Morreu ontem (05), aos 103 anos, o dono de um dos rostos mais icônicos do século 20: Kirk Douglas. Estrela da Era de Ouro de Hollywood, entre os anos 1950 e 1960, era poderoso e viril na presença física, em um tempo que isso era natural, não condicionado em academias e anabolizantes. Sua marca era outro detalhe natural: o inconfundível furo no queixo. Filho de imigrantes judeus da Rússia, nasceu nos EUA e foi batizado Issur Danielovitch. Mudou o nome para Kirk Douglas ao se alistar na Marinha do seu país, pela qual lutou na 2ª Guerra Mundial (1939/45) contra o Império do Japão.
Como ator, Kirk concorreu ao Oscar três vezes. Pelo papel do pugilista inescrupuloso em “O Invencível” (1949), de Mark Robson; como o ambicioso produtor de cinema em “Assim Estava Escrito” (1952), de Vincente Minnelli; e como o atormentado pintor holandês Vincent Van Gogh, em “Sede de Viver” (1956), também de Vincente Minnelli, codirigido por George Cukor. Sem nunca ganhar, receberia o Oscar honorário em 1996 pelo conjunto da carreira. Seu filho, o ator Michel Douglas, levaria a estatueta dourada como ator por Wall Strett (1987), de Oliver Stone.
Mas os papéis pelos quais Kirk será para sempre lembrado foram em três clássicos. Dois deles dirigidos pelo, talvez, mestre do cinema dos EUA, Stanley Kubrick. O primeiro é um dos maiores filmes de guerra já realizados. “Glória Feita de Sangue” (1957) é baseado em uma história real da 1ª Guerra Mundial (1914/18) no Exército Francês. Que imortalizou a sentença do pensador inglês Samuel Johnson: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. O segundo talvez seja o auge de Kirk, ao protagonizar “Spartacus” (1960). Baseia-se em outra história real, a revolução de escravos na Roma Antiga, liderada por quem Karl Marx consideraria o primeiro herói da luta de classes. Cujo intérprete resgatou da lista negra da caça ao comunismo nos EUA o roteirista Dalton Trumbo.
Para alguém que está nessa história de jornalismo há mais de 30 anos, nenhum filme estrelado por Kirk Douglas marcou mais do que “A Montanha dos Sete Abutres” (1951). Foi dirigido por outro mestre do cinema, o austríaco Billy Wilder. Que foi jornalista em seu país natal, quando tentou entrevistar Sigmund Freud, antes de emigrar aos EUA para fugir do avanço da Alemanha Nazista. E se tornar um dos maiores nomes de Hollywood, primeiro como roteirista, depois também como cineasta. Na corrupção da ética jornalística para ganhar leitores, tanto quanto hoje qualquer Zé Mané busca likes nas redes sociais, o diretor/roteirista e seu protagonista estavam mais de meio século à frente do seu tempo. Como convém aos gênios.
Se ainda não assistiu a nenhum desses filmes, você não sabe a inveja que tenho de você. Cada um deles foi descoberta, e referência, para a vida inteira. Como observou após a morte de Kirk Douglas uma outra jornalista, a quem muito prezo: “A gente sabe que uma vida valeu a pena quando sua morte aos 103 anos nos surpreende”.