Como será a eleição a prefeito de Campos? Quais serão os critérios do eleitor?

 

Enquanto a pandemia da Covid-19 ainda é a pauta principal do Brasil e boa parte do mundo, uma indagação começa a também viralizar na planície goitacá: como serão as eleições a prefeito de Campos, daqui a menos de quatro meses? Geralmente feita junto a outras: por quais critérios o eleitor vai orientar sua escolha? E: o que é possível se esperar do governo que for eleito? Na busca de respostas, em ordem alfabética invertida na metade da entrevista, perguntas foram feitas ao cientista político Hamilton Garcia, professor da Uenf; ao especialista em finanças Igor Franco, professor da Estácio; ao advogado João Paulo Granja, com vasta experiência em legislação eleitoral; e ao jornalista político Ricardo André Vasconcelos, ex-secretário de Comunicação de Campos. Em comum, os quatro apontaram as imensas dificuldades financeiras que o prefeito que sair das urnas vai encontrar a partir de 1º de janeiro de 2021. Ele(a) e as quase 600 mil almas que governará.

 

Hamilton Garcia, Igor Franco, João Paulo Granja e Ricardo André Vasconcelos (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Folha da Manhã – Em painel da semana anterior (confira aqui), com o historiador Arthur Soffiati, os advogados Carlos Alexandre de Azevedo Campos e Cristiano Miller, o cientista político George Gomes Coutinho, o especialista em pesquisas Murillo Dieguez e o sociólogo Roberto Dutra, a incerteza sobre a eleição a prefeito de Campos, daqui a menos de quatro meses, foi uma unanimidade. Como você enxerga?

Hamilton Garcia –  O relativo fracasso, no campo político, da renovação/inovação, da gestão Rafael, torna, de fato, a eleição algo incerta, na medida em que a aposta pela mudança gorou, mas a pressão pela mudança só aumentou. O modo como os eleitores vão se comportar diante deste paradoxo é que é o busílis.

Igor Franco – Concordo com o diagnóstico. A morte do deputado (estadual) Gil Vianna (PSL) e a iminente queda do governador Witzel adicionaram ainda mais incerteza ao pleito. Perdemos o candidato que, talvez, pudesse encarnar com mais proximidade o figurino da direita “lei e ordem”, tão bem exercido por Witzel na eleição estadual de 2018. Além disso, mesmo sendo político há muitos anos, acredito que a tentativa de encarnar uma “renovação” também poderia render frutos. Por outro lado, a crise do coronavírus não pode ser menosprezada, uma vez que a postura do governo municipal gera um contraste muito favorável a Rafael quando comparada à atuação estadual.

João Paulo Granja – Provavelmente, será a primeira eleição em que teremos, com chances reais de serem eleitos, um representante de cada dinastia política que, nas últimas décadas, governam, ou ajudaram a governar, o nosso município. O fato de nenhum dos três despontar como franco favorito, o que talvez venha a ser medido pelo confronto do índice de rejeição de cada qual, permite que outros aspirantes ao cargo máximo do Poder Executivo se somem a esses, com chance de serem escolhidos como a quarta via ao pleito. Cansada de promessas, a população há de esperar que os discursos de cada qual se adeque à realidade financeira de nosso município, já combalido pela crise que se iniciou em 2014, agravada com a pandemia ainda em curso, assombrada, ademais, com a possível repactuação da partilha dos royalties, em julgamento a ser realizado pelo STF.

Ricardo André Vasconcelos – A única certeza aparente é que teremos poucos candidatos. Certos mesmos na disputa são o atual prefeito Rafael Diniz e dois herdeiros brigando pelo espólio garotista em, por enquanto, trincheiras diferentes. Caio Vianna e Wladimir Garotinho têm muito mais semelhanças que diferenças, a começar pela dependência da herança política dos pais. Aliás, é interessante notar que Caio se apoia na popularidade do pai Arnaldo mas, se eleito, quem vai ter influência no governo é a mãe, Ilsan; enquanto Wladimir conta com a boa imagem da mãe, Rosinha, mas na Prefeitura quem vai mandar é o pai, Garotinho. No entanto, há espaço ainda para um candidato que defenda o ideário conservador e falso moralista do bolsonarismo, e para uma candidatura do PT.

