invisível

de um mundo distante impresso em jornais

 

lá embaixo, longe das lamúrias

onde o eco se cala no vácuo

e as manilhas grafitadas entopem

nada que desce chega de fato

 

e quando chega, lá não fica

e se fica, se ignora

a cinza se desfaz, esvanece

e o vento jamais a leva de volta

 

pois o vento que desce, não sobe

ascende só uma brisa que apaga

o fósforo aceso da vida

resta o blecaute e mais nada

 

Arthur Soffiati — Porque das enchentes em Campos e como evitá-las

 

As enchentes na baixada dos Goytacazes

Por Arthur Soffiati(*)

 

Acabamos de sair de uma quase enchente na baixada. Digo “quase” porque, a rigor, só houve transbordamento no sistema Iguaçu (rio Imbé-lagoa de Cima-rio Ururaí-lagoa Feia). Antes da abertura do canal da Flecha (1949), as águas da lagoa Feia vertiam por uma infinidade de canais naturais e formavam o rio Iguaçu, que desembocava no que sobrou dele: a lagoa do Açu. Nas chuvas de março de 2018, não houve volume suficiente para transbordamentos significativos no rio Paraíba do Sul, o principal da região. Assim, a última grande enchente continua sendo a de 2012.

 

Sistemas hídricos da Baixada dos Goytacazes em 1500: 1- rio Paraíba do Sul; 2- Sistema Iguaçu (rio Imbé-lagoa de Cima-rio Ururaí-lagoa Feia-rio Iguaçu. Mapa: Manoel Vieira Leão (1767)

 

Mas, por que existem transbordamentos na baixada? Grande parte de Campos fica não apenas numa planície, mas na maior planície do Estado do Rio de Janeiro. Em 1934, Hildebrando de Araujo Góes anotou que a Baixada dos Goytacazes tem 8.300 km², ou seja, um quinto do território da Holanda. E ele não considerou a restinga da margem esquerda do rio Paraíba do Sul nem a planície do rio Macaé (brejo da Severina). O Paraíba do Sul é o grande formador da planície e o maior que o estado do Rio de Janeiro envolveu e tenta domar.  A soma das outras três planícies fluminenses supera a dos Goytacazes em apenas 1.000 km². Ela compreende uma grande área de origem aluvial e a maior restinga do Estado. Associa-se a ela outra grande restinga, de origem mais antiga, a restinga de Jurubatiba. Na retaguarda dessa planície, a zona serrana se constitui da Serra do Mar, bastante íngreme, interrompida abruptamente na margem direita do Rio Paraíba do Sul, e de uma formação cristalina antiga e baixa na sua margem esquerda.

 

As baixadas fluminenses segundo Hildebrando de Araujo Góes (1934)

 

A segunda característica da Baixada dos Goytacazes é a distância entre a zona serrana e o mar. A planície poderia ser longa e estreita sem deixar de ter as mesmas dimensões. Mas ela é larga. De Itereré, ponto em que o Paraíba do Sul deixa a zona serrana, até sua foz, o grande rio percorre uma longa distância em terras baixas que ele próprio criou. O fluxo é muito lento. Nos transbordamentos, as águas vertiam pela margem direita formando uma infinidade de lagoas, das quais a maior era e ainda é a lagoa Feia. As águas que transbordavam pela margem esquerda encontravam terrenos mais altos, acumulavam-se em depressões, sendo a mais expressiva a que se denominou lagoa do Campelo, e voltavam ao rio quando suas águas baixavam.

Já no segundo sistema hídrico, que denomino de Iguaçu, as águas das chuvas adquiriam um caráter de enxurrada por conta da vertente atlântica da Serra do Mar. Elas desciam pelos pequenos rios que desembocam no rio Imbé, engordavam a lagoa de Cima, vertiam com dificuldade pelo estreito rio Ururaí, provocando cheias, alastravam-se pela lagoa Feia e saíam apertadas pelo rio Iguaçu. O que reduzia o impacto das águas tanto na bacia do Paraíba do Sul quanto na bacia do Iguaçu eram as densas florestas da serra e dos tabuleiros e suas várzeas. Como, antes de 1534, os índios viviam bem integrados à natureza, as cheias não causavam danos aos seus parcos bens. Era só procurar as terras altas da baixada como refúgio até o fim da estação chuvosa. Enxurradas no trecho final do Paraíba do Sul ocorriam apenas na vertente interior da Serra do Mar, pelos rios Piabanha, Grande e do Colégio, principalmente.

