Artigo do domingo — Cretinice ataca pelas pontas

 

 

Na técnica dos seus jogadores, Brasil e Bélgica foram equivalentes na Copa da Rússia. Aos “entendedores” de futebol que brotam à sombra, como fungos, de quatro em quatro anos, qualquer dúvida foi dirimida no campo, onde os belgas venceram com justiça por 2 a 1. Seus craques De Bruyne, Lukaku e Hazard brilharam na última sexta (06). Neymar, Philippe Coutinho e Marcelo, não. E foi isso que definiu o adversário da França nas semifinais, disputadas por quatro seleções nacionais da Europa, pelo direito de jogar como favorito pelo título. O resto é recalque e “complexo de vira-latas” às avessas.

 

Trio de craques da Bélgica: Hazard, De Bruyne e Lukaku

 

Além da técnica, a novidade tática da Bélgica no primeiro tempo, quando dominou o Brasil e marcou seus dois gols, também ajudou a definir a partida. Na matéria da Folha que anunciou (aqui) o jogo, escrita no dia anterior, foram adiantadas três mudanças na seleção belga: 1) abandonaria a lenta linha de três zagueiros, uma das causas do sufoco contra o Japão (aqui) nas oitavas e feita sob medida, nas quartas, para o rápido e leve ataque brasileiro; 2) o alto e forte Fellaini entraria como titular para reforçar a marcação no meio de campo; e 3) o cerebral De Bruyne, que vinha de desempenho apagado na Copa, jogaria mais próximo ao seu ataque, como atua no Manchester City, na condição de astro da Premier League.

Todas as três alterações foram feitas pelo treinador da Bélgica, o espanhol Roberto Martínez. Mas, aparentemente, a comissão técnica brasileira não foi capaz de antecipar as mudanças no adversário que um jornalista de Campos, a 14.442 km da Rússia, não fez grande esforço para enxergar antes. Ou pior: viu e não se importou. Talvez na pretensão de que a Seleção Brasileira se imporia naturalmente, independente da qualidade do adversário, ou para manter o mesmo “compromisso com o grupo” que causou as eliminações das Copas de 2006, 2010 e 2014.

Nas quartas de final de 2018, o time de Tite entrou em campo com três titulares que se mostravam os pontos fracos do time na campanha da Rússia: os meias Paulinho e Willian, além do atacante Gabriel Jesus. Paulinho foi mantido pelo gol que marcou contra a Sérvia. Willian, pela boa atuação no segundo tempo contra o México. E Gabriel de Jesus, por sua suposta aplicação tática, tão decantada — mas não pelos mesmos motivos reais — quanto o bom futebol da geração belga. O resultado? Nenhum dos três jogou nada e foram todos substituídos depois que o Brasil já perdia por 2 a 0.

O jovem e promissor Gabriel Jesus se despediu da Rússia sem marcar um único gol em cinco jogos de Copa do Mundo. É algo inadmissível para um centroavante titular de Seleção Brasileira, desde que Leônidas da Silva (1913/2004) foi o artilheiro do Mundial de 1938. E, da próxima vez que você comer um Diamante Negro, lembre-se dele. O tradicional chocolate foi batizado com o apelido que o craque brasileiro ganhou da imprensa francesa, pelo seu desempenho na última Copa antes da II Guerra Mundial (1939/45).

 

Apelidado de Diamante Negro na França, Leônidas dribla dentro da área da Suécia, no jogo em que marcou dois gols, garantiu a artilharia e o terceiro lugar ao Brasil na Copa de 1938

 

Em clube, Gabriel é reserva do argentino Sergio Agüero, no mesmo Manchester City que tem De Bruyne como maestro. Na Seleção, o brasileiro foi mantido como titular enquanto Roberto Firmino pedia passagem, vindo na ponta dos cascos da mesma Premier League em que atuam também Lukaku, Hazard, Kompany e Courtois. O goleiro foi outro destaque na eliminação brasileira, após a Bélgica jogar todo o segundo tempo com o placar favorável embaixo do braço, cedendo a iniciativa de jogo. E ninguém tomou mais a iniciativa de atacar do que o meia Douglas Costa, que só entrou aos 13’ do segundo tempo. Ainda assim, mais uma vez provou no campo que não poderia ser reserva de Willian, substituído ainda no intervalo por Firmino.

