“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” Friedrich Nietzsche.
Observamos com tristeza nossos heróis, quando num olhar mais aproximado, quando expostos ao teste da realidade, se tornarem monstros como os que diziam combater. Um terrível macunaísmo que nos frustra e desesperança parece ser a verdadeira face de nossos eleitos quando vistos sem o grosso verniz com que se expõe à vitrine. Não seria diferente com nossos representantes políticos, com os messias que nos dizem salvar e libertar do jugo do adversário.
Por meses a fio o nefasto assistencialismo populista que resultou no uso eleitoral do cheque cidadão fora criticado, os outrora críticos, agora no poder, lançam a “Lei Marcão” e não admitem críticas ou comparações ao garotismo que antes criticavam, apesar de agora agirem de forma semelhante. Não sendo tal feito ato isolado e o tempo vindo ao socorro da verdade, vemos que uma vez mais um “guardião de nosso povo”, vereador ilibado, reputação a pleno lustre, após criticar com ardor inconformado a gestão garotista, protagoniza espetáculo nas redes sociais, whatsapp e Facebook que caberia enquadrar nas mesmas críticas anteriormente proferidas.
Por vezes circularam áudios atribuídos a Suledil conclamando os aliados a atuarem de forma mais firme nas redes sociais e ficara em minha memória a seguinte frase “Quem não dá duro no emprego hoje, dará duro procurando emprego amanhã!” com que o então secretário de controle finalizava os convites à ação. Eis que, superando as expectativas, nos vem o vereador Cláudio Andrade com seu: atualize ou demita-se! Uma versão moderna do “Dá ou desce” dos ditos populares. Não bastasse o erro anterior quando em artigo “Caô de servidor” atribuiu aos servidores públicos a culpa pelo funcionamento deficiente da máquina municipal e questionado disse não ter dito o que havia dito, mas que a população não sabia interpretar seu texto. Agora, novamente, consegue tornar a emenda do malfeito pior que o ato principal quando tentou se explicar nas redes sociais.
Já nos dizia o experiente Cardeal Mazarin para observar aquilo que mais criticam e ver que ali estariam seus próprios vícios, como se criticassem a imagem refletida no espelho. Fica o munícipe com a sensação de que lhe mudaram o jockey, mas que ainda verga a sela.
Por e-mail, o artista plástico Fernando Codeço enviou fotos da ilha de Rodes, na Grécia, sobre o protesto contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) durante a 1ª Bienal Internacional de Filosofia Prática. Ao todo, 12 brasileiros participaram do evento. E todos se posicionaram contra o que consideram “golpe contra a democracia em curso no Brasil”. Com o Fernando, estava a Julia Naidin. Juntos, eles organizam as atividades culturais da CasaDuna em Atafona.
Confira abaixo as fotos do protesto contra a prisão de Lula e a execução de Marielle, que o deputado federal Chico Alencar (Psol) chamou (aqui) de “crime político”:
Nunca tive proximidade com a atriz Maria Helena Gomes, falecida ontem, ao 61 anos. Mas, com participações modestas e sazonais na produção cultural de Campos desde os anos 1990, não tinha como não (re)conhecer a importância do trabalho de Leninha na cena teatral goitacá. Para conhecê-lo um pouco melhor, recomendo a enriquecedora matéria dos jornalistas Celso Cordeiro Filho e Antônio Filho, editada com denodo pelo Rodrigo Gonçalves e publicada (aqui) na edição de hoje da Folha da Manhã.
Entre hoje e ontem, recebi dois testemunhos sobre a atriz campista. E, pelas retinas de duas mulheres que admiro bastante, a professora Beth Araújo, vencedora do prêmio Alberto Ribeiro Lamego, e a jornalista e escritora Paula Vigneron, conheci melhor a vida e a obra de uma mulher admirável. Nos dois textos sensibilíssimos sobre Leninha, fiz da emoção de Beth e Paula a minha. E nesta tarde de domingo, convido você, leitor, à mesma comunhão:
Leninha
Beth Araújo
Uma estrela
Por Beth Araújo
Com o falecimento de Maria Helena Gomes, abre-se uma lacuna na cultura de Campos. Guardo uma admiração imensa por sua história de vida: nascida numa família pobre, a duras penas se fez professora de Educação Artística, dando ênfase em seu trabalho pedagógico à formação teatral. Percebeu o valor da cultura como forma de dimensionar o processo educacional. Ingressou no Estado duas vezes por concurso. E, como professora, criou e educou as duas filhas. Formou-se pela Faculdade de Filosofia de Campos. Desde cedo, apaixonou-se pelo Teatro e lutou pela cultura de Campos enquanto teve saúde.
