Guilherme Carvalhal — Pôr do sol

 

 

Nesse momento quando chega o meio termo entre dia e noite, por dentro me sinto igualmente dividido. Essa é a hora em que a grande maioria da humanidade muda sua rotina, saindo do trabalho e retornando para casa, migrando da labuta para o lazer e a ociosidade. Igualmente, eu transito entre dois polos de mim mesmo.

Assim como o sol ao longo do horizonte se põe e as lâmpadas nos postes acendem, por dentro de mim emerge uma mistura de escuridão interrompida por lampejos de lumes. A própria vida que se almejava apagar, feito desligar uma lâmpada no interruptor sem a opção de voltar atrás.

De que me adiantaria permanecer numa vida sem sentido e sem aspirações? Isso ao que chamo de vida não me apetece. Quando o dia finda em uma explosão celeste entre o róseo e o alaranjado, toda essa beleza não me diz nada. Ela apenas me indica uma quebra atemporal, uma mudança nos ponteiros. Meu coração não exulta nem nada. Apenas serve para me lembrar da apatia que me acomete.

Por dentro, me pergunto diariamente: devo dar um fim à minha vida ou seguir como essa contraposição entre clarões e escuridão que assola minha alma? Valeria a pena para mim, ciente de que cada momento de paz, de amenidade, sempre será seguido por uma decadência inusitada, pairando sobre mim uma nuvem densa que lança suas chuvas sem avisar, seguir adiante?

Havia como dar um fim nisso. Saber que um pôr do sol poderia ser meu último momento. Saber que minha alma se amainaria paulatinamente até dar espaço a uma noite sem lua nem estrelas. Porém, ao contrário do movimento de rotação, não haveria porvir. Haveria o eterno pausar do tempo. Sem novas noites, sem novo amanhecer. Apenas o vazio eterno da morte.

Nesse começo de anoitecer que pela janela me saltam os pensamentos mais pujantes. Quando a noite ganha força, vejo como um fechar de ciclo que me arrasta mais e mais para dentro de um buraco negro, para um caminho sem volta. Sinto por dentro meu coração feito uma estrela, e que pouco a pouco se apaga, para em uma última faísca deixar de brilhar para sempre.

Ou até que um novo nascer do sol o faça voltar.

 

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Este post tem um comentário

  1. Sandra

    Penso exatamente assim .Detesto por do sol ,ao contrário do amanhecer uma explosão de cores que vai aumentando de intensidade.. Apesar disso quero entrar neste redemoinho de sonhos .
    Quero viver intensamente até meu último suspiro,agradecendo cada segundo vivido e partilhado .
    Quem sabe algum dia serei feliz…

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