Alexandre Buchaul — Lava Jato, Chequinho, Sacolão…

 

 

 

Há algum tempo, conversava eu com um senhor que, do alto de seus mais de 80 anos, me relatava experiências de sua longa vida, sem a revolta ou o ímpeto dos jovens, sem o sarcasmo ou a indiferença dos canalhas, com a sabedoria de quem apenas contava histórias, não como quem diverte ou distrai-se apenas a passar o pouco tempo que lhe resta, mas como o ancião que pela tradição oral ensina, transmite sabedoria.

Dizia-me então, como quando ainda criança, com a curiosidade própria dos infantes, participava de um churrasco pela primeira vez na vida, algo estranho. Donde já se vira queimar carne no fogo? Contava que seu pai de forma alguma comera, achara tremendamente exótico comer carne sem que fosse frita. Nas traquinagens e correrias com as demais crianças, calhou que vissem, isso tudo corria no interior do Estado do Espirito Santo, homens chegados da capital, num “carrão”, algo bastante incomum e raro. Esgueiraram-se pelas beiradas do quintal, curiosos de saber o que faziam, de onde eram aquelas pessoas, foi quando vira, imaginem o assombro e deslumbre para uma criança pobre da roça, uma mala de dinheiro. Não sabia nada o então menino, apenas ficara admirado e correra a contar a seu pai o que vira. Como mandava o costume e a moral, fora repreendido. “Ficar por aí espiando os outros não era coisa de gente direita”, pouco importava se o era a mala de dinheiro. Apesar de não poder precisar a data, quem eram aqueles homens, ou sequer os governantes a época, ficaram as lições, uma aprendida à época, não se fica por aí espiando; a outra, aprendida com a experiência, de um jeito ou de outro sempre fora assim…

Ouvimos e vemos ações que nos deixam ora estupefatos, ora esperançosos, se jamais fora diferente, também jamais houvera uma operação Lava Jato. As ações da polícia federal que nos expuseram as entranhas nojentas da relação entre as empresas e os políticos, que pusera, “Como nunca antes na história do país”, gente graúda no banco dos réus, gente importante na cadeia. Saindo de Curitiba e chegando à Brasília as investigações, se levadas a cabo, deixarão sobrar pouco do que havia se estabelecido no modus operandi de nossos agentes político-empresariais. Cá em nossa planície já há envolvidos sendo investigados por desdobramentos dessa operação, pessoas habituadas as colunas sociais andam as voltas com o figurino que exibirão em outra parte dos jornais e, depois de ver o herdeiro do império da Odebrecht, amargar alguns meses de cadeia, já se percebem não mais intocáveis.

A justificativa, como se fosse justo, dos envolvidos é dizer que querem criminalizar a política, que os recursos desviados eram apenas caixa dois para alimentar campanhas eleitorais, para compra de apoio… tentam, admitindo crime menor, salvar os dedos enquanto se lhes vão os anéis. Lembro-me do senhor que ainda menino vira a mala de dinheiro, “sempre foi assim”. E observo com tristeza que a busca por subterfúgios que deem aparência justificável a compra de votos, compra de consciências, permanece viva como sempre. Dos percentuais desviados da Petrobrás e postos à luz pela Lava Jato, passando pelo Cheque Cidadão, inflado e distribuído a larga próximo a eleição e que deu origem a Operação Chequinho e chegando ao Sacolão a ser distribuído em ano eleitoral pelo governo municipal a partir de subterfúgio legal apelidado de Lei Marcão, não por acaso pretenso candidato a deputado, não há diferença.

Assistindo a um filme intitulado Ben-Hur, produção recente, não o “original”, após a corrida de bigas em que o Romano sai derrotado, o representante do Império Romano recebe condolências de interlocutor pela perda e responde “Perda? Veja isso! Eles querem sangue, são todos romanos agora”. Espero que o povo, após tantas notícias sobre corrupção e desvios de caráter, de tanto ser bombardeado com a exposição de negociatas, de privilégios que mesmo sendo legais, são imorais. De tantos chequinhos, auxílios moradia e sacolões não acabe por se tornar todo corrupto.

 

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Este post tem 6 comentários

  1. Fernanda Melo

    Precisamos, de fato, nos livrar desses velhos paradigmas. Não podemos mais aceitar o “sempre foi assim”, “rouba mas faz”, “farinha pouca meu pirão primeiro”. Precisamos inclusive nos livrar o mais rápido possível do tão famigerado ditado: Brasileiro não tem memória.
    Noutro giro, sejamos nós a mudança desejada, assumindo o lugar de protagonistas no processo eletivo e demonstrando isso pelo direito legítimo do voto. Fica o desafio de não utiliza-lo como a chave que tranca as portas dos gabinetes para a ocorrência de transações escusas e ilegais, mas ao contrário, que ele seja instrumento libertador das amarras da velha política, mais precisamente da velha politicagem. Mudar é preciso, é urgente e só propõe essa reflexão quem deseja ver a mudança. Quem deseja ser a mudança.
    Que a política seja transparente e que venha o novo!

    Como sua leitora, agradeço pela proposta reflexiva.

    Sucesso!

    1. Alexandre Buchaul de Azevedo

      Comentários assim fazem qualquer um que escreva sentir-se na obrigação de melhorar os textos a cada dia. Muito obrigado por comentar!

  2. Analéa Telles

    Parabéns, fizestes uma descrição digna de José de Alencar. Continuadores em teus trechos, fazendo intertextos com o caos em nosso país é o pensamento decadente da nossa nação, uma vez que a ideologia vigente seja “o jeitinho de se dar bem”. Refletores na dicotomia existente nas áreas que regem a sociedade.
    Com maestria usares da palavra escrita e junto nos venha, a revolta efetiva e eficaz, para gerar esperança para dias melhores.

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