Promotor e OAB de Campos na crise da Covid-19 — Erro, virtudes, crítica e desculpas

 

Desde a noite de segunda (20), com a repercussão da entrevista do promotor de Justiça Marcelo Lessa Bastos à InterTV, sugerindo adoção de critérios médicos que privilegiassem o tratamento dos doentes de Covid-19 que cumprem as regras de isolamento social, em detrimento de quem as quebrou e questionou, a polêmica foi inevitável. E tomou conta das redes sociais não em Campos e região, mas até em níveis estadual e nacional.

A repercussão levou a 12ª subseção da OAB de Campos a emitir ontem uma nota de repúdio à posição externada pelo titular da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos. E um dos mais ativos integrantes do gabinete de crise do município para o enfrentamento da pandemia. Contra a qual tem atuado diuturnamente, sete dias por semana, com poucas horas de sono entre eles, em Campos e municípios vizinhos.

Mas não há como não concordar com a conclusão da nota da OAB-Campos: “Inobstante a dedicação e a preocupação demonstradas pelo Promotor de Justiça Dr. Marcelo Lessa Bastos, tais elementos não o legitimam a definir o critério a quem deve ser ou não concedido o direito à vida”. Como não há também como ignorar a hipocrisia, leiga em direito e medicina, de quem usa as redes sociais para pregar contra o isolamento social. Mas agora grita pelo seu direito constitucional de ser atendido, caso seja contaminado por uma doença que se propaga através do contato social.

Todos os que estão na linha de frente contra a Covid-19 em Campos e região sabem da importância de Marcelo Lessa em seu combate. E como toda a população estaria mais exposta à doença, se não fosse o trabalho do promotor. Isso não lhe dá, por óbvio, o direito de sugerir critérios para uma decisão que cabe apenas aos médicos e demais profissionais de saúde. Que, certamente, teriam muito mais trabalho em salvar vidas, sem a coragem, a dedicação e a veemência do titular da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos.

Embora possa ter acertado nas suas ações no combate à pandemia, Marcelo errou no que disse. Mas, como é seu hábito profissional e pessoal, errou pelo excesso. Não pela omissão.

Abaixo, o pedido de desculpas do promotor, seguido da nota de repúdio do OAB às suas declarações:

 

Promotor de Justiça Marcelo Lessa em sua atuação no gabinete de crise contra a Covid-19 (Foto: Folha da Manhã)

 

Marcelo Lessa Bastos — Já me reportei ao procurador-geral (do Estado do Ro de Janeiro, Eduardo Gussem), reconhecendo a inconveniência da entrevista, e prefiro não alimentar mais qualquer tipo de polêmica, em respeito a todas as pessoas e instituições que possam ter de sentido ofendidas, com quem aproveito para me desculpar.

 

 

NOTA DE REPÚDIO

No dia de hoje (21.04.2020), deparamo-nos com uma entrevista (concedida a um canal de televisão e reproduzida por inúmeros outros meios de comunicação), na qual o Promotor de Justiça Dr. Marcelo Lessa Bastos defendeu a “escolha” de pacientes que receberiam atendimento médico em decorrência da COVID-19 deve recair sobre aqueles que estão seguindo as recomendações de isolamento, em detrimento dos demais que, porventura, não estivessem respeitando as mesmas regras de distanciamento social.

Devemos ressaltar, desde logo, que concordamos inteiramente com as orientações das autoridades médicas mundiais, que recomendam o isolamento social no presente momento, em especial para que se consiga controlar o número de pacientes que venham a ser infectados simultaneamente pelo coronavírus, para que, por conseguinte, não haja o colapso no atendimento médico a ser prestado a esses pacientes.

Todavia, por evidente, não podemos concordar com a “sugestão” transmitida pelo aludido Promotor de Justiça na reportagem jornalística antes referida, visto que associar-se a tal pensamento seria desconsiderar toda a trajetória de lutas/conquistas em prol dos direitos humanos, os quais nutre como fundamento a dignidade da pessoa humana.

A situação é delicadíssima e todo o esforço está sendo feito para que não cheguemos ao momento de “escolha” daqueles que serão atendidos. No entanto, caso porventura (e lamentavelmente) esse momento aconteça, em hipótese alguma pode-se validar a opinião de um membro do Ministério Público, por mais respeitável que seja.

A dificílima decisão a ser tomada – no caso concreto que eventualmente venha a ocorrer – deve caber exclusivamente ao profissional médico, que, por sua vez, levará em conta o seu conhecimento técnico acerca da matéria e os princípios norteadores da ética médica.

Inobstante a dedicação e a preocupação demonstradas pelo Promotor de Justiça Dr. Marcelo Lessa Bastos, tais elementos não o legitimam a definir o critério a quem deve ser ou não concedido o direito à vida, razão pela qual a 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ manifesta o seu repúdio aos comentários e opiniões emanadas pelo referido membro do Ministério Público na matéria jornalística acima mencionada.

Campos dos Goytacazes, 21 de abril de 2020.

Cristiano Simão Miller, presidente da 12ª Subseção da OAB/RJ

Casa do Advogado Rua Barão da Lagoa Dourada, 201 – Pq. Jardim Maria Queirós – Campos dos Goytacazes – RJ CEP.: 28035-211

Tel.: (22) 2726-1200 – E-mail: campos@oabrj.org.br – Site: www.oabcampos.org.br

 

Leia mais sobre o assunto aqui.

 

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