O Globo: racha de Crivella e Garotinho após entrevista de Índio à Folha

 

Crivella, Índio, Garotinho e Clarissa (Montagem de Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

No último dia 6 de agosto, a Folha da Manhã publicou (aqui) uma entrevista de duas páginas com Índio da Costa (PSD), deputado federal e então secretário municipal do governo Marcelo Crivella (PRB) na cidade do Rio. A manchete foi uma declaração contundente do entrevistado:

— A política de Garotinho é manter o pobre na pobreza.

No mesmo dia (06), também deputada federal e então secretária de Crivella, Clarissa Garotinho (Pros) usou as redes sociais para (aqui) atacar Índio e defender o pai. Ela fustigou o colega no governo da cidade do Rio:

—  Índio, se você pensa tudo isso do Garotinho por que foi buscar o apoio dele na sua derrotada eleição para prefeito do Rio?

No dia seguinte (07/08), quem também repercutiu a Folha da Manhã foi (aqui) a revista Veja. Em nota assinada pelo jornalista Gabriel Mascarenhas, a coluna Radar Online tratou da entrevista de Índio e da reação de Clarissa. A abertura foi bastante irônica:

— Marcelo Crivella parece não ter conseguido levar a paz de Cristo para dentro da Prefeitura.

Passou-se mais um dia e, em 8 de agosto, quem também repercutiu a polêmica iniciada na Folha foi (aqui) o jornal carioca O Dia. Em sua coluna Informe, trouxe a resposta de Crivella às farpas trocadas entre seus então secretários:

— Lamento que antecipem o processo eleitoral — disse o prefeito do Rio, se referindo ao fato de que Índio e Garotinho já tinham anunciado suas pré-candidaturas a governador do Estado, em outubro deste ano.

Passados quase 10 meses, quem hoje trouxe o assunto de volta à tona foi outro grande jornal carioca, O Globo. Em matéria assinada pelo jornalista Thiago Prado e intitulada “Racha entre os clãs Crivella e Garotinho”, a entrevista de Índio à Folha foi novamente citada. A partir dela, diz o jornal carioca, “Índio passou a se cacifar como candidato a governador de Crivella”.

A reportagem de O Globo segue relatando um encontro, em 6 de abril, entre Crivella, Garotinho, Clarissa e o senador Eduardo Lopes. O último é presidente estadual do PRB, ex-partido de Clarissa, e ganhou a vaga ao Senado aberta pela eleição de Crivella a prefeito. De acordo com o jornal:

— A reunião terminou e os presentes jamais estiveram juntos novamente.

Confira abaixo a reprodução da matéria d’O Globo:

 

 

Leia a cobertura completa na edição da Folha desta terça (05)

 

Igor Franco — Sigam bem, caminhoneiros!

 

(Foto de Vitor Jubini)

 

Começa o mês de junho e, aparentemente, o país volta à normalidade (?) após duas semanas de passar por uma grave crise de abastecimento. Do que ficou conhecido como “Greve dos Caminhoneiros” pela imprensa sobrou, entre outras consequências, uma pequena conta pendurada de R$ 9,5 bilhões.

Numa coletiva impagável, o ministro Eliseu Padilha disse que o governo “pagaria (parte do subsídio) do próprio bolso”. Como bem sabe qualquer pessoa que não tenha nascido anteontem, uma vez que o Estado não gera riqueza, há a certeza que a fatura tem endereço certo para chegar: nosso bolso. A única dúvida é se o moço do guichê vai passar no débito (aumento de impostos) ou no crédito (emissão de dívida).

Como sempre ocorreu na história do Brasil, uma corporação (do transporte rodoviário) se organizou e espremeu o governo contra a parede em busca da obtenção de privilégios legais em detrimento do restante da sociedade. Não há nada de inovador na tentativa de socializar prejuízos e apropriar-se de parte da renda da população através de reservas de mercado, preços tabelados ou tendo parte de seus custos bancados pela Viúva. Na verdade, a busca por fatias do orçamento público é uma expressão da nossa brasilidade e tem raízes coloniais.

A inovação ficou por conta do inédito apoio popular à mobilização que, até certo momento, crescia na velocidade com que faltavam produtos nas prateleiras e combustíveis nos reservatórios. Mensagens compartilhadas nas redes sociais incentivavam os caminhoneiros a “continuarem firmes de lá, que continuaríamos firmes daqui”. Falta de combustível? Estamos firmes. Cirurgias remarcadas? Firmes. Verduras e legumes em falta? Não arredamos o pé. Mais impostos e dívida para bancar a conta dos caminhoneiros? Pois não! Definitivamente, o comprimento do rolo de papel de trouxa do brasileiro parece infinito.