A terceira característica dessa planície é a declividade mínima dela entre a margem direita do Paraíba do Sul e o mar, o que dificulta o escoamento das águas fluviais e pluviais. Transbordando em períodos de cheia pela margem direita, as águas do Paraíba do Sul derivavam lentamente e formavam um verdadeiro pantanal. Foi na margem direita do rio Paraíba do Sul, problemática em termos de drenagem, que se instalaram a cidade de Campos e a fatia mais significativa da agroindústria sucroalcooleira.

 

Aspecto de um fragmento do rio Iguaçu – Quissamã

 

A quarta singularidade da Baixada dos Goytacazes é que, a rigor, só existiam três defluentes originais e regulares das águas acumuladas no continente para o mar: os rios Paraíba do Sul, Iguaçu e Guaxindiba, que enfrentavam e enfrentam permanentemente a grande energia oceânica, que tende a fechar qualquer desaguadouro. Enquanto os rios que drenam as Baixadas de Sepetiba e da Guanabara desembocam em baías protegidas e os que drenam a Baixada de Araruama são capturados pela lagoa de mesmo nome e por outras, os da baixada de Goytacazes lutam contra o mar aberto e violento. Não sem razão, Alberto Ribeiro Lamego considerou o mar — não o Paraíba do Sul e as lagoas — como o maior adversário da agropecuária e da vida urbana. Assim, as águas das chuvas abundantes fluíam lentamente pela grande baixada por canais naturais sinuosos, tomados por vegetação nativa, até chegar ao mar com dificuldade.

Ocupar a planície com uma atividade agropecuária voltada para o mercado e com núcleos urbanos de matriz europeia exigia, no mínimo, a limpeza dos canais naturais para aliviar a invasão das águas sobre terras de plantação, de criação e de povoação. Durante os séculos XVII e XVIII, esta tarefa esteve sob o comando dos Jesuítas e executada por seus escravos. A desobstrução era anual. Depois de sua expulsão do império colonial português em 1759, o trabalho de limpeza dos canais naturais passou a ser feita eventualmente por cada proprietário, pelas Câmaras Municipais e pelo poder publico provincial e imperial. Como não havia dragas terrestres ou flutuante nem retroescavadeiras, o trabalho era braçal e escravo.

No século XIX, a aristocracia rural da baixada abriu canais para a navegação com recursos provinciais e imperiais. Quatro canais de navegação foram abertos, drenando parcial ou totalmente muitas lagoas, embora não fosse essa a finalidade do projeto aquaviário. O problema das inundações continuava para a agropecuária e para a indústria açucareira. Estradas de ferro foram construídas sobre o pantanal norte-fluminense. Então, entendeu-se que era preciso enfrentar o problema das enchentes com mais vigor. Foram criadas comissões de saneamento e drenagem na última década do século XIX. Todas elas fracassaram até a criação da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, em 1933. Dois anos depois, ela iniciou um trabalho sistemático de drenagem como base num plano do engenheiro campista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito. O trabalho foi tão bem-sucedido que a Comissão, de caráter estadual, foi transformada no Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) em 1940, agora operando teoricamente em todo o território brasileiro.