Vi Leninha, pela primeira vez, no palco do Sesc , ao lado de Artur Gomes, numa interpretação soberba da peça “Fando e Liz”, de Arrabal , dirigida por Orávio de Campos Soares. Tenho uma gratidão enorme por seu trabalho no setor Cultural do Crec-Campos, no Governo Brizola, quando fui diretora do referido órgão. Ela elaborou o projeto Teatro na Escola, que coordenou ao lado de João Vicente Alvarenga e Marcos Wagner Coutinho. Dele saíram artistas como Neuzinha da Hora e outros que formaram o elenco da peça “O Auto do Lavrador Na Volta do Êxodo”, dirigido por Orávio e apresentado no Teatro João Caetano , no Rio de Janeiro , onde foi assistida por pessoas renomadas do mundo artístico, como Tônia Carteiro, Paulo Autran e outros. Do mundo político, destacou-se na platéia o legendário Luiz Carlos Prestes.
Simples demais, Leninha era dotada de valores humanos incomuns: generosa, prestativa, despojada, incansável. Espero que ela tenha nos anais da cultura de Campos o lugar de destaque de que se faz merecedora. Que os governos, indepedente de credos políticos, cumpram o dever de homenageá-la de forma justa e à altura da grande estrela que foi e que hoje passa a ocupar seu lugar numa constelação maior.
Paula Vigneron
Uma noite em Nova York
Por Paula Vigneron
Conheci Maria Helena Gomes aos 16 anos. Lena. Leninha. Uma mulher doce que, junto à ternura, transparecia força. Era 2009. Eu estava entrando, pela primeira vez, em um curso de teatro. Sentia medo misturado aos problemas interiores e exteriores da época. Adolescência. Ansiedade. Preocupação. Desânimo. Precisava de algo que me motivasse.
Tudo era novo naquele lugar. As pessoas. Os espaços. Os discursos. As cenas reais e da ficção. Fui recebida com carinho por Lena. Senti admiração desde o primeiro momento. Durante todo o curso, meu carinho por aquela figura delicada e forte crescia a cada dia. O tempo passava, e eu amadurecia com os aprendizados dali. No início, a vergonha avassaladora, que foi sendo quebrada e transformada em prazer durante as aulas.
Em uma daquelas noites, passei um tempo na sala de Lena. Estava acompanhada por colegas do curso. Sentada em uma cadeira giratória, ela usava o computador e conversava conosco. Entre leituras e comentários, acessou o YouTube para nos mostrar uma canção. Eu estava na cadeira à frente dela, observando-a. Logo depois, as pequenas caixas de som ecoaram a voz de Frank Sinatra em “New York, New York”. Ouvi com atenção enquanto ela nos contava fatos sobre o cantor. Era a primeira vez que o escutava. Lembro-me de permanecer em silêncio, quase sagrado, atenta à fala de Leninha somada aos tons de Sinatra.
Meses depois, nós nos preparávamos para o espetáculo de encerramento. A obra escolhida para a encenação foi de Charles Dickens. “Um conto de Natal”. Os papeis foram distribuídos. Os ensaios uniam horas de tensão e leveza. Em dezembro, subimos ao palco do Teatro de Bolso Procópio Ferreira para levar o trabalho ao público. Foram duas noites de casa cheia. Entre aplausos e apresentações, Lena foi ao microfone e agradeceu a todos. A presença da plateia. O empenho do elenco. Todas as etapas vencidas até ali.
Enquanto encerrava sua fala, a ela, foi dado, pela administração do teatro, um buquê de flores. Era uma forma de agradecimento por todos os anos de história e por ter orientado o elenco, formado por crianças, adolescentes e adultos, ao objetivo daquela noite. O Teatro de Bolso foi tomado por aplausos e gritos vindos da plateia e do palco. Eu me lembro da emoção de estar ali e de homenageá-la, entre palmas e lágrimas, pelo que ela representou para mim enquanto estive sob a proteção do Palácio da Cultura, em noites de aprendizado.
