O Flamengo nunca havia conquistado um título nacional ou continental sem alguém da era Zico. Seja dentro do campo, ou no comando fora dele, como Andrade, clássico volante daquele time mítico de 1981 e técnico do último Brasileiro do clube, em 2009. Ao conquistar a Libertadores ontem (aqui), no Monumental de Lima, finalmente se libertou dessa escrita. E, como todo renascimento, foi parto dolorido.
Rei rubro-negro, Zico e sua era de ouro sempre serão a referência maior a qualquer flamenguista. Mas, a despeito do nó tático que tomou do River Plate de Marcelo Gallardo no primeiro tempo, o Flamengo de Jorge Jesus provou que pode haver vida para além do complexo de Édipo. Sem matar o “pai”, encarnou a mensagem generosa que o Galinho de Quintino enviou do Japão — “Pra cima deles, Flamengo!” — e assumiu seu lugar como protagonista da própria história.
Isso posto, resta lamentar por quem não tem nenhum papel a desempenhar na reconquista da América do Sul pelo Flamengo, 38 anos após o feito de Zico. Um deles, o governador Wilson Witzel (PSC) foi driblado por Gabigol ainda no Monumental de Lima. Ao se ajoelhar diante do autor dos dois gols da virada história de 2 a 1, o governador do “tiro na cabecinha” foi alvejado por seu disparo oportunista saído pela culatra.
Não pode ser esquecido que, após fazer gestos obscenos com uma garrafa d’água para o banco do River, Gabigol mereceu a expulsão que os flamenguistas tanto temiam. Mas sua atuação no jogo e depois dele, reduzindo Witzel ao seu papel patético, deram crédito ao jovem artilheiro da Libertadores e do Brasileiro.
Mas Witzel não foi o único “papagaio de pirata” na glória do clube mais popular do mundo. Usando a Força Aérea Brasileira como sua milícia eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro mandou caças para escoltar o vôo do time do Flamengo no retorno ao país. Até aí, tudo bem. Mas quando o piloto, servidor público federal, repetiu no rádio o slogan eleitoral do capitão, ultrapassou, mais que o limite do som, aquele que deveria existir entre público e pessoal.
Witzel e Bolsonaro não chegam a ser uma novidade. Ditador fascista, Benito Mussolini também aproveitou o Bicampeonato Mundial da Itália de 1934 e 1938 para fazer propaganda política. Embora composto de craques, como Giuseppe Meazza, faltou àquele grande time alguém com a atitude de Gabigol. Todos faziam a saudação fascista antes dos jogos.
Do lado de cá do Atlântico, os exemplos são mais próximos. E independem de bandeira ideológica. Pode ser o ditador Emílio Garratazu Médici — referência presidencial maior assumida por Bolsonaro — pegando carona na glória da Seleção Brasileira de 1970, na volta do Tri no México.
Pode ser a desastrosa tentativa de Dilma Rousseff na Copa de 2014, sediada em um Brasil que o PT acintosamente quis vender como “Pátria de Chuteiras”. O placar final (relembre aqui)? Basta ver o algarismo vaticinado pela “presidenta” antes da fatídica semifinal contra a Alemanha.
Na vitória e na derrota, inerentes ao futebol e à vida, o populismo político poderia fazer o favor de ficar bem longe do campo. Nele, não serve nem como gandula ou maqueiro.