“Eduardo Paes (DEM) é franco favorito na eleição a prefeito do Rio em 15 de novembro”. Na manhã de ontem (03), em entrevista ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, foi o que apostou o deputado estadual Chico Machado (PSD), presidente da Comissão que analisa o pedido de impeachment do governador Wilson Witzel (PSC) na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). E Chico nem é correligionário ou aliado político do ex-prefeito carioca, pré-candidato a governar a cidade do Rio pela terceira vez. Nesta entrevista exclusiva à Folha, Eduardo Paes falou do legado das Olimpíadas de 2016 e demais realizações dos seus dois mandatos como gestor da capital fluminense. Admitiu o erro no projeto da ciclovia Tim Maia, que desabou a primeira vez em 2016 “e me causa muita dor, principalmente por aquilo que é irrecuperável, que é a vida de duas pessoas”. Equívoco que não enxerga ao ter insistido com a candidatura do deputado federal Pedro Paulo (DEM), seu aliado político, para sucedê-lo na Prefeitura do Rio em 2016, eleição vencida por Marcelo Crivella (Republicanos). A quem não poupou de críticas: “pode ter TV Record, Igreja Universal, máquina da Prefeitura, apoio do Bolsonaro, que eu te garanto que o Crivella não será reeleito. Ele foi, tem sido um péssimo prefeito para o Rio, incompetente, sem capacidade de compreender a cidade”.
Paes também alfinetou a deputada federal Clarissa (Pros), outra pré-candidata à Prefeitura do Rio: “Sorte de Campos, que tem um Garotinho a menos para enfrentar”. Como fez com os pais da parlamentar campista, os ex-governadores Garotinho (sem partido) e Rosinha (Pros). Ainda assim, ressalvou não ficar feliz com as prisões “nem do Garotinho, nem do Lula, nem do Cabral”, único dos três que continua na cadeia. O ex-prefeito carioca também lamentou o processo de impeachment enfrentado por Witzel, que o derrotou no 2º turno do pleito a governador de 2018. Mas lembrou: “Em alguns momentos eu até o chamei de ‘Kinder Ovo’. Mas vários dos aspectos que surgem hoje, eu apontei na eleição (…) isso só mostra que eu tinha razão, isso não é tarefa para pessoas que não têm experiência, não têm capacidade, que a gente não sabe nem quem é ou de onde veio”. Lacônico ao responder sobre as delações premiadas que o denunciaram por recebimento de dinheiro de caixa dois para campanha, Paes ressaltou ter “muito orgulho de marchar ao lado do deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ)”, presidente do Congresso Nacional. E reafirmou seu maior objetivo: “eu ainda vou ser governador do estado do Rio”. Missão na qual ressaltou a importância política de Campos, “uma cidade que eu adoro”, embora tenha preferido não opinar sobre sua eleição a prefeito.
Folha da Manhã – Como está a sua pré-candidatura a prefeito do Rio pelo DEM? Trabalha para vencer a eleição em turno único, como pesquisas chegaram a indicar, após o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) desistir de disputar o pleito?
Eduardo Paes – Eu sigo muito animado com a pré-candidatura. É uma pré-candidatura que busca resgatar a autoestima do carioca, botar a Prefeitura para funcionar mais uma vez. Agora, eu não me animo nem com pesquisa que me coloca lá na frente, nem me deprimo com pesquisa que me coloca atrás. Então, se a eleição vai ter um turno, dois turnos, isso depende da população. Eu vou disputar eleição como sempre fiz, respeitando os meus adversários e lutando para vencer.
Folha – Campista, de uma das famílias mais tradicionais da política goitacá, a deputada federal Clarissa Garotinho também seria pré-candidata a prefeita carioca. Como você vê?
Paes – Eu acho que é um direito dela. Me parece que ela já mora no Rio há muito tempo. Enfim, é um direito dela ser candidata pelo Rio, ou por Campos, ou por qualquer lugar. Sorte de Campos, que tem um Garotinho a menos para enfrentar.
Folha – Prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) é candidato à reeleição. Embora desgastado, tem a máquina municipal, o apoio da Record, da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e do clã Bolsonaro, após seu partido ter abrigado o senador Flávio e o vereador carioca Carlos, filhos do presidente. Que peso isso pode ter no pleito?