 

Folha – A proposta orçamentária para 2021 entregue pelo governo Rafael Diniz (Cidadania) à Câmara, em abril, foi de R$ 1,7 bilhão. Com a queda das receitas do petróleo, arrecadação própria e repasses, por conta da pandemia, estima-se que vá cair para R$ 1,6 bilhão até a proposta da LOA ser encaminhada em agosto. Com R$ 1,1 bilhão para pagamento de servidor e quase a totalidade do resto para custeio, qual a solução aritmética para Campos?

Hamilton – Cortar gastos com a máquina, também legislativa e judiciária, e aumentar os investimentos públicos para o desenvolvimento, atraindo capitais privados e melhorando a utilização dos recursos aplicados em todas as esferas de governo. O que exige também reformas constitucionais, em todos os níveis, que dificilmente terão curso na “normalidade política” do atual sistema de poder.

Igor – A solução aritmética para nosso orçamento beira o impossível. A tese da falência dos municípios vem sendo debatido pelo menos desde 2015, tendo Mansueto Almeida, atual secretário do Tesouro Nacional, como o grande divulgador. O orçamento público brasileiro possui regras que tornam muito difícil realizar qualquer corte profundo de gastos. A recente decisão do STF, que determinou ser inconstitucional a redução salarial dos servidores mesmo quando realizada por redução de jornada, acabou por enterrar de vez o ajuste da folha de pagamento. O corte possível no gasto discricionário já vem sendo feito há alguns anos, convertendo o gestor público em um gerente de caixa, postergando pagamentos ao longo do ano para que seja possível priorizar determinadas despesas.

João Paulo – Talvez o maior pecado de nossos últimos governantes tenha sido supor que os royalties do petróleo fossem infinitos. E, pensando que esta receita iria abarrotar os cofres públicos eternamente, os tenha feito inchar a máquina pública de uma tal forma que, atualmente, não se consegue arcar com os mais básicos compromissos, sem prejudicar o orçamento. A solução do problema não comporta teorias complexas. A máquina há de diminuir de tamanho para voltar a se encaixar no orçamento existente. Aquele que vier a assumir o comando da Prefeitura terá de desempenhar a impopular função de gestor da coisa pública, buscando reduzir os cargos supérfluos ou acumulando mais de uma atribuição em um único servidor. Infelizmente, como dizem os antigos, o cobertor é curto.

Ricardo André – A redução orçamentária é o principal motivo para o baixo número de pretendentes à Prefeitura. Com poucos recursos e os existentes já comprometidos, poucos se aventuram na tarefa árdua de administrar uma massa falida. Não tem receita mágica. Quando o dinheiro sobrava os prefeitos esbanjaram com obras desnecessárias e pouco ou nenhum investimento em projetos que dessem frutos depois que acabasse a era das “vacas gordas”. Mas o que fazer, se do R$ 1,6 bilhão/ano a folha de pagamento consome R$ 1,1 bilhão? O mérito do prefeito Rafael Diniz foi arrumar as contas da Prefeitura, ao mesmo tempo que foi seu maior pecado, porque trabalhou para dentro, não fez política e tem uma alta taxa de rejeição para entrar uma campanha difícil pela reeleição. Difícil, mas não impossível, por causa da falta de experiência dos adversários.

 

Rafael Diniz, Wladimir Garotinho e Caio Vianna (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Em entrevistas ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, respectivamente em 26 de junho, 9 e 10 de julho, os pré-candidatos a prefeito Caio Vianna (PDT), Wladimir Garotinho (PSD) e Rafael falaram em “redução da máquina pública”. Mas nenhum deu detalhes. É uma realidade inevitável? Quando, onde e como deveria se dar essa redução?