 

Projeto de Saturnino de Brito para drenagem da baixada dos Goytacazes

 

O DNOS entendeu que o sistema funcionaria melhor com a abertura de um canal (da Flecha) entre a lagoa Feia e o mar, substituindo o rio Iguaçu e a abertura anual da Barra do Furado. Entre os rios Paraíba do Sul e Ururaí e o canal da Flecha, oito canais primários regularizariam as águas de cheia para evitar inundações, também concorrendo para contê-las diques nas margens do Paraíba do Sul. Para a incorporação de terras à agropecuária, inúmeras lagoas foram total ou parcialmente drenadas. Nas margens da grande Lagoa Feia, proprietários rurais construíram diques de terra para ampliar suas fazendas. As matas da Serra do Mar (Imbé), da zona serrana baixa e dos tabuleiros da margem esquerda dos rios Paraíba do Sul e Muriaé foram suprimidas para gerar energia, madeira e abrir espaço para a economia agropecuária.

Hoje, quando as chuvas se precipitam com mais intensidade, como em 1997, 2007, 2008, 2012 e 2018, as pessoas afetadas reclamam como se houvesse alguém imediatamente responsável pelas enchentes. Ainda não contamos com um painel de controle para regular as chuvas. Não podemos também condenar São Pedro. Mas todos querem soluções rápidas. A essas pessoas, peço que leiam o que escrevi acima. Considerem também que os canais não passam por limpeza desde 2012 e que, portanto, estão entupidos por sedimentos e plantas aquáticas. Essas plantas crescem rápido por encontrarem o que desejam: canais assoreados, rasos, sol e calor, além de esgoto e insumos químicos jogados na água. Lembro também (quase todos já esqueceram) que, na colossal enchente de 2008, a Justiça Federal autorizou a detonação de cinco diques na lagoa Feia, dos quais quatro foram implodidos. Muitos outros reduzem áreas destinadas à expansão de águas de chuva. Lembro ainda das muitas lagoas que absorviam águas de chuva e que foram drenadas.

 

Enchente de 2008 na lagoa Feia

 

Enfim, reclamar nos momentos críticos de enchente não traz resultados. É preciso esperar que as águas baixem para iniciar um programa estrutural que consiste nos seguintes itens pelo menos.

1- Promover a transferência de residência pobres para lugares seguros, com a perspectiva de construções na forma de palafita. Os ricos que se mudem por conta própria;

2- Demolição de diques em torno de lagoas, sobretudo da lagoa Feia, e a transferência dos núcleos habitacionais que se formaram atrás de tais diques;

3- Restauração e revitalização das lagoas da margem esquerda do rio Muriaé e do Paraíba do Sul no trecho final de ambos, com a conservação de comportas, seja para absorver água de transbordamentos, seja para reservação de água nos períodos de estiagem;

4- Restaurar e revitalizar algumas lagoas da margem direita do Paraíba do Sul tanto para amortecimento do impacto de enchentes quanto para reservação de água durante as estiagens;

5- Reflorestamento de Áreas de Preservação Permanente, sobretudo nas áreas de recarga, nascentes, margens de rios e lagoas, considerando caso a caso. As lagoas de tabuleiro eram cercadas por matas. As lagoas da planície não;

6- Fim do lançamento de esgotos e de fertilizantes químicos em rios, canais e lagoas.

7- Limpeza regular dos canais em período de estiagem.

Os problemas que afligem o trecho final do Paraíba do Sul podem ser, em grande parte, atribuídos às transposições de suas águas para São Paulo e para o Rio de Janeiro. Por outro lado, em vez de cobranças a Minas Gerais para a construção de reservatórios de água, devíamos verificar o que os órgãos gestores do Baixo Paraíba do Sul podem fazer aqui e agora.

 

O Paraíba do Sul foi transformado num sistema hidráulico, com canos, torneiras e registros, para atender às necessidades da cidade do Rio de Janeiro

 

Temendo mudanças climáticas, a Holanda tem devolvido terras ao mar, construído lagoas, aberto canais e construído casas elevadas. Mas é sonhar muito que os homens rudes da baixada e nossos governantes ajam de forma preventiva. Seja como for, não custa sonhar.

