Rosa definiu HC de Lula
Por 6 votos a 5 o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o Habeas Corpus (HC) ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à sua condenação a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4). Fiel da balança, a grande surpresa ficou por conta da ministra Rosa Weber. Ela só desvelou o voto contra o HC ao final do seu pronunciamento. E o fez mesmo após ressalvar ser favorável à execução da sentença só após o transitado em julgado. Mas como a votação era sobre o HC, não as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tentam mudar a prisão na segunda instância, Rosa ficou com a jurisprudência atual.
Coerência
Como se sabia de antemão dos cinco votos contrários ao HC (o relator Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Roberto Barroso, Luiz Fux e a presidente Carmem Lúcia) e dos cinco favoráveis (Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello), o desempate ficou por conta de Rosa. A grande maioria dos analistas a contabilizava previamente a favor de Lula. Mas levantamento da Folha de São Paulo assinalava: sorteada no STF para analisar 58 pedidos de HC nos últimos dois anos, ela negou 57. Exceção de apenas um caso: uma mulher condenada por roubar comida de uma igreja no interior de São Paulo.
Gilmar tenta
Gilmar Mendes bem que tentou amaciar o sapato para Rosa calçar. Primeiro, ele bateu na imprensa que expôs a incoerência entre seus votos de 2016 e ontem, respectivamente a favor e contra a prisão em segunda instância. Depois, não poupou nem o PT, de quem virou esperança numa ironia do destino. Gilmar disse que coube ao partido que governou o país por 13 anos a semeadura da intolerância na sociedade brasileira — da qual hoje, em outra ironia, é alvo. E chegou a sugerir a solução alternativa de Dias Toffoli, ex-advogado-geral da União no governo Lula: execução de sentença só após o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Fachin e Moraes conseguem
Rosa Weber, no entanto, preferiu seguir o caminho no princípio pavimentado por Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Eles fizeram a defesa da manutenção do entendimento do mesmo STJ que, em 13 de março, negou o HC de Lula por cinco votos a zero. Ambos disseram que a decisão unânime e anterior do STJ só poderia ser mudada pelo STF em caso de ilegalidade, abuso de autoridade ou teratologia (algo ilógico, absurdo). E que não era nenhum desses casos. Rosa seguiu o mesmo raciocínio e manteve sua coerência ao votar com a jurisprudência vigente, estabelecida em 2016 a despeito do seu voto contrário pelo próprio STF.
Barroso debulha
Se a lógica jurídica foi o fiel da balança, o que mais chamou atenção do cidadão comum nos 11 votos foi a fala de Luís Roberto Barroso: “a ninguém pode ser indiferente o fato de se tratar de um ex-presidente da República e, mais que isso, de um presidente que deixou o cargo com percentuais elevados de aprovação popular; que presidiu o país em período de relevante crescimento econômico e expressiva inclusão social. Não é o legado político do impetrante que está em jogo (…) O nosso papel (…) é assegurar que a razão, a razão pública, a razão da Constituição, prevaleça sobre as paixões políticas”.
Males
Em nenhum lugar ou tempo da história, alguém que representa 35% da população e enfrenta a possibilidade real de prisão, a aproximação desta se dará sem inflamar paixões. Se Lula for preso, noves fora o desejo de vingança de uma nova direita histérica e obtusa, não se fará bem nenhum ao país. O problema é que seu HC traria um mal potencialmente maior. Pelo mesmo caminho poderiam passar todos os políticos e empresários presos pelo desvio de bilhões do dinheiro público. A possibilidade de se procrastinar com recursos, até a prescrição dos crimes, seria um golpe fatal ao instituto da delação premiada.
Mudou?
No começo da sua delação, que puxou toda a corrupção eviscerada pela Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa disse aos procuradores que o compadrio entre governo e grandes empresários teve início no Brasil quando Dom João VI (1767/1826), rei de Portugal, chegou aqui. De 1807 para cá, ao aceitar as benesses dos grandes empreiteiros do país, Lula não fez nada diferente de quem veio antes — ou depois. Se for para mudar, é necessário muito mais do que destilar ódio nas redes sociais, ou sair às ruas de verde e amarelo. Quem nos governa há algum tempo não o faz pelo direito divino dos reis. Nós é que o colocamos lá.
Publicado hoje (05) na Folha da Manhã