No link do meu artigo de domingo no Facebook, o professor e historiador Arthur Soffiati fez um comentário (aqui) sobre o obscurantismo da neodireita que avança no mundo. Disposta a passar o pano sobre o indefensável, quando se trata de defender os pés de barro do seu “mito”, foi definida (aqui) no Brasil pelo conservador Delfim Netto: “direita incultural”. Para começar bem a semana, como a define Soffiati:
— Há limites para a esquerda e a direita. A realidade se impõem para qualquer interpretação. Existe um tendência política que avança no mundo com viés claramente obscurantista. Conheço pensadores conservadores fundamentados e sérios. O grupo que governa o Brasil atualmente é obscurantista. Atribui tudo a uma conspiração da esquerda. O mundo não está criticando Bolsonaro por conta própria. É o PT que está fazendo a cabeça da imprensa internacional. As mudanças climáticas são uma invenção de ONGs de esquerda. Há brasileiros que passam mal, mas não passam fome. A esfericidade da Terra e o evolucionismo são mitos espalhados pela petralha para destruir a religião. O homem não chegou à Lua. Tudo isso é coisa de comunista. Isso sim é ideologizar a realidade.
Tarde quente de dezembro de 2002. O sol malhava como bigorna no solo de cascalho. A vegetação retorcida, raquítica e agressiva dava significado ao nome caatinga. Em tupi: ka’a, mato + tinga, branca. Por branca, entenda-se oposição ao verde, que só aparece quando chove. A não ser o juazeiro. Mas, sem vento, chove só uma vez ao ano naquele trato de sertão baiano.
Era o centenário da publicação de “Os Sertões”. Euclides da Cunha o escreveu com base em seu trabalho de campo, como correspondente da Guerra de Canudos (1896/1897) para o Estado de São Paulo — Província de São Paulo nos tempos do Império pelo qual os sertanejos ainda guardavam devoção. Império que caiu no nosso primeiro golpe militar, de 1889.
A República ainda engatinhava. Pressionado pelos militares que a fundaram, nosso primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, teve que convocar reservistas para lutar contra brasileiros excluídos socialmente, mas unidos pela fé cristã, no sertão da Bahia. Com 25 mil almas arrebanhadas na liderança do místico Antônio Conselheiro, Canudos era então a segunda maior cidade daquele estado, atrás apenas da capital Salvador.
Com base nas prédicas de Conselheiro, os códigos civil e penal de Canudos eram Mateus, Marcos, Lucas e João. Mesmo com o dinheiro abolido dentro do arraial, foi um sucesso econômico, que atraía a mão de obra antes barata e farta de todo o sertão do Nordeste. Reunidos pela fé, os antigos servos romperam com o feudalismo dos coronéis. Por incrível que pareça, deu certo. E incomodou. Foi por isso alvo de quatro expedições do Exército Brasileiro. Às quais resistiu com tenacidade desconhecida até dos veteranos da Guerra do Paraguai (1864/1870).
Euclides da Cunha
“Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo”, abre Euclides, natural da nossa vizinha Cantagalo, a sua obra. E segue ao epílogo: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Vencido palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”.
Depois de um dia colhendo histórias dos parentes de conselheiristas em Bendegó, batizada pelo meteoro que caiu ali e depois resistiu ao incêndio que destruiu o Museu Nacional, o destino era o sítio histórico de Canudos. Lá, o repórter e o fotógrafo pegaram como guia o menino Paullo. Conhecido do encontro ao acaso no dia anterior, tinha sido rebatizado Pablo, na confusão entre sotaques da mesma língua. Mas também em homenagem ao parceiro de João de Santo Cristo, na música “Faroeste Caboclo”, hino de brasilidade a quem foi adolescente e jovem nos anos 1980.