 

(*) Eco-historiador

 

Ricardo André Vasconcelos — “O Mecanismo” e o penteado de “Janete”

 

 

 

A despeito de muxoxos aqui e ali, a série “O Mecanismo”, tem a virtude de mostrar, com a contundência adequada, o fenômeno da corrupção sistêmica no Brasil. E, ao contrário do que faz parecer o chororô dos que lançaram prosaica campanha de cancelamento de assinatura da Netflix, em nenhum momento da obra se diz que a corrupção nasceu com o PT. E nem que vai morrer com ele. A corrupção é apartidária e não tem ideologia. Produzida por José Padilha, o mesmo que escancarou ao mundo os bastidores do conúbio entre o Estado e o crime organizado no Rio de Janeiro em Tropa de Elite I e II, desta vez o tema é a operação Lava Jato, inspirado no livro do jornalista Wladimir Neto. Além de produção, Padilha divide a criação com Elena Soares e a direção com Felipe Prado e Marcos Prado.

Os oito capítulos do que se espera ser a primeira de algumas temporadas já estão disponíveis desde sexta feira, 23, no serviço de streaming mais popular do Planeta. Quem viu só até o terceiro ou quarto episódios pode até desconfiar que o foco da série ficaria restrito aos governo petistas, mas se seguir adiante vai ver, na opção didática no desenrolar dos episódios seguintes que metástase funciona como adjetivo próprio para o mecanismo, que vem de longe, muito longe.

Assisti a série entre sábado e domingo. Revi alguns trechos para produzir esse texto buscando a fidelidade de alguns diálogos. Oito capítulos de 45 a 50 minutos cada e em alguns momentos fui obrigado a recorrer ao recurso do close caption (CC) para entender a dicção dos atores ou amenizar a deficiência técnica do áudio. As imagens de Brasília e Curitiba são lindas, mas o cinema brasileiro ainda claudica na  sonorização.

Os personagens reais tiveram seus nomes adaptados, mas de forma a que o expectador, mesmo o que não acompanha com mais atenção o noticiário, possa identificar, seja pela grafia ou sonoridade, a quem representam na vida real. O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, mostrado como tão corajoso quando vaidoso é Paulo Rigo, o doleiro Roberto Ibraim  e o diretor de abastecimento da “PetroBrasil”, João Pedro Rangel, são respectivamente Sérgio Moro, Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa.

É revelador o primeiro contato de João Pedro/Costa   com procuradores da República para tratativas iniciais visando uma delação premiada.

— Quando começou o esquema? perguntou o procurador do Ministério Público Federal  Dimas (que seria o Deltan Dallagnol).

— Tudo começou em 1808 com a vinda de D. João VI para o Brasil. É sério. Naquela época quem mandava eram os comerciantes, os traficantes de escravos. Eles eram os donos do dinheiro… hoje são as empreiteiras”.

Se não bastasse o diálogo acima para garantir a relativa independência que se espera de uma obra que mistura realidade e ficção, o narrador apresenta o senador Lúcio Lemes, candidato da oposição na disputa pela sucessão presidencial de 2014 contra a então presidenta Janete Ruskov, como “um político tão corrupto quanto eles”. Aliás, não vejo muito sentido na reação irada da ex-presidente Dilma Rousseff, que em várias passagens da série fica bem na fita, como por exemplo, quanto recusa o conselho do ex-presidente João Higino (Lula) para trocar o comando da PF e ouve de volta:

— Janete, me escuta pelo menos uma vez na vida, criatura!

É óbvio que os diálogos não são exatamente fiéis porque não se trata de um documentário, como consta no aviso antes de cada episódio: “Este programa é uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais. Personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático”. A despeito da advertência há o que aparenta ser uma exacerbação do papel do ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Tomaz Bastos, um dos maiores criminalistas do Brasil, apresentado como o “bruxo”, e capaz de “transformar bandido em santo”. O personagem, Mário Garcez Brito, articula um acordo com 12 das 13 maiores empreiteiras do país (só a Miller & Bretch, Odebrecht, na vida real) ficou de fora, para pagar uma multa de R$ 1 bilhão e encerrar as investigações. A obra sugere que o acordo com o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot só não foi adiante porque o criminalista morreu.

Além de Márcio/Mário, quem ganha destaque negativo na série de Padilha é o STF. Num momento crucial para a trama e vida real, as investigações são enviadas para a Corte Suprema porque havia dois deputados envolvidos. A reação dos presos, que comemoraram efusivamente a decisão, foi a mais contunde crítica da obra ao sistema nacional de justiça e ao foro privilegiado. O curso mudou quando o juiz Sérgio Moro inovou — o mérito é dele — e desmembrou o processo mantendo na primeira instância os investigados sem foro privilegiado e o STF acatou, por decisão da maioria. A partir daí a história mudou. Literalmente.

Há exageros que emprestam aos petistas que se rebelaram contra a obra de José Padilha alguma razão, principalmente em alguns diálogos e cenas furtivas. Logo no primeiro episódio, o vice-presidente Samuel Thames diz ao ex-presidente Higino que está sendo procurado insistentemente pelos “açougueiros de Goiânia”, alusão explícita aos irmãos Joesley e Wesley Batista, “São de toda confiança,” avalizou o ex-presidente. Certamente não gostaram, também de ouvir da boca do personagem que representa Lula que “é preciso estancar essa sangria” da lava Jato, enquanto a autoria é comprovadamente do senador Romero Jucá (MDB-RR) flagrado em gravação pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Assim como podem espernear do exagerado agradecimento inserido no discurso da presidente reeleita ao vice-presidente, que àquela altura já conspirava contra sua queda. A cena de um empreiteiro mostrando ao ex-presidente um apartamento à beira-mar, também pode despertar indignação, mas injusta, porque existiu na vida real.

Dos cardeais do PT, a reação mais indignada, até agora, veio da ex-presidente Dilma Rousseff. Para ela, na série “O Mecanismo”, José Padilha espalha fake news, além de ameaçar uma campanha internacional contra a Netflix. Talvez a ex-presidente não tenha visto todos os oito capítulos, especialmente o final do último — desculpem o spoiler — quando o senador Lúcio Lemes/Aécio Neves diz para o vice-presidente Samuel Thames/Michel Temer, que ela (Dilma) “não vai frear” a Laja Jato e insinua que ali começa a articulação do golpe que daria no impeachment.

— Ela não vai frear. E se ela não frear, nos temos que frear ela.

— Não é uma costura difícil. Nos temos que puxar o Penha, responde o vice-presidente numa alusão previsível ao deputado Eduardo Cunha.

— O Penha, puxamos o Penha sem problema…

— E o Penha puxa o resto. A mídia vai ajudar…

— Já prepara o teu amigo da revista “Leia”…

— A Leia já tá com a gente…

— Temos que vender a ideia de que o problema são eles.

— Por mim está feito. E você, segura essa?

— Vicissitudes do cargo de vice. Diz Thames solenemente.

Mais do que ouviu, Dilma pode não ter gostado que viu, porque a atriz que interpreta a presidenta Janete Ruskov, a veterana Sura Berditchevsky ostenta um penteado pavoroso e que inclusive, faz parte de um diálogo hilário com a marqueteira de campanha, a partir de um improviso:

—  Com pesados investimentos em energia eólica, dei ordens para desenvolvimento de uma nova tecnologia para estocar vento.

— Presidenta, vamos tentar o texto do Tony? Ele insistiu tanto!

— Está exagerado?

— O quê? — perguntou a marqueteira.

— O cabelo? — encerrou Janete.

 

Orávio de Campos — A política cultural e a urbe silenciosa II

 

 

 

 

Com o objetivo de ajudar na solução de problemas cruciais da cultura planiciana — fatos, inclusive, que vêm se arrastando pelas aléias políticas de vários governos, provando ser os gestores dependentes da boa vontade (?) do alcaide de plantão — fizemos, na edição passada, apreciações pontuais sobre o tema e, em tese, não fomos compreendidos em razão do partidarismo ignóbil a que o setor vem se submetendo.