Hamilton – O setor público vai sofrer uma retração em termos, mais em função do inchaço da máquina pública e sua ineficiência, salvo algumas exceções, porque a crise pandêmica abalou a dinâmica da globalização e lançou um incentivo à volta da produção nacional. O que, no Brasil, deve fortalecer a tradição desenvolvimentista, significativamente presente no pensamento militar, e responsável pelos grandes avanços do país desde 1930. O problema é o quanto esta tradição efetivamente aprendeu com o autoritarismo e o neopatrimonialismo, ou parasitismo político, que afetaram diretamente a capacidade do Estado de agir racionalmente e concentrar recursos na direção do desenvolvimento humano e material ao longo de todo esse período.

Igor – Em nível municipal, a redução significativa da máquina pública é quase impossível no período de um mandato. Como o gasto de folha e o custeio das funções de saúde e educação são praticamente imunes a cortes, resta reduzir a quase zero todos os gastos não obrigatórios. Isso não significa que não se deve buscar tornar mais eficiente a máquina pública, porém, a solução, só virá no longo prazo aliada a um rígido controle do crescimento das despesas. Entendo que o principal esforço deveria vir através da melhoria na prestação dos serviços públicos. Precisamos de metodologia, indicadores a serem perseguidos e, principalmente, implementar políticas públicas que já tenham sido executadas com sucesso em outros locais; o que se chama de políticas baseadas em evidências, cada vez mais discutidas em cursos de preparação de novas lideranças políticas.

João Paulo – Trata-se de um consenso entre todos os candidatos, bem como de qualquer um que tenha uma mínima noção de economia, ainda que doméstica, não havendo fórmula mágica que permita equacionar a receita, em vertiginosa queda, com o atual tamanho da máquina pública, inchada ao alvedrio dos últimos governantes. Valendo-se do popular jargão, há de se fazer mais com menos. Neste sentido, há de se pensar na fusão de secretarias, bem como na reunião do máximo de atribuições no menor número de servidores, de forma a otimizar o trabalho e permitir a economia necessária.

Ricardo André – Essa história de “reduzir a máquina” e “máquina inchada” tem muito de discurso eleitoral para quem está na oposição. Mas, chegando ao governo, vê que para manter os serviços públicos com um grau médio de eficiência precisa dos servidores. Além disso, os servidores são estáveis e demiti-los é muito difícil. Aqui cabe uma pergunta: se a máquina está inchada porque todos os últimos governos de Campos contrataram servidores eventuais como os chamados “folha de linha” e agora os RPAs?

 

Roberto Henriques (Foto: Folha da Manhã)

Folha – Em 21 de outubro de 2019, o também pré-candidato a prefeito Roberto Henriques (PC do B) foi ao Folha no Ar. Conhecedor do garotismo por dentro, que governou Campos com variantes de 1989 até 2006, ele chamou de “modelo perdulário” o inchaço da máquina pública que disse ter sido inaugurado na gestão Arnaldo Vianna (PDT). E mantido nas administrações Alexandre Mocaiber (sem partido) e Rosinha Garotinho (Pros). Concorda? Por quê?

Hamilton – Tem razão Roberto Henriques, uma liderança autêntica da velha cepa brizolista, que assistiu ao eclipse do reformismo do Muda Campos no transformismo Garotista. E acabou, de alguma forma, levado a tangenciá-lo, em função da despartidarização/despolitização sistêmica da Nova República, agravada, no Estado do Rio, pela Lei dos Royalties de 1997. É a partir desta lei que passamos a viver intensamente, sobretudo em Campos, aquilo que a literatura sobre a divisão internacional do trabalho designava como “maldição do petróleo”, uma realidade que transcende os atores. Mas que eles estão agora obrigados a enfrentar na maré vazante da economia de carbono.