Por rumos diferentes, precisei me afastar das aulas e daquelas pessoas que me deram a chance de conhecer uma nova realidade. Mas, mesmo de longe, continuava a seguir os passos deles. Uns cresceram e foram para outros pousos. Outros se despediram antes da hora. E Lena continuava ali, recebendo e mostrando a muitos, com sonhos e devoção, os caminhos possíveis.
Tive a oportunidade de encontrá-la em outros momentos, sempre com o respeito e carinho que conservei em meus caminhos. Com o passar dos anos, já com o cotidiano atrelado à redação, entrevistei-a por telefone. Ela respondia às perguntas, de forma solícita. Do outro lado, a quase jornalista a ouvia e dava, sem que ela percebesse, lugar à adolescente que a conhecera anos antes. E, entre perguntas, revivia, com gratidão, a breve e marcante trajetória que levou sua vida a cruzar, em noites de arte, realidade e trocas embaladas por Sinatra, com a de Lena, antes que esta saísse, precocemente, de cena, deixando a seus companheiros e admiradores o papel de dirigir, deste lado, o destino e suas peças.
O Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, afirmou em rede social, às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-Presidente Lula no STF, “que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. O recado foi interpretado, quer como pressão indevida dos militares sobre o poder Judiciário, quer como preocupação comungada pela maioria da nação.
No STF, coube ao decano Ministro Celso de Mello verbalizar a primeira opinião: “O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem”. Já o Ministro Luís R. Barroso se vocalizou a segunda: “O que você pode sentir é que os militares, como todo mundo no Brasil, estão preocupados e querem mudar as coisas para melhor. Como eu também”[1].
À luz da nossa história, de frequentes intervenções militares na política, todavia, é certo que a simples evocação do “respeito indeclinável à Constituição e às leis” não serve como bom contraponto, visto que essa tradição se forjou exatamente com base nesse princípio, evocado como antídoto à tendência histórica dos “agentes do Estado”, em particular dos civis, ao respeito declinável “à Constituição e às leis” — de acordo “apenas com interesses pessoais”, como assinalou o Comandante do Exército.
O fato é que o recado do General embutiu um alerta ao Judiciário, em meio à evidente erosão da autoridade do Executivo e do Legislativo, de que ele se tornou a penúltima fortaleza da defesa do Estado democrático de direito — a última são as Forças Armadas (FFAA) em nossa tradição republicana. Ao mesmo tempo, Villas Bôas mandou um recado à tropa: a prerrogativa do resguardo da lei e da ordem cabe exclusivamente aos poderes de Estado, não aos indivíduos em geral.
Para compreendermos adequadamente a questão, precisamos entender como as FFAA se tornaram protagonistas de nossa história por meio da combinação de três fatores interligados: 1) o fortalecimento gradual da convicção, no último quartel do séc. XIX, de que seu lugar entre as instituições nacionais dependeria mais de sua própria organização (corporativa) do que do processo de modernização, truncado pelo Estado escravista à sombra da Constituição de 1824; 2) o fato de que a decadência do modo escravista de produção solapava as bases da autoridade do Poder Moderador (Monarquia), ameaçando a unidade e a ordem nacional, sem que outra instituição civil lhe ocupasse o lugar; 3) a constatação de que a incipiência da sociedade civil existente, a par da fragilidade das instituições civis de poder, representavam o perigo efetivo de uma luta fratricida entre os brasileiros.
Enquanto o país marcava passo ao sabor do conservadorismo hesitante da monarquia, o Exército se modernizava com a gradual desaristocratização dos postos de comando propiciado pela imposição de critérios meritocráticos para a promoção na carreira, implementado pela reforma militar de 1850, que obrigou a profissionalização dos oficiais por meio de especialização na Real Academia Militar[2]. A partir daí, o Exército foi se democratizando pelo ingresso em seus quadros de indivíduos oriundos da pequena-burguesia que, de outro modo, estariam fadados à pobreza. Além do ensino técnico, eles também adquiriam habilidades intelectuais por meio de uma formação universalista, de viés positivista[3], que os habilitavam também a expressar o descontentamento difuso da plebe sem representação, além do sentimento nacionalista emergente na sociedade.
Desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), os militares viram-se de algum modo envolvidos em movimentos nacionais de grande significado, sob a influência do Apostolado de Benjamin Constant[4], quer pelo fim da escravidão, por eleições livres (voto secreto), pela independência do Poder Judiciário, ou mesmo por um Estado forte para a superação do atraso nacional, entre outras. Após a forte repressão que se seguiu às greves operárias de 1917, com a expulsão de estrangeiros anarcossindicalistas (1921) e o prolongado estado de sítio (1922-26) — com a proibição do recém-criado partido operário (PCB) —, as lutas democráticas passaram à caserna por meio de grupos militares que promoveriam diversos movimentos armados entre 1922 e 1927, conhecidos como “levantes tenentistas” dada a forte participação da suboficialidade do Exército neles.
Em paralelo a estas agitações, sobretudo após a I Guerra Mundial (1914-18), cresce o movimento interno profissionalizante impulsionado quer por jovens oficiais formados em intercâmbio na Alemanha (“jovens turcos”), quer por oficiais antitenentistas que propugnavam a unidade do Exército e seu engajamento institucional, através do estado-maior, somente em caso de grave ameaça à ordem interna[5]. Nessa perspectiva se enquadrariam a intervenção de 1930, em meio as denúncias de fraude eleitoral; o golpe varguista de 1937, depois da fracassada revolta militar comunista de 1935; a derrubada de Vargas em 1945, para garantir a redemocratização do país; entre outros episódios cujo ápice (destoante) seria o contra-golpe de 1964, quando o poder só seria devolvido aos civis 20 anos após.
É sob essa moldura que devemos entender o posicionamento público do Gen. Villas-Bôas, liderança militar de perfil liberal, moldada pela perspectiva institucional-profissionalizante da ESG — que fundiu segurança com desenvolvimento econômico —, para quem “o Brasil (…) tem um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser tutelada”, mas que, ao mesmo tempo, sabe dos efeitos disruptivos de suas fraquezas institucionais sobre a sociedade e, particularmente, sobre a tropa, num momento em que as ameaças explícitas dos populistas de esquerda em prol da “guerra de classes” encontram como antípoda Jair Bolsonaro e sua pregação intervencionista, com repercussões internas no próprio Alto Comando do Exército — vide Gen. Hamilton Mourão.
Nesse contexto, tudo que um Chefe do Exército não pode fazer é se fingir de morto em “seu quadrado normativo”[6], sob pena de ver crescer, com o beneplácito dos comandantes de batalhão, a volta do fantasma do engajamento de base dos militares na política.
[5] Vide CPDOC, in. <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/bertoldo_klinger>, <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/goes_monteiro> e <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/CrisePolitica/MovimentoTenentista>.
Morreu às 23h de ontem (26), aos 85 anos, Thereza Barreto Pereira. Ela foi internada num quatro do Hospital da Unimed há três semanas, por conta de uma pneumonia, mas seu quadro acabou se agravando, com a transferência à UTI na última semana. Seu velório está ocorrendo desde às 7h da manhã, no Campo da Paz, onde seu corpo será sepultado ainda hoje à tarde, em horário ainda a ser definido.
Therezinha deixa seis filhos, 15 netos e 15 bisnetos. Ela foi esposa do publicitário Pereira Júnior, que morreu aos 74 anos, em 2001, também sepultado no Campo da Paz. Ele marcou época na mídia de Campos, sendo um dos sócios fundadores da Folha da Manhã. Criador do slogan “A diferença está na qualidade”, Pereira foi fundamental ao sucesso do jornal, como ressaltou (aqui) sua diretora presidente, Diva Abreu Barbosa, no aniversário de 40 anos da Folha, em 8 de janeiro deste ano.
Pela proximidade dos meus pais com o casal por conta da Folha, conheci Therezinha desde os cinco anos de idade. Muito criança, quando íamos visitá-los na casa da família em Grussaí, durante os verões, lembro do carinho todo especial dela para comigo. Sabendo que eu adorava coxa de frango frita, ela preparava um prato generoso da iguaria, que guardava no forno, coberto com uma toalha de prato, desfraldada apenas para mim. Nos 40 anos seguintes, nunca esqueci daquele seu carinho tão generoso e maternal, repetido em sentimento em todos os contatos pessoais que mantivemos de lá para cá.
Falei há pouco, por telefone, com seus filhos Cristina e Ronaldo Pereira, para prestar meus mais sinceros sentimentos pela perda e colher informações para esta postagem. Junto aos demais irmãos, eles administram a rádio 97 FM, outro órgão de comunicação fundado em Campos por Pereira Júnior, há 34 anos.