No arrazoado falamos (e ninguém contestou, por insapiência) sobre o desmonte das leis sobre o desenvolvimento das atividades culturais na urbe silenciosa: os conselhos de cultura e preservação do patrimônio histórico e suas câmaras técnicas; o fundo municipal; as normas legais para a captação de recursos junto à iniciativa privada; o Sistema Municipal e a Lei Orgânica do Município – a LOM…

Essas conquistas, necessárias para dar cunho à adesão ao Sistema Nacional de Cultura, são creditadas à política da Prefeita Rosinha Garotinho. Não dá para se contestar o óbvio. As leis estão valendo e, infelizmente, os atuais gestores não as cumprem. Quanto ao quadro de horrores, também, não há o que se discutir. No Arquivo Público (foto), por exemplo, ficamos (por cidadania) preocupados por conta da invasão das águas pluviais entrando pelo telhado carecendo de reparos…

Causaram-nos espanto, todavia, nas redes sociais, duas observações, não muito airosas, de duas pessoas talentosas, enquanto artistas, mas que, por causa do partidarismo cego (ou quase?), acharam de nos contra-atacar, como se isso fosse uma guerra, com armas fragilíssimas, como numa cena de ópera bufa. Na realidade, não entrando no cerne da questão, por falta de argumentações plausíveis, limitaram-se a evasivas naturais e inconsequentes.

Incorporando o que se nos revela a escritora Telênia Hill, “Homem, Cultura e Sociedade” (Editora Lucerna, Rio de Janeiro, 2006), vale lembrar, se for de utilidade para alguém, que “é por meio do registro da história que a gente vai evidenciando a importância de se refletir sobre o dinamismo do fenômeno cultural sem prescindir de seu entrosamento com outros, também, fenômenos da revolução e da comunicação (…)”.

Quando afirmamos que os artistas não têm, necessariamente, de tratar de questões partidárias (falta-lhes fulcro ideológico), porquanto isso vem causando (e causa, ainda) rupturas nos sistemas de produção, o fizemos pela experiência no reconhecimento de que o ideal burocrático do Estado transforma os cidadãos/artistas em objetos de sua administração calamitosa, relegando-os a simples marionetes.

A filosofia proposta pelo Sistema Nacional de Cultura expressa esse pensamento estruturante da arte universal, através do saber de que o ato artístico precisa ser cidadão, para cuidar, sem comprometimentos, dos fenômenos sociais com a vivacidade de um repórter/ator bem formado e capaz de perceber sua função de homem crítico da sociedade, na melhor acepção proposta pelo jornalista Zuenir Ventura.

Separados, não seremos coisa alguma no campo do desenvolvimento. Juntos podemos construir formas para estreitar laços e pensar o futuro, como nos ensina Nietzsche (Assim falava Zaratustra): “(…) significa que o homem é uma ponte e não um termo, que se deve abençoar as horas do meio dia e do entardecer, que são os caminhos de uma nova aurora (…)”.  E, finalmente (vale a repetição), muito nos incomoda o silêncio deliberado das forças (?) culturais da urbe ensandecida.

Além de ações comezinhas (vingancinhas) por parte dos gestores, criando áreas de desforras e, com isso, demonstrando atraso com relação à política hodierna, lamentamos o destilar desse ódio imerecido. Afinal, nunca fomos inimigos e não desejamos ser. O mínimo que o estado democrático de direito nos permite é sermos, rigorosamente, adversários, respeitando os limites éticos (e mores) de atuação.  E a recíproca deve ser verdadeira…

 

Dilema entre HC ou prisão de Lula divide o Brasil

 

 

(Charge do José Renato)

 

 

Dilema Lula (I)

No que já era esperado, a 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) negou por unanimidade o recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem, os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus negaram os embargos de declaração da defesa. Em 12 de janeiro, os três já haviam confirmado, também unanimemente, a condenação de Lula pelo juiz federal Sérgio Moro, aumentando a pena inicial, de nove anos e meio, para 12 anos e um mês de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá.

 

Dilema Lula (II)

Na controvertida sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), da última quinta (22), o pedido de Habeas Corpus (HC) preventivo de Lula foi admitido por 7 votos a 4, mas não julgado. Com o ministro Marco Aurélio Mello exibindo uma passagem de avião para interromper a sessão, o julgamento do HC foi transferido para o próximo dia 4. Até lá, atendendo ao pedido dos advogados do ex-presidente, o STF decidiu liminarmente, em placar mais apertado de 6 a 5, que ele não pode ser preso. Também no TRF 4, a defesa ainda vai tentar novo recurso: o embargo dos embargos de declaração rejeitados.

 

Dilema Lula (III)

Barrado pela Lei da Ficha Limpa à eleição presidencial de outubro, a possibilidade de prisão de Lula divide o país. Político mais popular do Brasil desde o também ex-presidente Getúlio Vargas (1882/1954), o petista ainda desfruta de cerca de 35% das intenções de votos, segundo pesquisa Datafolha feita entre 29 e 30 de janeiro, já depois de confirmada sua condenação no TRF 4. Teme-se que, em caso de prisão, seus militantes possam se rebelar. Em contrapartida, caso ele tivesse sua sua liberdade concedida pelo STF, impossível saber como reagiriam os 40% que, na mesma consulta Datafolha, dizem não votar em Lula de jeito nenhum.

 

Dilema Lula (IV)

Mesmo entre quem não vota mais em Lula, há quem reconhece sua envergadura histórica e não gostaria de vê-lo preso. Ao mesmo tempo, se ele tiver a condenação confirmada até o último recurso no TRF 4 e for mantido livre pelo STF, geraria uma reação em cadeia de todos os demais condenados em segunda instância pela Lava Jato. Neste caso, o risco institucional para o país é melhor dimensionado pelo titular da 3ª Promotoria de Família de Campos, Victor Queiroz, ao final do seu artigo (aqui) na página anterior: “a sociedade e os criminosos, especialmente os do andar de cima, terão sempre a impressão de que praticar crimes pode valer a pena”.

 

Nas ruas pela paz

Os moradores dos distritos de Goitacazes e Tocos, na baixada campista, promovem hoje uma marcha para conscientização que a paz é um direito da pessoa humana. A segunda “Via sacra pela paz” acontece na RJ 216, em Goitacazes. Os fiéis da Paróquia São Gonçalo caminharão vestidos de branco, em protesto simbólico pedindo mais atenção à segurança pública. A marcha vai começar após a missa que acontecerá às 19h, na igreja matriz São Gonçalo. A caminhada também remete à Campanha da Fraternidade, que neste ano tem como tema “Fraternidade e superação da violência” e lema “Em Cristo somos todos irmãos”.

 

Denúncia

A iniciativa do Coletivo de Mulheres Uenfianas, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), de espalhar cartazes pela instituição dando conta de supostos casos de assédios sexuais e morais que universitárias estariam sofrendo, chegou até a pró-reitoria de graduação. Ela informou que vai acatar as denúncias e enviar às instâncias responsáveis pela instauração dos processos administrativos. Os cartazes foram colados de forma anônima porque as supostas vítimas estariam com medo de represálias. A medida tomada pela pró-reitoria foi o mínimo que poderia ser esperado de uma instituição séria como a Uenf. Nada melhor do que averiguar os fatos.

 

Sangue em debate

A falta de sangue no estoque do Hemocentro Regional de Campos será tema de audiência pública hoje, às 14h, no plenário da Câmara de Vereadores de Campos. O evento acontece por solicitação do vereador José Carlos (PSDC), que é presidente da comissão de Doação de Sangue. O único banco de sangue das regiões Norte e Noroeste Fluminense necessita de todos os tipos sanguíneos para atender toda a demanda, principalmente os de fator Rh negativo como O e A.