Paes – Sim, eles também são donos da TV Record. Então, de fato, é muita máquina. A vantagem para os adversários do Crivella, o que é uma tragédia para o Rio, é que ele é muito ruim. Então, pode ter TV Record, Igreja Universal, máquina da Prefeitura, apoio do Bolsonaro, que eu te garanto que o Crivella não será reeleito. Ele foi, tem sido um péssimo prefeito para o Rio, incompetente, sem capacidade de compreender a cidade. Então, tenho certeza, o Rio felizmente vai mandar o Crivella de volta para casa; ou para a igreja dele.
Folha – Se a aliança entre Crivella, a Iurd e o clã presidencial for derrotada na cidade do Rio, seria um golpe nessa mistura entre religião e política? Especificamente no projeto de poder político cada vez mais claro dos pentecostais?
Paes – Olha se você perguntar uma qualidade que eu vejo no Crivella é ele ser um homem de fé, ter uma religião. Então eu não vejo como um golpe a derrota dele na mistura entre religião e política, não. É um golpe na incompetência, na incapacidade, no amadorismo no trato da coisa pública, no desrespeito, na falta de vontade e disposição em trabalhar pela cidade que o elegeu prefeito quatro anos atrás.
Folha – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não foi o primeiro a se aproximar dos evangélicos. O ex-governador Anthony Garotinho (sem partido), apesar de comunista e ateu na juventude, foi precursor nisso. E Crivella, com o aval do tio, o “bispo” Edir Macedo, foi ministro da Pesca de Dilma Rousseff (PT), com o aval do ex-presidente Lula (PT). Como analisa?
Paes – É isso mesmo, é uma coisa curiosa. Você vê que a direita nessa eleição, supostamente conservadora, evangélica e contra os comunistas, é representada pelo Crivella, que foi ministro da Dilma. E a esquerda é representada por setores que trabalharam e apoiaram, por exemplo, a eleição a governador de Sérgio Cabral (MDB). Então, acho que isso é uma grande confusão. E, como o Crivella, a única qualidade que eu vejo no ex-governador Garotinho; e, neste caso, é a única mesmo; é o fato dele ser um homem de fé. Pelo menos eu quero crer que essa seja a única verdade que ele conta.
Folha – Lula, quando o PT era governo federal, também foi aliado do então governador Sérgio Cabral e de você, quando prefeito do Rio. O primeiro foi e o segundo continua preso por corrupção. O que pode dizer daquela relação de proximidade entre as três esferas de poder, que teve como marco as Olimpíadas de 2016? Qual o legado do evento à cidade?
Paes – Olha, enfim, todas as pessoas que cometeram desvios, crimes, estão respondendo pelos seus crimes. Há o caso do ex-governador Garotinho, que já foi preso aí seis ou sete vezes (na verdade, foram cinco vezes), infelizmente o caso do ex-governador Sérgio Cabral e do ex-presidente Lula. Eu não fico feliz com a prisão de nenhum deles, nem do Garotinho, nem do Lula, nem do Cabral; lamento que tenham cometido erros. A Olimpíada foi um evento fantástico para a cidade, deixou um enorme legado, com um aporte enorme de recurso da iniciativa privada na construção dos estádios olímpicos, com expansão da rede de metrô, com o Porto Maravilha, com a implantação de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de BRTs (Bus Rapid Transit, ou ônibus de trânsito rápido). Então, quem conhece o Rio, sabe do fantástico legado deixado pelas Olimpíadas.
Folha – Todos que frequentam a cidade do Rio são capazes de notar as realizações das suas duas gestões. A maior delas talvez tenha sido derrubar o elevado da Perimetral, na descida da ponte Rio/Niterói, para revitalizar a zona portuária da cidade com o Aquário, o Museu do Amanhã e um boulevard com áreas de lazer, bares, restaurantes e atividades culturais. O ponto negativo talvez tenha sido a ciclovia Tim Maia, que teve desabamento de trecho a primeira vez em 2016, matando duas pessoas. Entre uma coisa e outra, qual a média?
Paes – Olha, nós realizamos muito. Além do Porto Maravilha, você tem 150 km de BRT, você tem 300 escolas; eu fiz mais escolas no Rio do que o Brizola fez Cieps; você tem 115 clínicas da família, novos hospitais. Foi um governo de muita realização. Infelizmente, a gente errou ao ter implantado aquela ciclovia, você tem ali um erro de projeto técnico. Mas a responsabilidade política é do prefeito. Eu era o prefeito à época e me causa muita dor, principalmente por aquilo que é irrecuperável, que é a vida de duas pessoas.
Folha – Você foi citado como destinatário de caixa dois em delações premiadas de Benedicto Barbosa da Silva Júnior e Leandro Andrade Azevedo Odebrecht, ex-executivos da Odebrecht; de Renato Pereira, ex-marqueteiro do MDB; e de Lélis Marcus Teixeira, ex-presidente da Fetranspor. O que pode dizer sobre esses três casos?