Menino Paullo Pablo em 2002, sobre o solo seco do sertão (Foto: Diomarcelo Pessanha – Folha da Manhã)
O menino Pablo levou os dois jornalistas sulistas ao Vale da Morte, onde foram ateados querosene e fogo sobre os mortos do maior genocídio que o Brasil pode fazer com o Brasil. Vinte e cinco mil corpos, incluindo mulheres e crianças, mais dos soldados que os mataram, mas morreram, não comportavam enterro individual em caixão. Com 70 kg em média de osso, carne e sangue coagulado por cada um dos mortos, todos queimados no mesmo lugar, imagina-se a quantidade de cinzas. Mesmo mais de 100 anos depois, sem vento e com pouca chuva, essas cinzas ainda estão lá, em meio ao cascalho do chão.
Caetano e Gil cantaram: “O Haiti é aqui”. No sertão do Brasil, Auschwitz também.
O repórter vê aquela quantidade imensa de cinzas, ajoelha-se sobre elas, toma-as com a mão direita, entre o cascalho. Ergue-se, tonto por tê-lo feito rápido, pelo calor e o que está ali, diante de seus olhos. Que fixa na grande umburana. Destaca-se por ser a única árvore de talo largo da caatinga. E pelo fato de, destituída das folhas que só brotam quando chove, fazer sua fotossíntese pela resina esverdeada escorrida do tronco. O que lhe dá aspecto de grande confeito, guloseima plantada ao solo pela bruxa da história infantil de João e Maria.
Tom Jobim
Vagarosamente caminhando a ela, o repórter lembra: “Jobim dizia que era bom abraçar árvore”. E, com o tronco da umburana entre seus braços, desaba e umedece o sertão em crise convulsiva de choro. O fotógrafo, que já conhecia a pessoa do repórter, não intervém na catarse, em meio às cinzas dos tantos mortos que batizam o vale. Por sua vez, o menino Pablo observa aparentemente impassível.
Noite daquele dia cheio de dezembro, bebiam cerveja em boteco da Nova Canudos, arquitetada em típico quadrado de povoamento português. Era outro quadrado à mesa: o repórter, o fotógrafo, mais outro companheiro de expedição, já curado da ressaca do forró da véspera, e o poeta local José Américo. Falavam das venturas e desventuras do dia. Até que alguém toca no ombro do repórter.
Era o menino Pablo. Na escuridão da noite, tinha caminhado a pé os oito quilômetros que separam a Nova Canudos do sítio histórico de Canudos, às margens do açude do Cocorobó, onde mora. Trazia um galho na mão, entregou-o ao repórter e revelou: “É uma muda daquela umburana que você abraçou”. E mais não disse. Deixou a muda e emudecida a mesa de bar. Virou-se e caminhou até sumir na escuridão, para vencer os oito quilômetros de volta.
Difícil descrever em palavras o que o repórter sentiu, quando abraçou a árvore e chorou de poça no Vale dos Mortos. A impotência diante do que homens puderam fazer com homens naquele sertão da Bahia, foi muito próxima do sentido ao ouvir um presidente de origem militar, 122 anos depois do nosso primeiro presidente civil, dizer de uma OAB que cumpriu sua função institucional (e constitucional) de defender um advogado:
“Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados (do Adélio Bispo, autor da famosa facada)? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?”, indagou Bolsonaro a jornalistas na manhã da última segunda (29). E revelou na sequência, com o prazer sádico do riso, quem é a pessoa do presidente da República: “Um dia se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”.
Presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, e seu pai, Fernando, cujo corpo o MPF diz ter sido incinerado na usina Cambaíba (Montagem)
O pai de Felipe foi Fernando Santa Cruz, estudante de Direito, servidor público e militante do grupo Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Ele desapareceu em 22 de fevereiro de 1974, aos 25 anos, deixou para trás um filho de apenas 2, e nunca mais foi visto. Nos 45 anos seguintes, sua mãe, dona Elzita Santa Cruz, jamais deixou de buscar o corpo do filho. O fez incansavelmente até falecer em junho deste ano, 105º da sua vida.
Depois da reação nacional às declarações de Bolsonaro, este gravou uma live na tarde daquela mesma segunda. Enquanto cortava o cabelo, afirmou que Fernando Santa Cruz teria sido morto por integrantes da própria APML. Só que o relatório secreto RPB 655, do Comando Costeiro da Aeronáutica, atesta que Fernando Santa Cruz foi preso pela ditadura em 22 de fevereiro de 1974. Em bom português: o presidente da República mentiu!
Relatório secreto RPB 655, do Comando Costeiro da Aeronáutica, atesta que Fernando Santa Cruz foi preso pela ditadura
O mesmo repórter passou a correr atrás da história, após ser alertado por outros dois jornalistas, um de Itaperuna, outro radicado na Califórnia, que o destino de Fernando Santa Cruz teria sido a incineração nos fornos da usina Cambaíba, em Campos dos Goytacazes. Quem contou isso com riqueza de detalhes foi o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, de 2012. Com base em seus relatos o Ministério Público Federal (MPF) de Campos concluiu, desde o último dia 26, que os corpos de Fernando e outros 11 presos políticos da ditadura teriam sido queimados nos fornos da usina de Campos. Para que se torne fato histórico, demanda o julgamento da Justiça Federal.
Promotor estadual Marcelo Lessa (Foto: Folha da Manhã)
Bem verdade que, ainda em 2012, logo após o lançamento do livro, o Ministério Público Estadual (MPE) de Campos pediu o arquivamento da investigação “desses supostos assassinatos ou ocultação de cadáver, não há o menor indício sério e idôneo de quem possam ter ocorrido em território campista”. E o fez sem ouvir Cláudio Guerra, base para o inquérito do MPF. Sobre seus motivos, fala sete anos depois (aqui) o promotor Marcelo Lessa, na página 2 desta edição.
Para a Comissão Nacional da Verdade, que também se debruçou sobre o caso, não há dúvida de que Fernando foi preso, torturado e executado pela ditadura. Mas, sobre o destino do corpo, aponta duas opções: ou foi enterrado numa vala comum no Cemitério dos Perus, em São Paulo; ou, como Guerra conta, foi assassinado na Casa da Morte em Petrópolis, e de lá levado para ser incinerado em Cambaíba. Pelos 45 anos que nos separam dos fatos, é praticamente impossível ter certeza. Só uma sobrevive documentada: diferente do que disse Bolsonaro, o pai do presidente da OAB foi preso, torturado e morto pelo Estado.
Conhecer os pormenores da história trágica de Fernando, como a dos outros 11 presos políticos que também teriam sido incinerados nos fornos de Cambaíba, é um experimento doloroso para a alma. No vale dessas cinzas do passado mal resolvido do país, revisitado por um presidente sem escrúpulos de moral para queimar, não há árvore para abraçar enquanto se chora.
Diante das ruínas da Canudos de Conselheiro, que só aparecem quando o açude do Cocorobó baixa o nível das suas águas, Paullo Pablo ao centro, hoje homem, pai e guia do Parque Estadual de Canudos (Foto: Facebook)
Lenitivo foi ganhar aquela muda de umburana em Canudos, hoje árvore de três metros de altura, frondosa e cheia de folhas no clima mais úmido de Atafona. Como se tornou homem o menino Paullo. Adotou o nome Pablo e vive de contar as histórias de brasileiros que reduzimos a cinzas.
O promotor estadual Marcelo Lessa vê com surpresa a conclusão do Ministério Público Federal (MPF) de que corpos foram incinerados na usina Cambaíba, durante a ditadura. Em 2012, ele decidiu pelo arquivamento da investigação das denúncias e diz que hoje reitera tal posição.
Promotor estadual Marcelo Lessa (Foto: Folha da Manhã)
Folha da Manhã – Em 10 de agosto de 2012, você decidiu pelo arquivamento da investigação das denúncias de queima de corpos de 12 presos políticos da ditadura militar nos fornos da usina, feitas pelo ex-delegado do Dops Cláudio Guerra no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, lançado naquele ano. Como viu o inquérito do MPF sobre o caso, divulgado esta semana, que concluiu no sentido de validar as denúncias?
Marcelo Lessa – Não cheguei a ver o inquérito, mas as notícias divulgadas por meio da imprensa sobre as conclusões do aludido inquérito, que, segundo o que li, teria resultado em denúncia em face do ex-delegado do Dops (sic). Caso a informação esteja correta, recebo com surpresa, a uma porque tais crimes estão anistiados, a duas porque prescritos, a três pela própria competência da Justiça Federal na espécie, e a quatro pela materialidade de tais delitos: como se conseguiu demonstrá-la, tantos anos depois? Ratifico o entendimento que adotei à época e que levou ao arquivamento do procedimento investigatório criminal que havia no âmbito do Ministério Público Estadual, o que, acredito, era a solução mais técnica, ainda que não exatamente a mais popular, na espécie.
Folha – A investigação que você conduziu foi instaurada a partir de notícia-crime do empresário Jorge Lyzandro, um dos herdeiros do espólio de Cambaíba, por conta das denúncias do livro. Por que pediu o arquivamento sem ouvir Cláudio Guerra?
Marcelo – Por um razão muito simples: ele já havia escrito e publicado um livro inteiro sobre o assunto. Duvido que tivesse algo a acrescentar. Naquele momento, julguei que o que ele buscava era se promover e, neste caso, achei que não era o papel do Ministério Público contribuir para este tipo de promoção, sobretudo da forma espampanante como se pretendia. Além do mais, segundo o entendimento que adotei e hoje reitero, tecnicamente não fazia sentido investigar um crime prescrito e anistiado. Não é esta a finalidade de um procedimento investigatório criminal.
Folha – No documentário “Forró em Cambaíba” (2013), feito pelo Sindipetro e dirigido por seu assessor de imprensa Vitor Menezes, você chegou a declarar sobre as denúncias de Cláudio Guerra: “Não vou bater palmas para maluco dançar”. Isso não é uma desqualificação a priori?
Marcelo – Eu não assisti ao documentário e, tanto tempo depois, não consigo me recordar o contexto em que teria sido dita esta frase. No entanto, dentro da resposta anterior, está explicada no sentido de que, se considero o crime anistiado e prescrito, ouvir o autor do livro no momento em que estava fazendo a divulgação do mesmo, seria tão-somente garantir um espaço para fazer “merchandising”, o que não é o papel do Ministério Público, ao menos na minha percepção.
Folha – O caso voltou à tona após o presidente Jair Bolsonaro (PSL), na segunda (29), questionar a atuação da OAB na investigação da facada que recebeu de Adélio Bispo em Juiz de Fora (MG). E atacar o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz: “Um dia se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”. Na página 58 do livro de Guerra, ele conta como, em 1974, transportou o corpo do ex-militante de esquerda Fernando Santa Cruz, pai de Felipe, da Casa da Morte em Petrópolis, para ser incinerado em Cambaíba. O que achou do episódio?
Marcelo – Eu não acho apropriado, como membro do Ministério Público e num momento de polarização político-ideológica sem precedentes como esse em que vivemos nos dias atuais, fazer qualquer consideração crítica acerca de uma manifestação pública do presidente da República. Peço desculpa, portanto, por não responder concretamente à pergunta. No entanto, falando em termos gerais, tenho que nenhuma morte, de nenhuma pessoa, seja em que circunstância ocorra, legítima ou ilegítima, deva ser objeto de deboche ou qualquer tipo de comentário irônico. Pouco importa, é uma morte de qualquer maneira. Antes de tudo, temos que ser solidários aos familiares de quem foi morto, não importa em que circunstância foi; nunca fazer ironia com isto.
Folha – Ainda na segunda, após a reação nacional à sua declaração, Bolsonaro afirmou em live que Fernando Santa Cruz teria sido morto pelos companheiros da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), que integrava. E foi desmentido pela revelação do relatório secreto RPB 655, da Aeronáutica, que atestou que Fernando foi preso em 22 de fevereiro de 1974. A verdade pode ser distorcida pela ideologia? Isso não é ainda mais grave no presidente da República?
Marcelo – Aqui, mais uma vez, peço desculpa por não responder diretamente, já que a pergunta se refere a uma fala do presidente da República, que não me cabe criticar sob o ponto de vista político. Não julgo apropriado a um membro do Ministério Público fazer isso. Agora, não posso deixar de reiterar que a verdade deve ser um compromisso de qualquer autoridade pública, doa a quem doer.
Folha – A Comissão Nacional da Verdade, que investigou esse e outros milhares de casos no regime militar, deu duas possibilidades ao destino do corpo de Fernando Santa Cruz: sepultado pela ditadura numa vala comum no Cemitério dos Perus, em São Paulo, ou incinerado em Cambaíba. Na sua experiência de investigador, acha possível se chegar a uma conclusão definitiva?
Marcelo – Esse foi um dos fundamentos pelos quais arquivei aquele procedimento investigatório: a impossibilidade técnica, segundo os recursos investigatórios de que dispunha, para comprovar se um dia algum corpo foi de fato queimado nos fornos da usina. Pelo tempo que passou e por todas as intempéries a que o local foi exposto, do ponto de vista técnico, não creio ser possível determinar sinais ou vestígios de que corpos tenham passado pelo local, quando mais identificar de quem eram.
Folha – Alguns, como você, alegam que os crimes cometidos pela ditadura, assim como pelos grupos de esquerda que fizeram oposição armada ao regime, ficaram para trás com a Lei da Anistia de 1979. Outros, como procuradores da República de Campos, alegam que o crime da tortura é imprescritível. Como fica essa discussão no plano jurídico?
Marcelo – Anistia e prescrição são institutos que não se confundem. Anistia é um ato de política legislativa que resolve “perdoar” a infração, conduzindo à extinção da punibilidade de seus autores. Foi o que ocorreu com a Lei da Anistia, “ampla, geral e irrestrita”, como se dizia nos anos 80. Da mesma forma como os militantes de esquerda não precisam mais se preocupar com eventuais crimes de sequestro, organização criminosa armada, por exemplo, os integrantes do regime não precisam se preocupar mais com abusos de autoridade e outros crimes. Foi uma opção política do legislador, que preferiu apagar os efeitos jurídicos dos crimes cometidos por ambos os lados. Se foi uma boa ou uma má opção, é outra questão. Porém, de uma forma ou de outra, a opção foi feita e precisa ser respeitada, por todos, independentemente de qualquer posição ideológica. A anistia é uma figura jurídica prevista na Constituição e atribuição do Poder Legislativo. Anistia não se confunde com prescrição; uma coisa não impede a outra, e inclusive, ambas as figuras jurídicas podem se sobrepor, como na espécie se sobrepõem. A prescrição é a perda do direito de punir, por parte do Estado, em face do decurso do tempo. A tortura é um crime prescritível. Só existem dois tipos de crimes imprescritíveis, na atual Constituição: o racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra ordem constitucional e o estado democrático (art. 5º, XLII e XLIV, da Constituição). A tortura não está, portanto, dentre os crimes imprescritíveis. O que a tortura é e, mesmo assim, nos termos da atual Constituição, é insuscetível de graça e anistia. Mas a Lei de Anistia de que estamos falando é anterior à atual constituição. E, além disto, no caso concreto, o que investigava não era a tortura, que teria ocorrido na “Casa da Morte”, em Petrópolis, e, sim, o crime de ocultação de cadáver, que não se confunde com a tortura quando em vida, já que os cadáveres supostamente teriam sido transportados para serem incinerados em Campos. Eram cadáveres, segundo o livro. Portanto, as pessoas já haviam sido mortas quando seus corpos eram trazidos para Campos. O crime, portanto, é outro: ocultação de cadáver. Que não se confunde com a tortura daquelas pessoas quando em vida, supostamente consumada, inclusive, em outra comarca.
Um dia antes da greve decretada ontem (aqui) pelos médicos do serviço público municipal para a próxima quarta-feira (07), em assembleia fechada à imprensa, a Pefeitura já tinha liberado o atendimento ao principal pleito da categoria. Supensas com o contingenciamento anunciado (aqui) pela Prefeitura no último dia 12, as substituições dos médicos serão pagas. Em 31 de julho, o secretário de Saúde Addu Neme (PR) já tinha solicitado que a folha de substituição de junho, no valor de R$ 1.392.862,30, será paga neste mês de agosto. O dinheiro é esperado da Participação Especial (PE) de petróleo relativo ao segundo trimestre do ano, que costuma entrar por volta do dia 10.
Outro ponto em discussão com a categoria é o ponto biométrico. Desde que ele foi instalado em 15 de julho, obrigando os servidores a cumprirem seus horários, o estacionamento do Hospital Ferreira Machado (HFM), por exemplo, não dá mais conta da demanda de carros. Para todos os demais servidores do município, a checagem no ponto biométrico é a cada 6h. Isso gerou grande reação entre os médicos. Em reunião na terça (30), Abdu chegou a oferecer uma execção só para categoria: nos plantões de 12h, checagem no ponto só na entrada e na saída; nos plantões 24h, checagem na entreda, 12h depois e na saída. Assim mesmo, os médicos oferecem resistência.
O blog tentou contato a tarde inteira com Abdu Neme, para saber como ficará a questão do ponto eletrônicos para os servidores da Saúde. Mas o secretário não retornou.
Confira aqui e aqui evolução do caso dos médicos, no blog “Coxinha de mortadela”, do Edmundo Siqueira
Atualização às 20h36 para incluir correção de informações passadas pelo procurador-geral de Campos, José Paes Neto
Exoneração de Thiago Calil publicada hoje (02) em Diário Oficial
Condenado a 25 anos de prisão por prostituição infantil no caso “Meninas de Guarus”, Thiago Calil teve sua exoneração da Câmara Municipal publicada hoje em Diário Oficial. No mesmo DO, em 18 de julho, ele havia sido nomeado (aqui) chefe de gabinete do vereador Paulo Arantes (PSDB). Após forte reação popular, uma semana depois, o vereador anunciou (aqui) que voltou atrás na sua decisão:
Vereador Paulo Arantes e Thiago Calil (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
— Diante dos fatos e, principalmente, do meu respeito à população campista, não poderia deixar de me pronunciar sobre uma atitude que tomei inadvertidamente. Assim que tomei conhecimento detalhado sobre o fato, de imediato revi da decisão, seguindo à risca minha consciência e meus princípios de família (…) Soube sim de toda a história, mas sem tomar conhecimento de sua dimensão. Além disso, atrelado a laços de amizade e baseado na Lei da Ficha Limpa do Legislativo, assinei a nomeação, que já foi desfeita. Sigo com minha consciência limpa de que fiz o certo! — antecipou o vereador, em 25 de julho, a decisão oficializada no DO de hoje.
Em 8 de junho de 2016, a juíza Daniela Asumpção, condenou vários acusados de envolvimento no caso conhecido como “Meninas de Guarus”. Nele, até 15 menores de idade, alguns entre 8 e 11 anos, eram confinados em casas de Custodópolis, onde eram explorados sexualmente em serviço de prostituição. Segundo a Justiça, Thiago Calil mantinha os menores em cárcere privado, os obrigava a consumir drogas e os levava de carro aos locais dos programas sexuais. Ele foi condenado a 25 anos pelos crimes de estupro, associação criminosa, submissão de criança/adolescente à prostituição/exploração sexual, tirar proveito da prostituição alheia e cárcere privado.
Como recorria em liberdade, à espera do julgamento do recuso na segunda instância, Thiago Calil não poderia ser barrado pela lei municipal da Ficha Limpa, de autoria do vereador Jorge Virgílio (PRP), restrita aos condenados criminalmente em decisão colegiada. Foi a reação da sociedade após a divulgação da notícia que forçou o vereador Paulo Arantes e a própria Câmara, também atingida no juízo popular, a suspenderem a nomeação. Além do “Meninas de Guarus”, Calil também ja tinha sido condenado por comandar no distrito de Villa Nova um esquema de compra de votos, na eleição de 2008, para a então candidata a prefeita Rosinha Garotinho (hoje, Patri).
Deputado federal, Wladimir Garotinho (PSD) tem conseguido (aqui) recursos aos hospitais conveniados da planície. E, caso aprove seu projeto (aqui) para classificar o clima do Norte e Noroeste Fluminense como semiárido, pode beneficiar os produtores rurais de 22 municípios, que teriam acesso a linhas de crédito com juros mais baixos. Por isso tem se cacifado como pré-candidato a prefeito de Campos em 2020. Seu principal obstáculo é a enorme rejeição do seu pai, Anthony Garotinho (sem partido). Que só conseguirá driblar se agir diferente do ex-governador, maior colecionador de desafetos na política goitacá e fluminense.
Espaço concedido
Todas as iniciativas de Wladimir que trouxeram benefícios a Campos e região foram noticiadas na Folha. No programa matinal Folha no Ar, o deputado já foi em duas oportunidades, desde que a Folha FM 98,3 entrou no ar em 28 de março. Exatamente o mesmo número de vezes que o prefeito Rafael Diniz (Cidadania). Nesta semana, após ter um áudio com críticas injustas aos assistentes sociais divulgado (aqui) no blog do Frederico Monteiro, hospedado no Folha1, Wladimir pediu e teve espaço para resposta (aqui) no blog “Opiniões” do diretor de redação da Folha, Aluysio Abreu Barbosa. Assim como (aqui) na edição de ontem desta coluna.
“Aprendiz do Bozomor”
Assim mesmo, na última terça (30), em outra rádio do município, Wladimir se referiu à Folha como “uma espécie de diário oficial do município”. Nas redes sociais, na postagem do link da sua polêmica com Frederico, foi advertido (aqui) pelos leitores: “o ‘Chequinho’ (…) só saiu da formatação original por obra e graça do próprio Wladimir (…) querendo que fosse ampliada a ação ilegal para beneficiar seu grupo de candidatos”, acusou Sérgio Provisano. “Wladimir está fazendo jus ao nome Garotinho (…) atacou até a Folha da Manhã, que sempre abre espaço pra ele”, lembrou Pedro Brandão Soares. “Aprendiz do feiticeiro Bozomor”, definiu Sylvia Paes.
Papai mandou?
Na aprovação da Reforma da Previdência na Câmara Federal, que ficou contra, após ter se pronunciado a favor até a semana da votação, Wladimir perdeu muitos votos entre a parcela mais conscientizada do eleitorado campista. Nas redes de WhatsApp da cidade, quase todos atribuíram a súbita mudança de opinião do jovem deputado aos ditames do seu pai. A avaliação, não sem razão, foi de que não seria diferente se ele fosse eleito prefeito de Campos. Por este motivo, a incoerência do deputado e sua aparente origem no que “papai mandou” foram tema (aqui) da coluna em 11 de julho, dia seguinte à votação fundamental ao futuro do país.
Constrangido
Sobre a Reforma da Previdência, a incoerência de Wladimir foi contrastada com a coerência dos outros três deputados federais da região: sua irmã Clarissa Garotinho (Pros), Christino Áureo (PP) e Felícia Laterça (PSL). Este foi ontem citado junto com Wladimir pela jornalista Berenice Seara, no jornal carioca Extra: “Laterça criou climão na abertura da Festa Agropecuária de Quissamã, na última sexta (26). Ao microfone, afirmou ter ouvido várias vezes o vizinho de gabinete ganhar broncas, por telefone, do pai, o ex-governador Garotinho. Wladimir ficou sério e preferiu não tocar no assunto quando chegou sua vez de discursar”.
Da família
A imprensa nacional começou a noticiar que a namorada do “doleiro dos doleiros”, Dario Messer, preso na última quarta-feira, é da família do ex-governador Garotinho. Myra de Oliveira é filha da ex-deputada federal Alcione Athayde, prima de primeiro grau do político da Lapa, e do o empresário e cirurgião dentista Carlos Jader, que foi vereador em Campos. Ontem, em sua coluna na Folha, Esdras Pereira também informou que Messer tinha sido presa no apartamento da campista, em um luxuoso apartamento nos Jardins, em São Paulo. Só não sabia, ainda, o grau de envolvimento entre os dois.