 

Com os jornalistas Suzy Monteiro e Mário Sérgio

 

Publicado hoje (27) na Folha da Manhã

 

Porque os criminosos têm a impressão de que o crime vale a pena

 

Debate “Diálogos sobre a opreação Lava Jato”, realizado no último dia 21, no auditório da FDC (Foto: Rodrigo Silveira – Folha da Manhã)

 

Promotor de Justiça Victor Queiroz no debate da FDC (Foto: Rodrigo Silveira – Foha da Manhã)

 

 

A pena vale

Por Victor Santos Queiroz(*)

 

Recentemente tive a honra de participar, juntamente com o odontólogo Alexandre Buchaul, o advogado Antonio Carlos Santos Filho e o juiz de direito Eron Simas, de debate público (aqui) mediado com maestria pelo jornalista e poeta Aluysio Abreu Barbosa, na Faculdade de Direito do Uniflu (a sempre FDC), sobre as Operações Mãos Limpas e Lava Jato, assim como seus reflexos na planície goitacá. Terminado o debate, confesso que dele saí ainda mais instigado à reflexão sobre a questão do combate à corrupção no Brasil, razão pela qual proponho o prosseguimento do diálogo iniciado na FDC.

O que faz uma pessoa tomar a decisão de praticar crimes? Sem pretender esgotar todas as respostas possíveis, certamente uma delas diz com a certeza da impunidade, ou seja, o fato de a pessoa estar convicta de que não sofrerá nenhuma consequência punitiva. Trata-se de considerar uma relação de custo/benefício entre a punição ao final de eventual processo e o proveito do crime. O criminoso quer saber se a pena vale.

Evidente, por outro lado, que o sistema penal e processual penal brasileiro é, ainda que por vias transversas, débil no combate às práticas delitivas, já que são várias as possibilidades de se postergar ou de se evitar a execução da pena imposta.

Isso se mostra ainda mais claro em vários casos de condenações pela prática de crimes de corrupção. Veja-se o célebre exemplo do ex-senador Luiz Estevão. Processado por corrupção e outros delitos ao ensejo da celebração de contratos para a construção, em 1992, do Fórum trabalhista de São Paulo, Luiz Estevão foi condenado em 2006 ao cumprimento de penas que, somadas, chegam a 31 anos de prisão. Ao longo do processo, o condenado interpôs nada mais, nada menos, do que a impressionante marca de 35 recursos. Resultado: somente após 10 anos da condenação pelo TRF3 é que o ex-senador começou a cumprir a sua pena (processo nº 0001198-37.2000.4.03.6181).

Mas poderia ter sido pior para a sociedade: por muito pouco o condenado não se beneficiou do instituto da prescrição, especialmente a retroativa (uma típica “jabuticaba” no cenário jurídico universal, eis que existente apenas no benevolente ordenamento jurídico da “Terra Brasilis”, segundo a qual o Estado só vai saber se tem o direito de punir ao final do processo, dependendo da quantidade da pena concretamente aplicada e da demora na conclusão do processo). Se fosse espichado um pouquinho mais o início do cumprimento da pena, o crime teria compensado para o ex-senador, já que todo o trabalho processual desenvolvido ao longo de anos e a consequente condenação que lhe foi imposta teriam caído por terra.

A conclusão a que se chega é de que, no Brasil atual, se a sociedade pretende efetivamente combater os crimes, os processos devem respeitar os direitos e garantias individuais, mas devem ser sobretudo céleres, caso contrário não terão utilidade nenhuma. É urgente valorizar o princípio constitucional da proibição da proteção deficiente ao cidadão (que é a grande vítima dos crimes de corrupção), sem que isso implique desrespeitar o direito ao contraditório e à ampla defesa. Seria bom, portanto, que os legisladores restringissem as possibilidades de recursos e as hipóteses de prescrição, assim como os casos de foro privilegiado. Além disso, os operadores do direito (juízes, membros do MP, advogados, defensores, agentes da polícia, servidores da justiça etc) precisam colaborar para a rápida solução das investigações e dos processos, abstendo-se da suscitação de incidentes meramente procrastinatórios.

Se assim não se fizer, a sociedade e os criminosos, especialmente os do andar de cima, terão sempre a impressão de que praticar crimes pode valer a pena.

 

(*)Promotor de Jutiça