Paes – Eu só conheço os dois primeiros casos. E ambos não condizem com a verdade.
Folha – Na eleição a prefeito do Rio em 2016, você foi criticado por insistir com a candidatura do deputado federal Pedro Paulo (DEM) para sucedê-lo, após ele ser acusado de violência doméstica contra a esposa. O fato é que, no 1º turno, o centro se rachou entre ele e os candidatos Índio da Costa (PSD) e Osorio (PSDB). Juntos, os três fizeram 33,73% dos votos, mais que os 27,78% de Crivella, ou os 18,26% de Freixo. Que foram o 2º turno, vencido pelo primeiro. Não foi um erro estratégico previsível? Pode ter sido arrogância?
Paes – Olha, eu coloquei o melhor candidato para a cidade, apresentei o melhor candidato para a cidade, o mais preparado, o que tinha condições de enfrentar aquele momento de crise que o Brasil já vivia; a gente já vinha de um decréscimo do PIB de 7,5%. Em relação à acusação que ele sofreu, ele foi inocentado depois de uma investigação da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF), a pedido do (ex-)procurador(-geral da República) Rodrigo Janot, que nunca deu mole para político nenhum, e no Supremo Tribunal Federal (STF). Então a notícia não era verdadeira, a acusação não era verdadeira, ele foi inocentado, mas esse foi um dos fatores que prejudicou a candidatura dele. Infelizmente, quem perdeu foi o Rio, tendo que ver o Crivella se converter nessa tragédia. Eu não diria que foi arrogância, não. Foi a crença que eu estava apresentando para a cidade o melhor candidato.
Folha – Da eleição de 2016 à de governador, em 2018, até que ponto o fenômeno Wilson Witzel (PSC), com um dígito nas pesquisas até a semana do 1º turno, mudou a política fluminense? Credita o que aconteceu ao apoio do bolsonarismo, sobretudo a partir de Flávio, e de alguns importantes pastores pentecostais, que apostaram na reta final, via redes sociais, no então desconhecido ex-juiz federal?
Paes – Olha, eu acho que ficou muito claro que a vitória do governador Witzel em 2018 se deve ao apoio do presidente Bolsonaro, da família Bolsonaro, a esse desejo das pessoas que aconteceu em 2018 pela “nova política”; ele era um desconhecido. Em alguns momentos eu até o chamei de “Kinder Ovo”. Mas vários dos aspectos que surgem hoje, eu apontei na eleição. Eu sinceramente torcia que, após a minha derrota, ele fizesse um bom governo. E lamento que a gente esteja vivendo a situação que estamos vendo. É muito ruim para um estado já tão dilacerado como o Rio de Janeiro, que tem todos seus ex-governadores presos, a começar pelo senhor Garotinho e a senhora Rosinha (Garotinho e Rosinha estão em liberdade desde 31 outubro de 2019).
Folha – No atropelo de Witzel, ele acabou o 1º turno com 41,28% dos votos, contra seus 19,56%. Você ainda conseguiu tirar boa diferença, perdendo o 2º turno com 40,13% dos votos, contra os 59,87% dele. Foi a derrota de um político experiente na vitória da antipolítica? Como olha para isso diante da possibilidade real e presente do governador sofrer um impeachment, pelo que foi revelado na operação Placebo?
Paes – Como eu disse anteriormente, eu não vejo com alegria, não; eu vejo com tristeza. Ele me derrotou, ele venceu a eleição, teve a maioria do apoio da população do estado. A partir do momento da minha derrota, eu a reconheci e torci para que ele fizesse um bom governo. O Rio não merecia, de novo, um governador que cometesse esse tipo de erro. Nós merecíamos um governador que estivesse produzindo. Claro, isso só mostra que eu tinha razão, isso não é tarefa para pessoas que não têm experiência, não têm capacidade, que a gente não sabe nem quem é ou de onde veio.
Folha – Witzel foi alvo da operação federal por um suposto esquema de superfaturamento e desvio de verbas da saúde, que usaria o escritório de advocacia da primeira dama para lavar dinheiro, envolvendo o empresário Mário Peixoto. É a mesma área, modus operandi e ator do esquema de corrupção de Cabral. O problema não parece ser estrutural?
