O que dizer de “Roma”, filme dirigido, escrito, produzido e fotografado em preto e branco por Alfonso Cuáron, que o Cineclube Goitacá exibe às 19h desta quarta (20), na sala 507 do edifício Medical Center, no cruzamento das ruas Conselheiro Otaviano e 13 de Maio?
Que o filme mexicano é um dos favoritos ao Oscar deste domingo (24), com 10 indicações, incluindo melhor filme, filme estrangeiro, diretor, roteiro original, fotografia, atriz e atriz coadjuvante?
Que é o primeiro filme produzido e exibido no revolucionário formato de streaming, pela Netflix, a ser tão bem recebido pela academia cinematográfica e a crítica do mundo?
Que é uma obra autoralíssima de Cuáron, um dos três falados diretores mexicanos surgidos entre os anos 1990 e 2000, ao lado dos já também oscarizados Alejandro González Iñárritu e (do superestimado) Guilhermo Del Toro?
Para os brasileiros que cresceram ouvindo Chico Buarque, a melhor definição de “Roma” talvez seja essa: é um filme buarqueano. A partir da sensibilidade de quem eviscera na tela suas próprias memórias emotivas, Cuáron assume a perspectiva feminina para cantar a mulher.
Passado no ínicio dos anos 1970, são duas as mulheres centrais de Roma, bairro de classe média alta da Cidade do México: a doméstica Cleo (Yalitza Aparicio), descendente de índios astecas, em cujo idioma nahuatl se comunica apenas com a outra empregada da casa; e a dona de casa Sofia (Marina de Tavira), branca, loura e descendente dos conquistadores espanhóis, em cuja língua castelhana a história é contada.
Se a luta de classes é suavizada pelo afeto com que Cleo trata e é tratada pelos membros da família que cuida, sobretudo as crianças, as humilhações que sofre por sua condição subalterna não são escondidas. Nem a solidariedade que a empregada recebe da patroa, quando a condição comum de mulher abandonada se sobrepõe às diferenças sócio-econômicas.
Nos tons de cinza entre o preto e o branco da brilhante fotografia de Cuáron, as cores políticas são esmaecidas. Mas na ficção de “Roma” está retratado o massacre real de Corpus Christi, ocorrido na Cidade do México em 10 de junho de 1971. Grupos paramilitares reprimiram com violência cruel uma manifestação estudantil pela libertação de presos políticos. Na tensão do confronto, o sangue nas ruas se junta ao líquido amniótico que escorre entre as pernas de Cleo.
Talvez a grande virtude de “Roma” seja ser visceralmente feminino, pela visão retrospectiva de um homem, sem tropeçar em misandria travestida de feminismo. O filme denuncia a opressão masculina, inclusive física, a que mulheres foram e continuam submetidas. E consegue ser tão universal quanto a imagem e o ruído de um piso sendo lavado, atividade cotidiana que habita a memória afetiva de todos nós. Enquanto sua poça reflete um avião que rasga os céus.
Confira o trailer do filme: