Artigo do domingo — Igor Franco: Campos não tem saídas felizes

 

 

Igor Franco, professor de economia da universidade Estácio de Sá

Campos não tem saídas felizes

Por Igor Franco

 

Na última quarta-feira, foi encaminhado ao Poder Legislativo municipal o Projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2020. Consta do projeto uma redução de R$ 36 milhões em relação ao que foi aprovado pela Câmara de Vereadores para o exercício de 2019. Porém, segundo cálculos da própria Prefeitura, o orçamento vigente já será frustrado em aproximadamente R$ 140 milhões, uma diferença que representa quase três vezes o gasto deste ano com Limpeza Pública.

A penúria das contas públicas brasileiras em todos os níveis — federal, estadual e municipal — parece ser um fantasma que se recusa a desaparecer. Desde 2015, pelo menos, o brasileiro é constantemente acossado por reflexos das dificuldades nos cofres públicos. Nos últimos meses, essa realidade voltou aos holofotes com a repercussão da polêmica dos contingenciamentos no orçamento das universidades federais. Num episódio que será lembrado pela péssima condução política do atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, as instituições de ensino superior sofreram ainda mais restrições aos seus gastos e até mesmo bolsas de pesquisa serão afetadas pelas medidas.

Em situações de crise, infelizmente, não há saídas felizes em temas orçamentários. Pelo lado da receita pública, o alívio nas contas é proporcionado pelo aumento da arrecadação pública, o que significa, em última instância, menos recursos nos bolsos da população. Pelo lado da despesa, a redução de gastos impacta direta ou indiretamente toda a população, com o agravante de, no curto prazo, afetar severamente a atividade econômica em regiões ou setores dependentes de verbas públicas.

Voltando à realidade municipal, a estabilização macroeconômica brasileira coincidiu com o período em que as receitas oriundas do petróleo inundaram os cofres municipais. Com os cofres abastecidos por um tipo de receita que não retirava dinheiro dos bolsos do contribuinte campista, o desgaste do poder público com a função arrecadadora era mínimo. Isso permitiu que o orçamento municipal focasse quase que exclusivamente no que mais agrada aos cidadãos — e mais ainda aos políticos: a injeção de dinheiro na economia real.

A sensação de riqueza infinita fez com que os gestores negligenciassem a escassez que define toda e qualquer abordagem econômica. Isso significa entender e gerir os recursos com a consciência de que cada real gasto com salários, por exemplo, não será gasto com medicamentos; que cada real direcionado à realização de um show demandará um outro real para garantir a compra de material escolar.

Ao ignorar a limitação orçamentária, principalmente no longo prazo, diversos governos municipais gastaram como se as restrições financeiras não existissem: contratação de milhares de servidores, inauguração de centenas de prédios públicos e, mais recentemente, a construção de obras faraônicas cujos projetos financeiros, se apresentados numa empresa privada, seriam motivo de demissão sumária. Porém, com o declínio expressivo das receitas do petróleo (passaram de quase 900 milhões em 2014 para um pouco mais da metade disso em 2018), as vacas gordas emagreceram, a maré baixou e mostrou quem estava nu.

O tempo do gasto desenfreado deu lugar à necessidade de contingenciamentos e cortes recorrentes. Como agravante, temos o fato de as regras do gasto público brasileiro estarem entre as mais rígidas do mundo. O gasto com pessoal, dada a ampla estabilidade e a virtual impossibilidade de redução salarial, é praticamente inamovível; a herança de centenas de estruturas públicas — muitas delas necessárias, obviamente — impõe um custo de manutenção significativo. Além disso, grande parte das receitas são “carimbadas”. Ou seja, possuem destinação legal, o que reduz a margem de manobra do orçamento.

Dado o cenário traçado, é difícil não reconhecer os méritos da administração atual. Por mais antipática e desgastante que seja a medida, a não-concessão de reajuste aos servidores garantiu o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, importante instrumento de saúde das contas públicas. A renegociação de contratos e a conquista — ainda que precária — da mudança na forma de pagamento da dívida contraída na gestão passada foram essenciais para impedir um shutdown da máquina pública. A iniciativa de buscar reduzir a dependência dos royalties com aumento da arrecadação própria foi também um resgate de uma das funções primordiais da Fazenda Pública, que é recolher aos cofres valores compatíveis com seus gastos.

Porém, na esteira das iniciativas federais para melhoria da gestão dos recursos públicos, como a Reforma da Previdência e a perspectiva de uma Reforça Administrativa, por exemplo, é preciso que o governo atual busque iniciativas de longo prazo que melhorem a governança do orçamento e reduzam os incentivos. Só assim o futuro da população não será colocado novamente em xeque por conta da irresponsabilidade fiscal.

 

Publicado hoje (29) na Folha da Manhã

 

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