Eram meados dos anos 1990. Tinha pouco mais de 20 anos, quando vivia em Atafona a fase mais bicho grilo da sua vida. Um amigo biólogo, igualmente jovem e refugiado junto à foz do Paraíba do Sul, o ensinava sobre a mata de restinga que ainda cobria parte da região.
O aprendizado se dera em meio à realidade desse ecossistema no entorno da Lagoa de Iquipari, muito antes do porto do Açu, que o geólogo campista Alberto Lamego (1896/1985) perenizara no seu necessário “O homem e a restinga”, publicado em 1946. Meio século depois, era a mesma restinga que os dois jovens homens percorriam a pé, sob o sol, quando o biólogo observou ao amigo:
— Sabe por que o cactos tem espinhos? Porque ele é a planta mais suculenta do deserto, a que mais armazena água. Sem a defesa dos espinhos, ele seria simplesmente devorado pela fauna.
Com todas suas metáforas possíveis, esse dedo de prosa cutucaria a lembrança nas duas décadas seguintes, no apontamento dos caminhos. Quando estes se cruzaram sem dolo com os de “vegetação” semelhante, no entrelaçamento espontâneo das raízes, brotaram versos:
os cactos
(p/ paulinha)
deu-se que um cactos enamorou-se
da polpa tenra sob os espinhos tesos
do semelhante seu que reconheceu
ao tato das raízes no escuro da terra
o cactos se deixou espetar pelo outro
a quem deu de beber em água e verde
quando o tempo estiou ao abraço
com a força do azul no céu do sertão
testemunhou a abelha suja de pólen
para parir mel do sêmen das flores
de dois cactos cujas seivas trocadas
agora afluíam uma ao curso da outra
campos, 22/09/15
Publicado aqui neste Opiniões, em 06/12/15, e republicado hoje (02) na Folha Letras