Lobão é e sempre foi um polemista. Mas, ao lado de Cazuza (1958/1990) e Renato Russo (1960/1996), talvez seja o grande compositor do BRock, movimento que deu a trilha sonora dos hoje míticos anos 1980. Tão bom letrista quanto seus dois pares vítimas do HIV, sobreviveu a eles para se tornar um músico muito superior, capaz de tocar todos os instrumentos dos seus discos.
Autodidata de grande erudição, nos últimos anos se revelou também um escritor de sucesso. Seu primeiro livro foi um imediato bestseller. A autobiografia “50 Anos a Mil”, lançado em 2010, é leitura prazerosa. E necessária para se compreender a década de 1980, transição da ditadura militar à Nova República, pelos olhos de quem à época era jovem e transgressor.
Seu segundo livro “Manifesto no Nada na Terra”, de 2013, é fruto de outra caraterística da personalidade multifacetada de Lobão: sua enorme pretensão. Busca desmontar não só o modernismo brasileiro a partir do manifesto de 1922, como tudo que veio de lá para cá na cultura do Brasil. E centra fogo nos ícones da MPB Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, por quem o rockeiro desenvolveu uma obsessão edipiana, temperada por um nítido e justificado complexo de inferioridade.
Não li seu terceiro livro, “Em Busca do Rigor e da Misercórdia”, de 2015. E achei o quarto, “Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 Pelo Rock”, de 2017, uma colagem oportunista das suas duas primeiras obras literárias. Mas por músicas, livros e lives nas redes sociais, Lobão continua sendo referência a uma juventude de classe média do país, que só tinha vivido a partir dos governos do PT e, em reação, foi a primeira a aderir em peso à candidatura vitoriosa de Jair Bolsonaro (PSL) em 2018.
Recentemente, Lobão rompeu com o dublê de astrólgo e filósofo Olavo de Carvalho, de quem se aproximara em sua migração de militante petista a antipetista ferrenho. Não sem razão, o músico classificou como “sórdido” o ataque do guru da família presidencial ao general Eduardo Villas Bôas. O ex-comandante do Exército Brasileiro, atual assessor do GSI no governo federal e portador de doença degenerativa foi chamado por Olavo de “doente preso a uma cadeira de rodas”.
Lobão advertiu que o governo Bolsonaro iria “ruir” se continuasse sob a tutela olavete. E rompeu ruidasamente com o próprio presidente: “não tem a menor capacidade intelectual e emocional para poder gerir o Brasil”. O músico se juntou à parte cada vez maior da direita brasileira que chega à mesma conclusão: o economista Delfim Neto, o filósofo Luiz Felipe Pondé, o historiador Marco Antonio Villa, o empresário Flávio Rocha e os jornalistas Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Rachel Sheherazade, Felipe Moura e Carlos Andreazza.
Como esses e alguns outros, Lobão foi severamente crítico às manifestações de ontem em defesa do governo Bolsonaro. Contra elas também se posisionaram Janaína Paschoal (PSL), autora do pedido de impeachment de Dilma e deputada estadual mais votada do Brasil, e o MBL do deputado federal Kim Kataguiri (DEM). E qualquer um que classificar algum desses como esquerdista, não passa no psicotécnico.
Sem papas na língua, Lobão analisou em vídeo o ovo de serpente que ajudou a chocar, eclodido nas manifestações de ontem contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). E o que elas, em seu entender, apontam ao amanhã. Mesmo a quem não gosta do velho rockeiro — pelos motivos certos e, sobretudo, pelos errados —, vale a pena conferir: