Gustavo Alejandro Oviedo — As gambiarras da culpa social

 

“Villa Miséria”, em Buenos Aires

 

 

Não há nada que defina melhor um país subdesenvolvido do que a existência de favelas nele. Elas estão no Brasil e no resto de América Latina (chamadas villas misérias; chabolas, cantegriles, pueblos jovenes, etc.). O seu surgimento, permanência e até aumento mostra claramente a classe de governos que tiveram, e tem, os países onde elas estão: administrações que não são capazes de criar um sistema econômico que favoreça toda sua população, ou que nem sequer conseguem criar um sistema assistencialista eficiente capaz de integrá-las ao resto da cidade.

Em outras palavras, uma sociedade que tem favelas é aquela cujo estado é falho. Independente da visão ideológica que cada um possa ter, não há como não tirar a responsabilidade institucional para o fato de que existam territórios com pessoas largadas à sua própria sorte. Do ponto de vista da direita, pode se culpar ao governo de afogar com impostos e restrições a atividade econômica, diante a necessidade de manter um gasto público que não cabe no bolso do país. Desde a esquerda, se dirá que os governos nunca favoreceram a distribuição da riqueza, ou que deliberadamente decidiram manter a miséria para ter mão de obra barata, etc.

Para simplificar, uma analogia pode ser feita com os moradores de rua. Eles, muitas vezes, ocupam espaços públicos que deveriam ter outra finalidade do que servir de abrigo improvisado. Desde a direita, se protesta pela inação do estado em retirar as pessoas de lá. Desde a esquerda, se lamentam as políticas de exclusão que obrigaram o sujeito a dormir na praça — ou na porta dos Correios, no caso campista. Visto desde qualquer extremo, é o estado que não está fazendo a coisa correta.

Mas, qual deveria ser a coisa certa a fazer? O bom senso indica que é uma mistura das duas posições: oferecer ao indigente uma chance de estar num lugar melhor do que nesse espaço, e também fazer-lhe saber que não se tolerará que continue ali.

A mesma combinação de ações é a que teria que acontecer nas favelas: rigidez para impor a ordem, e ações sociais para criar uma alternativa viável para sair da marginalidade. O grande problema é que para fazer isso os governos precisam de dois elementos: vontade e recursos.

Os recursos, quando existem, vão sendo podados na medida em que passam pelas diferentes instâncias administrativas, com boas e más desculpas, e o que chega ao destino final é uma parte ínfima. Com a vontade acontece mais ou menos o mesmo: ela vai sendo cerceada pela ambição pessoal, as dificuldades da burocracia ou a simples apatia. Quem duvide disto, pode visitar um posto de saúde, uma delegacia, ou uma escola qualquer.

O resultado é o que está aí. É a nossa realidade latino-americana.

O pior é que todos sabem disso. O sabem os políticos, os gestores públicos, os servidores, os magistrados, e os cidadãos em geral. É um óbvio ululante que cria uma espécie de culpa coletiva, mas que em lugar gerar ações para solucionar o problema criam gambiarras institucionais. Desculpas paliativas.

São gambiarras institucionais, por exemplo, o sistema de progressão de pena, que faz com que um condenado saia da cadeia após cumprir um sexto da pena (‘criamos presídios desumanos. Façamos com que o cara fique pouco tempo lá’), a blindagem das escolas cariocas (‘não podemos deter os tiroteios, nem as balas perdidas’), o foro privilegiado (‘não podemos  garantir uma justiça eficiente e rápida para todos’), o sistema de cotas (‘não oferecemos uma educação básica niveladora’), os subsídios eternos a certas indústrias (‘não são capazes de competir’).

As soluções definitivas demandariam uma mudança de mentalidade que, basicamente, contempla austeridade, trabalho, eficiência, eliminação de privilégios e honestidade. Evidentemente, as nossas sociedades não estão dispostas a suportar tamanho sacrifício.

 

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Este post tem um comentário

  1. Victor

    Excelente e lúcida abordagem, sem rodeios. A falta de disposição para o “sacrifício” referido pelo autor (“mudança de mentalidade que, basicamente, contempla austeridade, trabalho, eficiência, eliminação de privilégios e honestidade”) gera uma fatura que chegará para toda a sociedade (e já chegou para alguns). Preparemo-nos todos para pagar um preço bem caro por ela.

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