Campista radicado em Macaé desde agosto de 1981, morreu hoje, aos 67 anos, o jornalista, poeta e artista plástico Martinho Santafé. Ele lutava desde 2018 contra um câncer. Seu corpo está sendo velado na Capela da Santa Casa e será sepultado às 14h desta quarta, no Cemitério do Caju em Campos. O Coletivo de Jornalistas de Macaé fez aqui o registro. E aqui a Associação de Imprensa Campista.
Pouco antes de se mudar definitivamente para Macaé, Martinho foi editor-geral da Folha da Manhã. Iniciou no jornalismo em Niterói na década de 1970, durante “anos de chumbo” da ditadura militar (1964/85) que muitos hoje afirmam não ter existido. Mas pela qual teve que sair do país “em exílio voluntário e sugerido pela América Latina” — segundo suas palavras e a canção de Belchior.
No final dos anos 1970, retornou ao Brasil e a Campos, para trabalhar como correspondente da sucursal do jornal niteroiense “O Fluminense”. No início dos anos 1980, veio o convite para ser editor-geral da Folha, feito pelos amigos Aluysio Cardoso Barbosa (aqui) e Diva Abreu. Daquela passagem à frente da redação do maior jornal de Campos, das suas experiências com o jovem poeta Kapi (aqui) e um certo estagiário apelidado “Bolinha”, melhor deixar Martinho falar por conta própria:
“A Folha da Manhã nasceu em um período economicamente singular para Campos, justamente durante a transição da agroindústria açucareira para a indústria do petróleo. Embora atividades produtivas tão distintas, o jornal soube conviver bem com elas graças à credibilidade de sua linha editorial definida pelo mestre Aluysio.
No início de 1980 fui convidado para ser o editor da Folha. Das muitas recordações desse período, certa tarde, Kapi apareceu na redação com um novo poema: ‘Canção Amiga’. Li, passei ao Celso Cordeiro, que era colunista social, e sugeri: ‘Publica’. Foi, talvez, a primeira e a última vez que um poema ocupou todo o espaço de uma coluna social em Campos.
Também naquele ano o marginal ‘Luiz Gordo’, nascido em Campos e ‘amadurecido’ nas favelas do Rio, aterrorizou a cidade com o seu bando, assassinando em Grussaí um rapaz conhecido e sequestrando sua namorada. Já libertada, a jovem foi prestar depoimento na delegacia. A cidade só falava do caso. No meio do fechamento da edição, Antônio Carlos Paes chega com a matéria, mas não tínhamos a foto. Quase surtei…
No mesmo dia, véspera de Finados, havia pautado para um estagiário e radialista conhecido como ‘Bolinha’, uma matéria sobre os preparativos no Cemitério do Caju. O texto era bom e as fotos excelentes. O que fazer para a primeira página? Escolhi uma foto vertical em quatro colunas, com forte carga emotiva — na lápide de mármore, um anjo erguia os longos braços em direção ao céu —. a chamada de Finados sob a foto e a seguinte manchete na parte superior da capa: ‘Fulana de Tal depõe em prantos’. A edição esgotou e teve que ser reimpressa várias vezes.
‘Bolinha’, então um estagiário bastante promissor, virou Garotinho e deu ruim.”
Foi esse o relato que Martinho escreveu para o caderno especial de 40 anos da Folha da Manhã, em janeiro de 2018, republicado aqui, neste blog. Minha memória mais viva dele vem a partir dos anos 1990, quando eu já militava como jornalista e ele era o correspondente da Folha em Macaé.
Trabalhou também no jornal macaense O Debate e foi correspondente de vários jornais caricoas na cobertura do setor off-shore. Em 2005, criou a revista Visão Sócio-Ambiental com a publicitária Bernadete Vasconcelos, sua esposa. Também cria de ambos, a Feira de Responsabilidade Socioambiental entrou para o calendário da Bacia de Campos.
Além do jornalismo, meu contato com Martinho se estreitou em função da poesia, já nos anos 2000. No novo milênio, participamos juntos de um FestCampos de Poesia Falada, do qual ele se sagraria vencedor. Ganhou também um Festival da Petrobras de Poesia, em Macaé. Foi lá que ele manteve uma carreira de sucesso também como pintor.
Em 26 de julho de 2015, também neste blog, cheguei a tentar (aqui) uma análise sucinta da sua vida e produção poética. E as resumi no poema de Martinho que mais gosto. A última vez em que nos vimos foi em dezembro daquele mesmo ano de 2015, quando ele foi a um sarau na minha casa, em Atafona. E, na sua vez de entrar na roda, recitou aquele mesmo poema.
Martinho navegou sua vida e sua obra na confluência das águas entre os rios Paraíba do Sul e Macaé, sempre “embriagado de mistérios”. Na busca desse “cobertor/ que afasta os nossos frios”, me despeço com afeto desse amigo do meu pai que a vida tornou meu também:
Pai
(Martinho Santafé)
Em que rio estará o nosso Pai?
N’alguma grota úmida
dos canaviais?
Atrás do sol, dos bambuzais?
Em que noites estarão
as nossas inquietações?
Na calma encoberta
por instigantes canções?
Na estrada deserta
que leva a outras estradas?
No conceito sereno
de que tudo é nada?
Com quantos paus
construiremos nosso Pai?
É Pai mesmo?
Um helicóptero?
Um espelho?
A estação do trem?
Um cobertor que afasta
os nossos frios?
Em que mares,
em que florestas
existe um pássaro
chamado Pai?
Em que mesa
sentaremos um dia
quando o Sol não aparecer
e a medida da vida se perder?
Levaremos flores?
Choraremos néon?
Acreditaremos em Deus?
Existe existe?
A palavra existe?
Se não, por que insiste?
E nos embriagamos de mistérios…
Atualização às 23h35.
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