Paes – Não acho que seja estrutural, não. Eu fui prefeito do Rio oito anos, sou casado, tenho pai advogado; enfim, não há qualquer pessoa que me acuse ou que me denuncie por esse tipo de prática. Acho que isso… infelizmente… eu espero e torço, e quero repetir aqui, espero e torço para que não seja verdade em relação ao governador Witzel.
Folha – Não é segredo que você mantém o objetivo de ser governador. Se eleito prefeito do Rio, há possibilidade deixar o cargo que já ocupou duas vezes para se candidatar em 2022? Todos os ex-governadores vivos do estado, Moreira Franco (MDB), Garotinho, Rosinha e Luiz Fernando Pezão (MDB), foram presos. Cabral ainda está. E o atual, Witzel não deve ter vida fácil pela frente. É uma sina fluminense? Como romper com ela?
Paes – Um dia eu ainda vou ser governador do estado do Rio, sim. Mas não será em 2022. Se eu me eleger prefeito, eu vou terminar meu mandato de prefeito. Não teria como fazer isso com a minha cidade. Mas não tenho dúvida de que eu queria muito dedicar a minha experiência para ajudar um estado tão rico, tão importante, com cidades importantes como Campos; com cidades tão importantes como Petrópolis, Teresópolis, Friburgo; cidades tão importantes como Volta Redonda, Barra Mansa e Resende; com uma região metropolitana que tem tudo para despontar, com uma cidade como São Gonçalo, que precisa de muita atenção do poder público. Um estado com um potencial como o nosso, é lamentável que a gente tenha esse tipo de governadores. Um dia, se Deus quiser, ainda vou ser governador e mostrar que o estado do Rio não precisa seguir essa sina, não; que a gente vai renovar isso. E, se Deus quiser, com a maioria dos votos de Campos, que é uma cidade que eu adoro.
Folha – Já falamos sobre os evangélicos na política. E seu DEM em Campos é controlado pelo pastor Eber Silva, ex-aliado de Garotinho, ex-deputado federal e pré-candidato a prefeito na cidade, que costura uma aliança com o SD do deputado estadual Rodrigo Bacellar às eleições municipais. Como vê esses movimentos? Prefeita de Quissamã e pré-candidata à reeleição, Fátima Pacheco é o quadro mais forte do seu partido no Norte Fluminense?
Paes – A eleição para governador é uma coisa, né? Você olha para o quadro todo. De prefeito, ela vai para especificidades locais. Então, eu não tenho, focado aqui na política municipal da cidade Rio de Janeiro, eu não tenho como dar opinião na política de qualquer outro município do estado. A não ser torcer para que os bons quadros se reelejam e a gente possa ter na política, vencendo as eleições municipais, gente preparada para governar.
Folha – Da planície goitacá ao Planalto Central, o DEM controla o Congresso Nacional com Rodrigo Maia na Câmara e Davi Alcolumbre (AP), no Senado. O primeiro vinha sendo apontado como principal anteparo institucional aos arroubos autoritários do bolsonarismo. Mas parece ter engessado após a aliança do presidente com o Centrão. Qual a sua leitura?
Paes – O Brasil deve muito ao deputado Rodrigo Maia. Eu diria que ele é o “Senhor Estabilidade”. Se não fosse Rodrigo Maia, nós não teríamos ultrapassado o governo Michel Temer (MDB), nós não teríamos vivido minimamente este primeiro ano e meio do governo Bolsonaro. Então, eu tenho muito orgulho de marchar ao lado do deputado Rodrigo Maia e acho que ele hoje é um fator de estabilidade e muita força no cenário político brasileiro. É necessária a presença dele na política nacional, e devemos muito a ele.
Folha – Como avalia a política de enfrentamento da pandemia da Covid-19 pelos governos Bolsonaro, Witzel e Crivella? O que faria diferente?
Paes – Faria muita coisa diferente, mas destacaria duas coisas. Primeiro, se eu fosse governador, eu não teria brigado com o presidente da República e estaria trabalhando em parceria com os vários prefeitos do estado do Rio de Janeiro, algo que não acontece neste momento. É um monte de prefeito brigando com o governador, que briga com o presidente, que briga com o prefeito; todo mundo brigando com todo mundo. Isto é muito ruim. O segundo aspecto e que eu agiria diferente é o fato de que nós temos no estado do Rio, mais especificamente na Região Metropolitana, mais de 1.800 leitos da rede estadual, municipal e federal, vazios, prontos para serem usados. E não havia a menor necessidade de se construir esses hospitais de campanha caríssimos e, pelo jeito, com uma série de desvios. Então, eu faria muita coisa diferente, mas destacaria essas duas.
Publicado hoje (04) na Folha da Manhã