Conduzindo a palavra
Por Sérgio Arruda de Moura(*)
Os 32 contos reunidos em “Entre outros”, da jornalista e escritora Paula Vigneron, publicados recentemente pela editora Mucufo, são exercícios bastante intensos de leitura sob o escopo da imersão psicológica da vida de personagens. Os perfis aqui delineados se debatem na sutileza das relações entre o homem e a mulher, mas não apenas. No cômputo geral, são exercícios literários bastante concisos de linguagem em busca de suas possibilidades de sentido, análise mesmo, de uma contista já pronta e que já definiu caminhos bastante sólidos de sua escritura.
A descrição da cena, do gesto, do sentimento, aliada à análise fina de si é o motor dessas pequenas pérolas, pequenas porque curtas e concisas, em que nada é fortuito ou ocasional, mas minuciosamente encaixado. Os diálogos, as indicações de espaço e tempo, o ritmo, são sempre muito econômicos, definindo mesmo um estilo. A frase curta, porque o pensamento é direto e rápido, não tem tempo a perder com divagações sem foco. Cada frase, nesse formato, estuda o gesto e capta o instante, sem retóricas, sem estilismos adaptados, sem figurações excessivas. É aqui que nasce a poética da jovem autora: a busca da dimensão psicológica dos personagens, que podem ser qualquer um de nós, captado na rua, observado no cotidiano, flagrado em trânsito, evocado e construído no manuseio da sentença precisa. Melhor: da palavra exata.
A contista Paula Vigneron já vinha conquistando essa destreza desde “Sete balas ao luar”, seu livro de contos anterior, sendo que o que temos agora é um progresso, um amadurecimento, na arte de conduzir uma narrativa. Os contos, perfilados, compõem um painel de tipos, de sonhadores e realistas sob a capa de gente comum, não estereotipada, querendo dar conta de uma pequena mostra da humanidade, vivendo conflitos consigo mesmos, compreendendo, avaliando ou matando os pequenos monstros interiores que barram a felicidade. Sim, são contos que buscam o lugar onde estão as coisas pelas quais vale a pena viver.
Os instantâneos da vida real não costumam povoar os livros de conto com tanto realismo, e sem exercícios metalinguísticos, ou de humor. Seria o caso de se perguntar onde a autora, sendo tão jovem, foi buscar tanta vivência. Me arrisco a dizer que nas suas linhas se escondem uma Lygia Fagundes Telles e uma Clarice Lispector, tal o exercício de busca.
Em primeira ou terceira pessoa, não importa, o foco na ilusão do que resta ou do que se perdeu entre os amantes, marca sua escrita intimista, sobre o encontro, o desencontro, a permanência ou a partida. Não é a ilusão que satisfará o personagem de Paula, mas uma decisão.
Em alguns dos contos, como “Resquícios”, o sentido da fatalidade, revela-se em poucas palavras, dispostas em liberdade para que o leitor “viaje” na leitura. Mais sutileza e uso preciso da palavra impossível. Este conto narra a decisão de um suicídio, nada mais pessoal e intransferível.
Em “Retrato”, apenas a primeira e a última frase fechando o breve conto diz sobre como uma fotografia evoca a memória. É a narrativa-síntese sobre a brevidade e a evocação do vivido pela lembrança. Em “Entre estranhos”, o fim de relacionamento com um balanço, um ajuizamento que conduzirá as duas partes dispersas agora com uma experiência dolorida na bagagem, a seu favor. Em “Metades”, a autoavaliação em face de si mesmo, uma súbita tomada de conhecimento, como uma epifania, marca a decisão. Aqui, reforço a convicção que criei de que seus personagens são decididos e se conhecem, ou buscam se conhecer, sem medos ou hesitações.
Enfim, “Entre outros” com sua capa sugestiva no trabalho gráfico de Mara Oliveira, engrandece a ficção campista sem se referir propriamente as suas peculiaridades e aos seus tipos urbanos ou folclóricos. E isso é bom, porque contribui para dar um status cosmopolita a essa cidade, acusada ainda de ser provinciana.
(*) Professor de Letras da Uenf
Publicado hoje (18) na Folha da Manhã