 

Douglas Costa penetra pela área belga, antes de testar o goleiro Courtouis. Apesar de só ter entrado aos 13’ do 2º tempo, ele foi o melhor atacante do Brasil nas quartas de final

 

Ao contrário de Tite, o técnico espanhol da Bélgica teve a humildade de mexer em seus titulares desde o início do jogo. Para dar lugar a Fellaini, ele sacou do time um dos seus jogadores mais importantes: o meia-direita ofensivo Mertens. Mesmo que tenha sido um dos destaques na fase de grupos, atuando bem e marcando um golaço contra o Panamá, ele assistiu do banco a vitória sobre o Brasil. No lugar do “compromisso com o grupo”, prevaleceu o compromisso com o equilíbrio do time para enfrentar uma equipe igual em técnica.

 

Roberto Martínez e Tite se cumprimentam antes do Bélgica e Brasil, vencido por quem teve humildade de mudar seu time titular de acordo com a qualidade do adversário

 

Futebol à parte, para quem trabalhou na cobertura das duas última Copas, inevitável a comparação entre o “patriotismo” da esquerda brasileira em 2014, com aquele encarnado entre as mesmas aspas pela direita tupiniquim em 2018. Até os 2 a 1 da Bélgica, quem acusava de alienação os espectadores do maior evento esportivo da Terra, é o mesmo militante que se travestiu de torcedor para, escancaradamente, tentar usar a Copa anterior como instrumento político em ano de eleição. Até ser humilhado em pleno no Mineirão, aos olhos do mundo, nos 7 a 1 impostos com piedade pela Alemanha.

 

Em 8 de julho de 2014, do Mineirão para o mundo, Schürle comemora seu segundo gol na semifinal contra o Brasil, o sétimo da Alemanha

 

Depois que a camisa amarela foi usada como uniforme por quem foi às ruas em 2015 e 2016, para pedir e conseguir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a esquerda fez beicinho contra o Brasil em 2018. E, pior, tentou pateticamente alegar que os graves problemas sociais e econômicos do país, só quatro anos depois, passaram a ser maiores que o futebol.

Na cretinice, a esquerda brasileira se equivale à direita, que tratou de “Menino Ney 100% Jesus” um marmanjo mimado de 26 anos na cara, ironicamente eliminado da Copa pelos Diabos Vermelhos. No séc. XVIII, Samuel Johnson advertiu que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. No Brasil, a sentença foi um passe longo à esquerda, em 2014, e à direita, em 2018. Ambas saíram com bola e tudo pela linha de fundo.

O problema é que o país não aguenta mais esse jogo. É um 0 a 0 entre duas retrancas, sem torcida na arquibancada, com 22 pernas de pau desleais no mesmo campo de várzea. E Gilmar Mendes de árbitro.

 

Publicado hoje (08) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 5 comentários

  1. Flávio Freitas

    A Bélgica jogou mais e mereceu vencer, mas não abandonou os três zagueiros. Alderweireld, Kompany e Vertoghen foram mantidos para o jogo do Brasil. Sem a bola, os alas fecham em uma linha de cinco atrás e sobem nos momentos ofensivos. Isso aconteceu nos dois jogos. Contra o Japão, Carrasco, que não tem vocação defensiva, levou um baile ao tentar fechar pela esquerda e isso fez com que um zagueiro sempre saísse da área para dar cobertura no lado do campo, o que abriu caminho pelo meio. Ais mais porque no esquema inicial de Martinez, De Bruyne, que normalmente joga avançado no City, estava sacrificado mais recuado, como Coutinho no Brasil.

    Após os gols do Japão, Martinez trocou o Carrasco pelo Chadli e colocou o Fellaine, que é volante de origem, mas também tem boa presença ofensiva. Contra o Brasil ele manteve a ideia dos três zagueiros com os alas fechando no momento defensivo, mas com Chadli de titular. Além disso, o técnico tirou Mertens para colocar Fellaine, liberando De Bruyne para mais próximo da área e deslocando Lukaku para o lado direito do ataque, fazendo com que um zagueiro do Brasil saísse da área para dar cobertura e deixando espaço para De Bruyne pelo meio. O Martinez, ao contrário do Tite, aprendeu com o usou contra o Brasil o veneno do qual sofreu com o Japão.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Flávio Freitas,

      Muitas das coisas que vc observou, demonstrando conhecimento de futebol, estão no texto que comenta. A entrada de Fellaini como titular e a atuação de De Bruyne mais à frente, como atua no Manchester City, foram inclusive adiantadas na matéria da Folha que anunciou o jogo. Ao que vc disse, só uma pequena, mas fundamental discordância: a linha de três zagueiros foi, sim, abandonada por Martínez. Alderweireld jogou de lateral-esquerdo defensivo, não de zagueiro. Qd a Bélgica tinha a posse de bola, coube a Chadli fazer a ala ofensiva pela esquerda, tarefa facilitada pela grande atuação de Hazard naquela faixa do campo. Pela direita, Lukaku fez um salseiro no primeiro tempo, aproveitando a avenida Marcelo. Daquele lado, Meunier teve uma grande atuação defensiva, na marcação de Neymar.