Igor – É tentador apontar um ou alguns culpados pela situação atual. Porém, ainda que entremeada por períodos de maior responsabilidade, a história do orçamento público brasileiro tem muito mais páginas escritas com seus excessos por políticos de diversos partidos e ideologias. Em lugares privilegiados por recursos naturais ou em período de bonança, esse fenômeno foi intensificado. A euforia do Pré-Sal do governo Lula só teve fim na crise de 2015. O governo FHC também aumentou a despesa federal primária, financiada por uma grande elevação da carga tributária. É ingenuidade confiar apenas na virtude dos políticos para salvaguardar as finanças públicas. Do ponto de vista de qualquer agente público eleito, os incentivos são para gastar o máximo possível em busca de sua manutenção no poder, mesmo que isso signifique a ruína econômica no longo prazo. A responsabilidade pela fiscalização, exercida nos termos da lei pelo Poder Legislativo, deve ser de toda a sociedade civil, maior interessada no equilíbrio das contas públicas

João Paulo – O conforto que os royalties do petróleo e a consequente sensação de perpetuidade trouxeram aos nossos últimos gestores uma espécie de ostracismo intelectual, não vislumbrando a necessidade, nem formas de majorar a arrecadação. Nem preocupando-se com o aumento da estrutura municipal, hoje abarrotada por cargos que, se na iniciativa privada, estariam concentrados em menor número de funcionários ou restritos àquelas funções essenciais. Não resta dúvida que políticas baseadas no populismo e no empreguismo são conhecidas, embora irresponsáveis, formas de perpetuação no poder, adotada como mantra por gestores no Brasil afora.

Ricardo André – Os filhos de Rosinha e Ilsan Vianna podem falar de perdulário com conhecimento de causa. No poder, as duas foram promotoras de gastanças como Cepop, Beira-Valão e aquele contrato da Odebrecht de R$ 1 bilhão para fazer 10 mil casas populares, como foi com Rosinha. Ilsan, por sua vez, como primeira-dama de Arnaldo instalou um governo paralelo na secretaria de Planejamento e de lá saíram projetos como o projeto da Praça Salvador, sem falar nos shows milionários. Quanto à máquina não sei se é inchada e ou mal gerida quanto ao aproveitamento do pessoal em determinadas áreas, como na Educação e Saúde, as que demandam mais servidores. Há um controle meio frouxo quanto à produtividade e frequência, que nem a implantação do ponto eletrônico resolveu.

 

Folha – Campos é uma cidade de quase 600 mil habitantes. E quase todos têm pelo menos alguém na família que sobrevive do poder público municipal. O que gera um dilema: não se governa a cidade sem fazer cortes profundos, mas quem se dispuser a fazê-los enfrenta resistências e cresce a taxa de rejeição popular. Como foi com Carlos Alberto Campista (sem partido) e parece ser agora com Rafael. Está certo o dito: “o campista pede, mas não quer”?

Hamilton – Agora não vai ter espaço para “não querer”, sobretudo diante da possibilidade do revés das rendas petrolíferas. A magnitude da crise pode acabar forçando uma mudança drástica de atitude de todos, eleitores e candidatos.

Igor – Montada uma estrutura que distribua benefícios a tantas pessoas, os grupos de interesse passam a ter uma capacidade de mobilização muito grande. Ainda que se suponha que 80% da população não tenha para si ou parente próximo algum tipo de vantagem garantida pelo poder público, o contingente mobilizado de 20% tende a ser muito mais organizado, gerando a impressão de um tamanho maior que o real. É um grande desafio tentar controlar gastos, porém, a alternativa a isso é um ponto em que veremos a incapacidade do cumprimento de obrigações básicas, como os salários. Por fim, esse comportamento não é exclusivo do campista. O inchado Estado brasileiro gera dependência econômica em diversos grupos, dos mais abastados aos mais pobres.

João Paulo – Esse será o desafio daquele que vier a ser eleito para governar o maior município fluminense nos próximos quatro anos: reduzir a inchada máquina pública, bem como a dependência da população por dela extrair seu sustento. Qualquer solução diversa, será mais do mesmo. Setores como a indústria e o agronegócio devem ser priorizados e estimulados, por meio de incentivos, de forma a gerar mais postos de trabalho, diminuindo o impacto que a desmobilização do Estado trará à população. Cabe ao futuro governante decidir se o sacrifício de hoje vale a recuperação econômica de nosso município, além da herança que será deixada para futuras gerações.