Sogra na prisão
Há alguns anos afastada do cenário político, a sogra do “doleiro dos doleiros” foi deputada federal por dois mandatos, assumidos como suplente, e ocupou cargos na Prefeitura de Campos e no governo do Estado. Alcione foi presa na operação Pecado Capital, em agosto de 2008. A ação apurava desvios de cerca de R$ 60 milhões na secretaria de Saúde estadual na gestão da ex-governadora Rosinha Garotinho, e também prendeu o ex-secretário de Saúde Gilson Cantarino. Alcione ficou detida pouco mais de um mês.
Líder da bancada governista na Câmara Municipal, o vereador Genásio (PSC) vai propor a CPI do Previcampos. Ele já colheu 18 assinaturas para sua instalação, que será apresentada e votada em plenário na primeira sessão com quórum, talvez já na próxma quarta-feira (07).
A intenção é apurar possíveis irregularidades na gestão de recursos da previdência do servidor municipal, como: 1) a devolução indevida de recursos à Prefeitura, 2) perda de recursos com investimentos em fundos com ativos frágeis ou inexistentes, 3) realização de investimentos sem observância do Conselho Monetário Nacional e da secretaria de Previdência Social, e 4) a diminuição do patrimônio do Previcampos em 500 milhões de reais entre dezembro/2015 a dezembro/2016, durante a administração Rosinha Garotinho (hoje, Patri).
(Infográfico de Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
Em matéria do útimo domingo, a Folha mostrou (aqui) como o Previcampos viu seu patrimônio passar R$ 1,305 bilhão em dezembro de 2015 para R$ 804 milhões em dezembro de 2016. Embora os R$ 804 milhões restantes sejam um valor significativo, destes, R$ 457 milhões foram aplicados em investimentos de alto risco — a maioria investigada pela Polícia Federal e com resgate somente a partir de 2021.
Que você, leitor, tenha votado em Bolsonaro para impedir o PT de voltar ao poder, não é nem preciso concordar para entender. Imcompreensível é a passação de pano sobre o indefensável.
Seja pelo voto, ou abreviado pela consequência dos atos e palavras do presidente, acredite: o bolsonarismo passará. Aí só restará você. E o que foi capaz de defender pelo seu “político de estimação”.
Há quem tenha conseguido enxergar antes (tarde do que nunca). E teve a coragem de optar pela própria consciência. É o caso (aqui) do DJ Ricardo Sá. A quem o blog pede licença para reproduzir abaixo:
DJ Ricardo Sá
Ponderei muito sobre escrever algo nesse momento ou não. Mas estou apostando que a maioria das pessoas, inclusive as que discordam sistematicamente de mim, devem ter feito essa reflexão, ou se não fizeram, precisam fazer.
Não se trata de pautas políticas, essas são legítimas.
Você ser a favor de privatizações, da reforma da previdência, de pautas defendidas pela direita democrática, está dentro do âmbito institucional republicano – nós concordando ou não com elas.
Até aqui, estamos de acordo?
Muito bem!
Agora…
Se você já teve de defender:
— Nepotismo
— Liberação de agrotóxicos proibidos em outros países.
— Blindagem de investigação de Senador e Laranjas.
— Autorização para exploração indevida da Floresta Amazônica.
— Invasão de reservas indígenas.
— Tortura e assassinatos no período da ditadura.
— Prisão para jornalista que está exercendo legalmente suas funções.
Talvez você esteja precisando rever seus conceitos ou assumir de fato seus valores.
Ter votado no Bolsonaro por não querer o PT é uma justificativa razoável. Concordar com essas declarações estapafúrdias desse homem que ganhou de presente a presidência e dizer amém pra tudo que ele faz, não é saudável nem pra você, nem para a sociedade e nem pro Brasil.
Está cada vez mais fácil de identificar quem votou contra o PT e quem votou por afinidade às ideias absurdas de Bolsonaro. E por incrível que pareça — ISSO É MUITO BOM — porque vai ficando claro quem é quem em nossas rodas de amigos, familiares e pessoas próximas.