A incapacidade dos brasileiros de entender quem ficaria responsável por pagar a conta só encontrou paralelo na palermice do governo que, após ter anunciado o fechamento de um acordo com lideranças do movimento, precisou voltar à mesa para conceder ainda mais benefícios pois, aparentemente, havia negociado com líderes fake da primeira vez.

Além de conceder subsídios para os combustíveis, o governo irá tabelar preços de fretes, reonerar folhas de pagamento de diversos setores, isentar do pedágio eixos suspensos de caminhões e reservar parte das cargas para motoristas autônomos. Como também sabe qualquer um, já que não existe almoço grátis, essa parte da conta virá na forma de produtos e pedágios mais caros e aumento (ainda que marginal) no já alto desemprego. Numa só tacada, Temer resolveu repetir todos os erros de política econômica da antecessora.

A desgraça é que o período de testes no Venezuela Simulator nos custará muito mais que os bilhões de gastos públicos. Os prejuízos privados de ainda não podem ser calculados. Enquanto produtores deixavam vazar milhões de litros de leite pela falta de transporte, vazavam do Brasil bilhões de reais de investidores assustados com o que se passava e, principalmente, com a ingerência do governo na Petrobras.

Eleito inimigo número um dos brasileiros por políticos da envergadura de Eunício Oliveira, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia e outros, o executivo Pedro Parente pediu demissão do cargo de presidente da companhia na última sexta-feira. Após ter atingido o maior valor de mercado em sete anos, a Petrobras afundou nas duas últimas semanas. Como desgraça pouca para pagador de impostos é bobagem, além do custo mais elevado dos combustíveis nas bombas, quem tornou-se acionista da estatal no último dia 16 até hoje, a perda patrimonial acumulada supera 40%. Perde o acionista direto, perdemos você e eu, leitor, acionistas indiretos obrigatórios.

Muito se podia argumentar a respeito da política de preços da companhia — uma bandeira da gestão Parente que se dedicou a recuperar uma empresa colossal que respirava por aparelhos após mais de uma década de espoliação e uso político para mascarar índices inflacionários. Entre a crítica qualificada e o anticapitalismo tacanho, mais uma vez, ficamos com o segundo. Entre a discussão institucional do papel da estatal e o oportunismo político, ficamos com esse.

Num país continental tão carente de infraestrutura ferroviária, o único trem que não perdemos é o do atraso.

 

Guiomar Valdez — Desconhecido mundo novo: quem são os caminhoneiros brasileiros?

 

 

 

Pois é, muitas coisas ficaram da ‘greve dos caminhoneiros’. Destaco a que mais me afligiu: o desconhecimento tácito da maioria de nós sobre o perfil desses trabalhadores (autônomos ou contratados). Um desafio imenso para a área da sociologia do trabalho em decifrar este enigma para além do senso-comum, que é importante, mas, não suficiente. É claro que muitos e muitos estudos já existem, explicando as mudanças contemporâneas no mundo da produção e do trabalho. É claro que a partir da consistência desses estudos já se desenvolveram formas explicativas dessa nova realidade, onde não caberia mais as ideias da sociedade do trabalho, da História, das classes, dos direitos coletivos, etc. É o que eu costumo resumir em 3 ‘Ds’ as políticas hegemônicas: a DESREGULAMENTAÇÃO (da economia), a DESESTATIZAÇÃO (da economia) e a DESUNIVERSALIZAÇÃO (dos direitos sociais)! Características de algo, para mim muito difuso, denominado de ‘Sociedade do Conhecimento’.

Mas, a lacuna explicativa, neste mundo da produção e do trabalho reestruturado, está em compreender mais profundamente, a situação, a condição, o perfil dos trabalhadores numa sociedade ‘periférica’ neste sistema mundo em que vivemos, onde, ‘tudo que é sólido se desmancha no ar’! O drama, por exemplo, do desemprego estrutural, eu sei que é geral no mundo. Mas aqui, periféricos e provincianos que somos, características das nossas elites políticas e econômicas, a dramaticidade desse fenômeno é muito maior e mais perversa. Por aqui, o ‘atraso’ se combina com o ‘moderno’ em todas as áreas e dimensões, não são opostos! Não há aqui uma incompatibilidade interna nos modelos de crescimento e desenvolvimento já experimentados, entre campo/cidade, centro/periferia, caos/segurança, legal/ilegal, justo/injusto, e, por aí vai! Esta é uma característica fundante da nossa modernidade, urbanidade e industrialização. Lembro do sociólogo Chico de Oliveira, ao fazer contraponto à ideia de atraso no Brasil a partir da visão de uma ‘razão dualista’, que separava estes ‘binômios’. Ao contrário, defendia ele, há é uma relação dialética, uma combinação/articulação, no nosso jeito de ser ‘crescido e desenvolvido’ até aqui. Daí a famosa metáfora ele que faz sobre nós nessa história: somos um ornitorrinco.

