Morreu de infarto na manhã deste último domingo de maio (31) o ondotólogo e artista plástico Lenildo Mambreu. Ele tinha 69 anos e seu corpo foi encontrado dentro do seu carro, no estacionamento do prédio onde resida, na rua da Baronesa. Ele estaria indo para a padaria, ou teria se sentido mal e iria buscar atendimento hospitalar. Deixa a filha Talita, fruto do seu segundo casamento.
Mambreu era professor aposentado da Faculdade de Odontologia de Campos (FOC), na qual formou gerações de profissionais. E também muitos amigos, quando o contato sério da sala de aula era por vezes complementado na humanização democrática da mesa de bar. Estava perto de se aposentar também como odontólogo da Prefeitura de Campos, onde trabalhou nos últimos anos cedido à Associação Irmãos da Solidariedade, onde era profissional querido entre os doentes, portadores de HIV. A humanidade de Mambreu era sua característica mais sóbria.
Conheci Mambreu no início dos anos 90, através de uma querida amiga comum, a advogada Rosemary Lopes de Carvalho. E dali em diante nos tornamos também amigos. Fui algumas vezes à casa dele e o recebi na minha. E dividamos mesas de amigos, restaurantes e bares entre Campos, Atafona, Grussaí, Farol e Búzios. Entre a última década do séc. 20 e a primeira do séc. 21, era mais comum nos cruzarmos na noite, quando fechamos juntos alguns bares. Contato que se tornou espaçado com os hábitos mais regrados adotados por ambos na última década.
Lenildo tinha origem italiana. Seu nome de família, segundo contava, era um abrasileiramento do fiscal da imigração, que registrou o “Manfredi” do seu avô paterno como Mambreu. Amante da boa música, adorava cantar. Depois de umas doses de whisky, sua bebida preferida nos tempos de boemia, era inevitável que lançasse o dó de peito nos versos de “Prelúdio para ninar gente grande”, composição de Luiz Vieira: “Sou menino-passarinho/ Com vontade de voar”.
Além da humanidade, da sensibilidade e do amor às artes, Mambreu tinha outras características muito pessoais. Uma delas era reforçar ou alterar a acentuação tônica ao verbalizar determinadas palavras. Que fazia para dar caráter assertivo às sentenças que proferia. Depois de algumas doses de whisky, quando queria chamar alguém, vociferava: “ANda CÁ, Esse meniNO(A)!”. Oralmente, reforçava a condição de paroxítono de “anda” e “esse”, como de oxítono de “cá”. Mas, sem provavelmente se ligar nisso, reinventava o paroxítono “menino(a)” como oxítono.
Quando realmente não gostava de algo, Mambreu também recriava uma conjugação verbal paroxítona como proparoxítona. E bradava: “Eu DEtesto!”. Citando sempre o autor, é a sentença que passei a adotar na oralidade quando quero realçar aversão a algo. Mais que qualquer explicação, quem escuta entende perfeitamente. Não é preciso conhecer as regras da língua portuguesa, basta nela se expressar e reconhecê-la de ouvido.
Além do magistério e do exercício da odontologia, outra coisa quem Mambreu levava muito a sério era a pintura. Mais que suas reinvenções na oralidade das mesas de bar, era entre tintas e tela que ele mais se concentrava em expressar sua visão de mundo. Um quadro seu de uma paisagem marinha noturna, dada de presente ao diretor teatral e poeta Antonio Roberto Kapi, acabou ficando com Neivaldo Paes Soares, após a peça “Pontal” ser encenada no bar e residência deste, no Pontal real do verão de 2010.
Entre arcadas de tubarão, cascos de tartaruga, redes de pesca e boias de navio, o quadro permaneceria como peça de decoração central de um lugar que virou lenda. Em julho de 2012, o mar saltou da tela de Mambreu para levar a construção.
Ontem, em sua última postagem nas redes sociais, Mambreu publicou aqui uma foto sua de viagem à terra do seu avô. E escreveu: “Nessa quarentena tão prolongada, nada para fazer, pelo menos é ótimo lembrar das viagens — hoje: Capri (Itália, querida) e ouvir Sinatra em LPs! Abração, amigos!”.
Hoje, após ter nos apresentado há 30 anos, Rosemary registrou aqui o que é ainda pior diante da perda de Mambreu nestes tempos de pandemia: “Dói tanto, é tão difícil, saber que ele tem tantos amigos e morreu solitário. Dói saber que ele vai ter um velório rápido e sem a presença desses amigos, que ele prezava tanto”. Após 69 anos bem vividos, a saudade é de um menino-passarinho que voou.
Uma pena nos deixar tão cedo. Meus sentimentos à família.