Sobre sua doce companheira Therezinha, fico com as palavras (aqui) de Ronaldo, incansável acompanhante da mãe nestas últimas três semanas no hospital:
“Minha rainha passarinhou, bateu asas para o vôo mais alto ao encontro do PAI. Descanse em PAZ.”
Em episódio recente, um áudio do juiz Glaucenir Oliveira feito em grupo de WhatsApp vazou e teve repercussão nacional. Ao criticar a decisão monocrática do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, que livrou o ex-governador Anthony Garotinho (hoje, PRP) de uma cela de Bangu 8, em 20 de dezembro do ano passado, o juiz campista disse três dias depois: “segundo os comentários que eu ouvi hoje, de gente lá de dentro (do grupo de Garotinho) é que a mala foi grande”. Claramente, deu a entender que a decisão fora comprada.
Áudio paroquial
No último domingo (22), outro áudio em um grupo de WhatsApp, de outra autoridade pública de Campos, causou polêmica. Nele, o advogado Cláudio Andrade (PSDC) disse (aqui): “Eu sou vereador e tenho algumas ordens que vocês têm que obedecer, querendo ou não (…) Eu preciso que o Face de vocês sejam (sic) atualizados (sic) em meia hora. Quem tiver com o Face desatualizado com as minhas matérias, atualize em meia hora. Quem não quiser, por favor, tem 24 horas para entregar o cargo, seja assessor do gabinete, seja DAS, seja RPA. Quem não cumprir com essa determinação, por favor, entregue o cargo em 24 horas, porque tem gente querendo trabalhar”.
Ordens e ameaça
Bem verdade que, diferente da rápida repercussão nacional do áudio de Glaucenir, o gravado por Cláudio não ultrapassou a fronteira paroquial. Dentro dela, foi ecoado entre as ruínas do outrora poderoso grupo de mídia de Garotinho, opositor ao governo Rafael Diniz (PPS), que tem o vereador em sua base de apoio. Em resposta, no final da noite de domingo, ele gravou um live (aqui) num de seus perfis do Facebook, no qual confirmou a autoria do áudio, reafirmou suas “ordens” e sua ameaça direta em caso descumprimento: “24 horas para entregar o cargo”.
O patrão
Mesmo para quem não é formado em Direito, a tentativa do vereador de obrigar a atualização em perfis pessoais de Facebook “com as minhas matérias (…) em meia hora” parece incorrer em duas ilegalidades: assédio moral e desvio de função. Ambas caberiam à Justiça, embora a última também devesse ser coibida pelo Regimento Interno da Câmara Municipal. Diferente do que parece entender o vereador e advogado, mesmo lotados em seu gabinete, os assessores parlamentares não são empregados dele, mas da Casa do Povo. Não por outro motivo, são pagos com o dinheiro da choldra — o povo, na definição do jornalista Elio Gaspari.
Bola nas costas
A situação já seria complicada, caso o áudio de Cláudio Andrade fosse só destinado ao seu “grupo seleto de 12 assessores”. Mas como ele também ameaçou “seja assessor do gabinete, seja DAS, seja RPA”, a coisa é muito pior. Numa cidade que se acostumou a viver da Prefeitura nos tempos de bonança dos royalties do petróleo, a referência é clara a servidores do Executivo. No lugar de fiscalizá-lo, o vereador arrogou ter nele o poder de admitir e demitir para colocar no lugar “gente querendo trabalhar” — desde que cumpram “em meia hora” suas “ordens” pessoais. Para o governo que apoia, o parlamentar propiciou aquilo que tem nome no futebol: bola nas costas.
Equidade
Como não há nada que a arrogância não possa piorar, em sua live o advogado, vereador e pré-candidato a deputado estadual admitiu: “para qualquer promotor público e qualquer juiz, o áudio é meu”. Com juízes, promotores e delegados federais locais acusados pública e formalmente por Garotinho de serem tendenciosos em operações como a Chequinho e a Caixa d’Água, algum membro das instituições atacadas poderia ver no novo caso uma oportunidade para provar que o limite da lei deve ser igualmente imposto a todos, independente dos seus apoios políticos.
