Príncipes rubro-negros
Por Matheus Berriel
“Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”. Eternizado em composição de Nando Reis, sucesso com o grupo Skank há mais de duas décadas, o questionamento remete ao íntimo de todo garoto brasileiro que, com bola de meia ou de couro, um dia sonhou em ter seu nome gritado por uma multidão nas arquibancadas de um grande estádio, quase sempre o Maracanã. O incêndio ocorrido no Ninho do Urubu, que matou 10 jogadores das categorias de base do Flamengo e deixou outros três hospitalizados — um deles em estado grave —, não deixou marcas apenas nos corpos das vítimas e no íntimo dos familiares. Em época de ofensas gratuitas e discursos de ódio, ampliados pela última eleição presidencial, foi uníssono o choro pelo desastre da última sexta-feira (8). No luto, ideologia vira apenas ideologia, e o futebol, que, lamentavelmente, já serviu de pano de fundo para tantos atos covardes, passa a ser só futebol.
O Centro de Treinamento do Flamengo não era nenhuma tragédia anunciada. Pelo contrário. Devido às obras recentes, a estrutura passou a ser referência a nível nacional, comparada à de grandes clubes europeus. Os contêineres onde estavam as vítimas do incêndio seriam desativados nos próximos dias, com os jogadores de base passando a ocupar o módulo onde antes ficavam os profissionais, que já trabalham no novo espaço. Acontece que o fogo não esperou, levando consigo a vida de 10 sonhadores. “Todo esforço será recompensado, meu pai”, dizia o goleiro Christian, de 15 anos, presença constante na Seleção Brasileira e já monitorado por clubes do exterior, um dos mortos na madrugada de sexta.
Após o caos, as denúncias sempre vão surgir de todos os lados. No caso do Flamengo, segundo a Prefeitura do Rio, faltava licença ao alojamento da base no Ninho do Urubu. Fica difícil para a maior torcida do país assimilar que, com tantas notícias positivas na parte financeira do clube, mais de 20 multas por irregularidades não tenham sido pagas. É cedo para condenações. Neste momento, o clube trata como prioridade o apoio às famílias, algumas que ainda sequer conseguiram reconhecer os corpos dos garotos que se foram. Quando a fumaça passar, haverá muitos esclarecimentos a serem prestados. Esperamos que o caso tenha servido de exemplo para os demais clubes, independente da cor da camisa.
Em relação a Arthur Vinicius, Athila, Bernardo, Christian, Gedson, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Rykelmo, Samuel Thomas e Vitor Isaías, estes jamais cairão no esquecimento. Na nação em que Zico é rei, serão eternos príncipes rubro-negros, pois, de forma catastrófica, acabaram levando ao pé da letra o hino escrito por Lamartine Babo: “Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer!”. Que Deus os tenha!
Publicado hoje (10) na Folha da Manhã