      Abç e grato pela chance do debate!

      Aluysio

  2. Flávio Freitas

    O futebol é muito bom porque nos dá a possibilidade de exercer esse debate de visões e atuações. E essa mudança tática. Um time com jogadores tão bons e versáteis como a Bélgica permite várias variações, como já vinha sendo aventado pela imprensa. Se me permite, irei discordar de você novamente, com todo o respeito. A natureza deste time da Bélgica é ofensiva. O Alderwireld e o Kompany são zagueiros mais fixos, enquanto o Vertonghen atua pela esquerda como zagueiro, sim, mas com saída de jogo, quase como um lateral, assim como ele já jogou diversas vezes no Tottenham. A defesa belga foi muito contra o Japão, mas Vertonghen jogou exatamente na mesma posição contra o Brasil, como pode ser visto neste mapa de calor do site italiano Corriele dello Sport (https://bit.ly/2u1jURe e https://bit.ly/2m4heOg). Chadli entrou no lugar do ofensivo Carrasco e, assim como Munier pela direita, também compôs a linha defensiva com o outro ala, formando uma linha de cinco quando a Bélgica foi atacada (segue o mapa de calor de Munier e Chadli contra o Brasil: https://bit.ly/2KEY401).

    A linha defensiva belga mudou mais de postura do que taticamente para este jogo contra o Brasil. De fato, Marcelo facilitou demais a vida dos belgas. Ele é o melhor lateral esquerdo do mundo no Real Madrid, mas com um time que dá cobertura a ele. Na Seleção Brasileira seria melhor colocá-lo como uma ala esquerdo (como o Chadli) e um lateral mais defensivo atrás do que deixá-lo com a tarefa de atacar e cobrir defensivamente o setor.

    As mudanças do meio para frente do Martinez foram fundamentais. Ele tinha o melhor jogador da última Premier League, o De Bruyne, jogando fora de posição. Um desperdício de talento, que ficou ainda mais evidenciado com a grande atuação dele quando ganhou liberdade ofensiva. A mesma coisa aconteceu com Coutinho, que atua espetado na ponta, mas para encaixar na escalação de Tite, foi sacrificado como volante. Foi muito bem nas primeiras partidas, mas com o baixo desempenho de William, talvez fosse o caso de colocar o Coutinho na sua posição de origem.

    Enfim, muito obrigado pelo espaço para o debate. Abraço.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Flávio,

      Não foi toda a imprensa que apostou na entrada de Fellaini como titular e no adiantamento da posição de De Bruyne. Mas, entre alguns outros, foi o caso da Folha da Manhã, na matéria feita no dia anterior para anunciar o jogo. Como sempre é mais fácil falar de fatos consumados, após a vitória de 2 a 1, toda a imprensa do Brasil, da Bélgica e do mundo foram unâmimes ao afirmar que, além das duas mudanças táticas anteriores, Martínez também alterou a linha de três zagueiros, com Alderweireld sendo deslocado da posição de zagueiro, como atuou contra o Japão, à de lateral-esquerdo defensivo, contra o Brasil. Embora tenha jogado pela mesma faixa do campo, sua posição foi alterada pela mudança do esquema tático da Bélgica, com o volante Witsel sendo deslocado mais à esquerda, com a entrada de Fellaini para ajudar no combate no meio de campo. A posição de ala esquerdo, no apoio ao ataque, coube a Chadli. E foi entre ele e Alderweireld que Douglas Costa achou espaço na direita para ser o principal atacante do Brasil durante todo o jogo, mesmo tendo entrado só aos 13’ do segundo tempo. Coutinho tampouco atuou como volante. Embora tivesse também obrigação de marcar, ele acabou sobrecarregado por ainda ter que criar as jogadas pelo meio e aparecer no ataque para tabelas e conclusões.

      Abç e obrigado a vc pela chance do debate!

      Aluysio

  3. Edi cardoso

    E o Neymar???
    O q dizer desse menino homem?
    Intocável.
    Quando ganha o jogo, foi o Neymar.
    Quando eliminado, nós fizemos o q podemos.
    Foi. Chega.

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