Cavadura
No caso do áudio do juiz Glaucenir, personagem de destaque na Chequinho e Caixa d’Água, esta coluna alertou (aqui) à lição que parece ainda não ter sido aprendida: “debate em redes sociais exige a mesma responsabilidade de qualquer outro debate público”. Isso foi em 27 de dezembro. Pois em 2 de fevereiro, numa carta de duas páginas a Gilmar Mendes, o juiz de Campos escreveu (aqui): “Retrato-me de todo o conteúdo expresso no áudio”. Já na live sobre seu áudio, Cláudio confirmou tudo que disse. Ainda assim afirmou: “A política mudou, os agentes da política mudaram”. Sobre a primeira mudança, dúvidas foram cavadas pelo vereador.
Quando meu pai achou o filão de ouro, toda a dinâmica da vila mudou. Meu pai enriqueceu e boa parte dos vizinhos começou a trabalhar para ele. Com tal labuta, o patamar financeiro geral cresceu e saíram do estado de mendicância. As antigas choupanas de madeira deram lugar a casas de alvenaria. Compraram carros, tiverem energia elétrica. Quando as pessoas passaram a andar de bolso cheio, todo tipo de comércio surgiu. Tudo mudou e a prosperidade reinou.
Quem anteriormente percorria as ruas cabisbaixo e sem perspectivas passou a olhar o mundo de queixo erguido. Os mineradores constituíram uma classe orgulhosa e meu pai um empreendedor digno. Todos o enxergavam como um salvador da pátria, o homem que trouxe o desenvolvimento, que nos ligou ao mundo com a estrada e a ferrovia, que trouxe deputado estadual para falar com a gente. Até ergueram um busto em sua homenagem.
Após sua morte, tocar o empreendimento tornou-se um grande desafio para mim. Eu vivia à sombra dele, nunca sendo eu mesmo, mas sempre o filho do herói. Assumir a empresa consistia em um fardo que herdei, sempre sob os olhares implacáveis de quem demandava o mesmo desenvolvimento das últimas décadas.
Por uma ironia do destino, logo o sonho amainou e o desespero tomou conta de mim. Mês após mês a quantidade de ouro se reduzia e isso indicava o esgotamento do veio. A empresa pela primeira vez começou a apresentar resultados negativos e cabia a mim tomar medidas.
O primeiro corte de mão de obra gerou forte polêmica. Os demitidos se revoltaram e me xingaram afirmando que na época de meu pai isso não ocorreria. Os que continuaram se encheram de apreensão, temendo pela sua hora. Mesmo assim, os resultados negativos permaneceram, pois cada vez saía menos ouro da terra.
O efeito logo foi sentido. Muitas lojas fecharam por falta de compradores e a criminalidade cresceu. Os demitidos colocavam seus móveis e carros à venda, muitos deles negociavam até a própria casa. A escassez fez que nem isso conseguissem e os móveis se entulharam nas varandas com placa de “vende-se”.
O primeiro mês em que nenhum grama de ouro foi desencavado levou ao desespero. Sem receita, precisei tirar dinheiro dos fundos da empresa para pagar todos os custos, fundo esse já deteriorado após os meses de resultado negativo. Tentei segurar ao máximo, porém os três meses seguintes corroboraram a realidade: a mina estava esgotada.
Decretei falência e usei as sobras de dinheiro para quitar todos os débitos. Paguei os direitos trabalhistas, os impostos, o banco. Faltou capital e precisei colocar os bens da empresa à disposição. No fim das contas meu próprio patrimônio se esgotou e sobrou-me apenas a mansão construída por meu pai, bem diante da praça que ostentava seu busto.
Assisti pela sacada todo o progresso ruir feito um castelo de cartas quando o vento sopra. O clima de felicidade foi trocado pela tristeza e pelo ressentimento. Brigas surgiam constantemente. O alcoolismo se fez mais presente. A sujeira acumulou, as casas se arruinaram.
Quando a fome se generalizou, todos andavam lá e cá sem rumo. Um, mais revoltado, tacou uma pedra contra minha janela. Um efeito hipnótico acometeu sobre todos, localizando o verdadeiro responsável pela penúria. E todos avançaram contra minha casa.
Assisti portas derrubadas e móveis destruídos. Eu implorava por paciência, mas a destruição amainava o desespero reinante em cada um. Iniciaram um fogo e lançavam quadros, copos e talheres, oferecendo um sacrifício para que a prosperidade novamente se instalasse.