Ora, a partir desse contexto caracterizado, algo de específico também, possibilita pensarmos que se passa com o histórico e com a condição da classe trabalhadora brasileira. Isso é que me aproxima para conhecer quem é este trabalhador-caminhoneiro em meu país. Sobre a importância, a dependência e o domínio da logística do transporte rodoviário de cargas na cadeia produtiva do Brasil, não há dúvidas. Em tempos de gestão de ‘não-estoques’ (just-in-time), qualquer ‘parada desse trabalho’ agrava a dependência, e, portanto, os riscos de desabastecimento muito mais rápido. Sobre isso também nenhuma dúvida. O que trago para pensar, é o comportamento dito ‘político-sindical’ dos caminhoneiros (autônomos e contratados). Ele traz novidades, autonomia em relação à hierarquia organizativa ‘tradicional’; pensamentos e ações difusos; e, em especial, uma crítica intensa ao status-quo, onde nada e ninguém está a salvo. Importante ressaltar o distanciamento dessa categoria (e existem muitas mais!) do sindicalismo ‘clássico’. Ou, como ela foi desconsiderada ao longo do tempo da ‘modernização-conservadora’ pelos atores e instituições político-sindicais, num outro provável outro ‘binômio combinado’ em nosso país.

É disso que trata o sociólogo Ruy Braga[1], há pelo menos uma década, em sua investigação para compreender a classe trabalhadora brasileira diante do contexto já explicitado e dos desafios e comportamentos diante da severa crise política e econômica que vivenciamos, em especial, a partir de 2008. É uma ‘luz’ que diminuiu minha aflição diante da greve dos caminhoneiros. Não me conformo, nem nunca me conformarei, com rótulos, ‘palavras de ordem’, discursos e comportamentos que beiram a irracionalidade como forma explicativa da realidade, fatos e de fenômenos sociais. Não dava para ser simplista no desafio de entender o enigma dos caminhoneiros…

Este autor, inicia ressignificando o conceito de PRECARIADO (de tradição francesa) a partir de ‘nós’, onde se vê a possibilidade de contemplar, dentre outras, a categoria dos caminhoneiros neste estudo[2].

Eis alguns destaques:

  1. É parte da classe trabalhadora não é um ‘amálgama’, mas se diferencia dos setores mais qualificados e melhor remunerados. Desde os anos de 1950 já é possível afirmar sua existência no contexto da ‘modernização-conservadora’. Uma ‘fração de classe’ urbana e do campo, portanto, mais mal paga e explorada. Não é quantitativamente pequena, é altamente significativa;
  2. É ‘flutuante’ (entram e saem rapidamente das empresas, marcada pela insegurança), é ‘latente’ (não-industriais à espera de oportunidade para deixar os setores tradicionais), e ‘estagnada ou pauperizada’ (de funções deterioradas, degradadas)
  3. Eles estão no ‘coração’ do próprio sistema, não são subprodutos; SUA PRECARIEDADE É UMA DIMENSÃO INTRÍNSECA AO PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO;
  4. No tempo contemporâneo, apesar de muitas críticas relativas existentes a sua passividade, percebe-se claro descontentamento desses trabalhadores com suas condições de trabalho e um ‘instinto difuso’, ora reformista, ora até reacionário (não predominante), presentes em suas mobilizações, pressionando o ‘sindicalismo lulista’ a “atender suas demandas e romper com o conformismo e a passividade política”.

Eles respondem, também como vítimas, ao possível abandono ou à condição de ‘invisibilidade’ relegada pelo novo sindicalismo às suas questões, em especial, à hegemonia do lulismo, que, ao chegar ao poder, combinou ‘consentimento passivo e ativo’, gerando profunda despolitização e fragmentação dos movimentos sociais. Não é fácil compreender rapidamente, eu sei. Sair do ‘conforto das certezas e das convicções como cárceres’, não é fácil. E no mundo da informação ‘on line’ e on time’ das redes sociais, fica pior ainda! Mas precisamos estar atentos. Um ‘desconhecido mundo novo do trabalho’ está se descortinando e tomando a cena das lutas sociais contra a desigualdade.

“Esse embrião de reformismo plebeu já ameaça mostrar-se impaciente com o conformismo daqueles que se deixaram transformar em instrumentos do atual modelo de desenvolvimento”. A hegemonia lulista destruiu “os músculos da sociedade civil brasileira com uma plataforma internacional de valorização financeira.” (p.226)

É necessário e urgente conhecer este ‘enredo’!

 

[1]  BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.

[2] Sugiro assistir a entrevista de Ruy Braga, no dia 24/05/18, dada ao Programa ‘Diálogos com Mário Sérgio Conti’ na Globonews.