Um dia triste
Um dia triste para a República. Ainda na madrugada de ontem, ao final de uma sessão longa, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou por 6 votos a 5 o Habeas Corpus (HC) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao meio-dia a procuradoria da República pediu a prisão de Lula ao Tribunal Federal Regional da 4ª Região (TRF-4), que a determinou, às 17h31, ao juiz federal Sérgio Moro. Em 19 minutos, ele expediu a ordem de prisão. Lula terá que se apresentar à Superintendência da Polícia Federal (PF) de Curitiba até as 17h de hoje. Ele não será algemado e terá uma ‘sala de estado maior’ da PF à sua reclusão, separado de outros presos.
Peso de Lula
O motivo do tratamento diferenciado foi admitido pelo próprio Moro: “concedo-lhe, em atenção à dignidade do cargo que ocupou”. Ainda na tarde de ontem, o ministro do STF Luís Roberto Barroso ressalvou, antes de votar contra o HC: “a ninguém pode ser indiferente o fato de se tratar de um ex-presidente da República e, mais que isso, de um presidente que deixou o cargo com percentuais elevados de aprovação popular; que presidiu o país em período de relevante crescimento econômico e expressiva inclusão social”.
Outro lado
Do outro lado, está o périplo jurídico do popular ex-presidente até sua ordem de prisão. Em 12 de julho de 2016, Moro condenou Lula a 9 anos e seis meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá. Em 24 de janeiro de 2018, os três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 confirmaram a condenação por unanimidade e aumentaram a pena para 12 anos e um mês de reclusão. Em 6 de março, também por unanimidade, o HC de Lula foi recusado pelo STJ. E, na sessão que só terminou na madrugada de ontem, o STF optou por também fazê-lo, embora por maioria mínima.
Resistir?
Após a ordem de prisão ter sido expedida, Lula se recolheu na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que foi cercada por militantes do PT, CUT, MTST, MST e UNE. Lá dentro, caminhos são discutidos. Pelos mais radicais, Lula é aconselhado a não se entregar e fazer da sua resistência um ato político. Por certo, ganharia repercussão nacional e internacional, mas configuraria crime de desobediência civil e poderia gerar enfrentamento físico. Politicamente pior, desidrataria os cerca de 35% do eleitorado, sobretudo no Nordeste, que apoiam o ex-presidente pelas lembranças do seu governo e seu carisma, não radicalidade ideológica.
Opções jurídicas
Seus advogados defendem que Lula se entregue. E especulam entrar com recurso especial no STJ e recurso extraordinário, no STF. Neste, ontem o PEN entrou com pedido de liminar ao ministro Marco Aurélio de Mello. Defensor da prisão só após a última instância, ele é relator das duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que pretendem mudar a jurisprudência atual. Ela foi fixada pelo próprio STF e permite a prisão na segunda instância. Marco Aurélio disse que levará a questão ao plenário nesta quarta (12), tentando driblar a pauta da presidente Carmem Lúcia. Mas não é certo que conte com a aprovação dos seus pares.
Pauta de Toffoli
Se nada mais der certo, soluções paliativas como a prisão domiciliar serão tentadas. Mas o fato é que o ex-advogado-geral da União no governo Lula, Dias Toffoli, assume a presidência do STF em 12 de setembro. Se Lula estiver preso até lá, as ADCs de Marco Aurélio encabeçarão a primeira pauta. Como a ministra Rosa Weber deixou claro em seu voto contra o HC, ela votará pelo cumprimento da prisão só após o trânsito em julgado quando isto for a pauta. Assim, a maioria simples de ontem no STF, contra Lula, seria revertida ao seu favor. Como de todos os políticos e empresários presos por corrupção em segunda instância.
Sentimento do dia
Ontem, em Brasília, um carro do jornal Correio Braziliense foi atacado a socos e pedradas por integrantes da CUT, enquanto uma equipe do SBT também foi agredida diante da sede da CUT na capital federal. Enquanto a imprensa pôde trabalhar, um dos depoimentos que colheu e melhor definiu o sentimento dia foi dado pelo experiente deputado federal Miro Teixeira (Rede): “Lula não é exclusivamente um ex-presidente. É um símbolo da luta contra a ditadura pela anistia, pela democracia de um modo geral. Mas, exatamente com base nos postulados democráticos, ele recebe uma pena de reclusão”.
Publicado hoje (06) na Folha da Manhã