Por fim, me amarraram e deixaram ali dentro para queimar com tudo mais. À medida em que as chamas avançavam pelo carpete e pelas cortinas, restou pedir perdão para meu pai. E, em minha agonia, pude ver seu semblante surgir debochando de meu final.
A manutenção da liderança de Lula na corrida presidencial, de acordo com a primeira pesquisa Datafolha após a prisão do ex-presidente, mostra que o quadro sucessório está longe, muito longe, de qualquer indicativo do que o eleitor vai decidir em 7 de outubro. O instituto ouviu 4.194 pessoas entre os dias 11 e 13 de abril, poucos dias após o inicio do cumprimento da prisão de Lula, em Curitiba, condenado a 12 anos e um mês por crimes de corrução e lavagem de dinheiro no caso que ficou conhecido como o do “triplex no Guarujá”.
O petista, que teve a candidatura confirmada pelo partido na semana passada, ficou com 31% das intenções de voto, seguido de longe pelo capitão reformado e deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) com 15%. Como principal antagonista da candidatura do petista, Bolsonaro parece ter batido no teto das intenções de voto, ou está próximo disso, porque seria natural o seu crescimento diante da certeza, cada diz mais cristalina, de que Lula está definitivamente fora do páreo.
Além de reverter a prisão, Lula precisaria suspender os efeitos da condenação e, ainda, da inelegibilidade imposta pela lei da Ficha Limpa, para ter seu nome incluído na urna eletrônica. Pode-se concordar ou não, mas é um fato, tal qual a reação das ruas que não veio e, com isso, ficou reduzida a capacidade de transferência de votos. O PT e os partidos de esquerda tentam, com poucas chances de êxito, fortalecer um nome como herdeiro do espólio lulista, mas a tarefa é tão difícil quanto à presença do próprio Lula na eleição. A pesquisa testou o nome do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que ficou com parcos 2% de intenções de voto. Dos possíveis herdeiros do patrimônio eleitoral do petista, Ciro Gomes (PDT), ficou com 5%. A ex-ministra do governo Lula, Marina Silva, que nas duas últimas eleições presidenciais, consolidou em torno de 20% dos votos, pontuou na pesquisa com 10%, seguida do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa (PSB), com 8%. Manuela D’Ávila (PCdoB) teve 2% e Guilherme Boulos (PSOL) não pontuou,
Barbosa é uma esfinge. Demorou para se decidir filiar a um partido político, estica até a undécima hora se vai ou não entrar na disputa, e chega ao cúmulo da indecisão ao confessar que ainda não sabe se quer ou não ser candidato. Se as pesquisas que indicam que o eleitor quer alguém novo, sem os tradicionais vícios políticos e principalmente, sobre o qual não pesem dúvidas sobre a honestidade, estaria aí um campo enorme para crescimento de Joaquim Barbosa ou de Marina, ou quem sabe os dois juntos numa mesma chapa? O problema é que, defeito ou virtude, a ambos carece a gana para disputar a talvez mais importante eleição deste a redemocratização.
Pesquisas à parte, que são retratos de momentos, ao que parece, um dos principais fatores a decidir a eleição presidencial será o ritmo e rumos da Lava-Jato nos próximos meses. A mesma Lava-Jato que abateu Lula e Aécio Neves, pode levar ao cadafalso o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, agora fora da benfazeja sombra do STF, já é investigado na primeira instância da justiça paulista. Alckmin largou mal na pesquisa Datafolha com apenas 6%. Além da Lava-Jato, outro fator determinante na eleição de 7 de outubro é a questão do financiamento. Será a primeira eleição com doações empresariais proibidas, ou seja, sem a Odebrecht e suas congêneres e sem a onipresente JBS, todas irrigando recursos nas campanhas distintas de olho nas vantagens auferidas junto à que se sagrar vencedora. Além disso, será uma campanha mais curta, de apenas 45 dias de propaganda no rádio e TV.
Uma candidatura Temer é impensável e dificilmente a máquina do Governo Federal teria algum êxito no apoio ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, mas este é outro que pode ser apanhado na rede da Lava-Jato. Por este prisma, restariam a insossa Marina, o titubeante Joaquim e o explosivo Ciro, de um lado, e o Bolsonaro correndo sozinho com seu discurso de retrocesso arrebanhando votos dos que entendem que os problemas se resolvem enfrentando as consequências e não as causas.