Ricardo André – É bem verdade desde o final dos anos 80 quando Campos começou a receber royalties e nos 90 as gordas participações especiais, foram oferecidos à população novos serviços públicos que demandaram mais servidores e mais custos, como escolas, creches, postos de saúde, hospitais. Cortar significa reduzir a oferta de serviços públicos. Foi o que o prefeito Rafael teve a coragem de fazer, ou seja, cortar os dois programas mais populares do governo Rosinha: o Restaurante Popular e a passagem a R$ 1,00. Se o prefeito optou por esses cortes porque entendeu que seriam menos traumáticos financeiramente, foram um desastre politicamente. A falta de recursos pode ser vista nas ruas mal cuidadas. Há anos as faixas de pedestres e toda a sinalização horizontal não têm manutenção.

 

Folha – A rejeição de Rafael é apontada como principal obstáculo à sua tentativa de se reeleger. Ela é ou não justificada? Foi atenuada pela atuação considerada boa no enfrentamento à pandemia da Covid-19? E como a alta taxa de rejeição também do ex-governador Anthony Garotinho (sem partido) pode atrapalhar a pré-candidatura de Wladimir? Os dois têm alguma alternativa política além de se lançarem candidatos a prefeito?

Hamilton – A rejeição de ambos pode representar sérios limites nas respectivas pretensões políticas, o que torna o cenário mais competitivo. Mas, como sempre nesses casos, tudo vai depender do protagonismo dos candidatos e sua capacidade de convencimento. A relação entre eleitores e candidatos é muito dinâmica e também instável, até certo limite, e a crise histórica e a atual jogam um papel, tornando cada eleição uma nova eleição, em termos dos contextos diferenciais.

Igor – Não há discussão de que a situação econômica da população, de modo geral, e, em específico, grupos importantes no xadrez eleitoral, como servidores, RPAs, beneficiários de programas sociais e empresários, está pior hoje do que há quatro anos. Se isso ocorreu por culpa da gestão atual ou se ela impediu uma tragédia ainda maior será o grande embate em termos de narrativa. A magnitude da crise da Covid-19 pode representar uma virada aos 45 do segundo tempo, a depender de como os próximos meses se desenvolvam e, principalmente, da capacidade dos cofres públicos de arcar com o funcionamento da máquina até a eleição. Quanto à rejeição de Garotinho, ela sempre se transportará em certa medida ao seu candidato de apoio, mas Wladimir parece possuir carisma próprio, ajudando a diminuir o efeito negativo. Inclusive, ainda tem a possibilidade de construir uma versão plausível para a desistência do pleito. Já a Rafael não me parece haver alternativa senão concorrer à reeleição.

João Paulo – Não há notícia em nossa história de alguém que tenha sido eleito, contando com maciço apoio popular, nele depositando tanta expectativa e esperança de um futuro promissor. Baseado no discurso, nas promessas e nas soluções apontadas na campanha de 2016, Rafael hoje está sendo julgado. O aval popular conferiu a ele legitimidade para adotar as medidas, que desde o início do governo faziam-se necessárias e prementes, o que não aconteceu. Não se olvida a herança recebida dos gestores anteriores, nem o decréscimo orçamentário, se comparado com anos pretéritos. Tal fato, entretanto, não pode servir de muleta ou justificativa, mas incentivo, para que medidas fossem tomadas de forma a reduzir o aparato estatal. A pandemia, por sua vez, caiu como um balão de oxigênio no governo, tirando o foco dos problemas enfrentados, podendo reequilibrar o páreo de uma eleição que será marcada precipuamente pela análise do índice de rejeição dos candidatos.

Ricardo André –  Rafael está, desde que assumiu, enfrentando uma tempestade perfeita: queda vertiginosa na arrecadação; três empréstimos tomados no apagar das luzes do governo Rosinha e que teve seus efeitos minimizados com a limitação de 10% dos royalties; crise econômica gerada pelo governo Dilma e a pandemia da Covid-19 que ainda assusta Campos e o mundo. Tirando a Covid-19 e a crise econômica, o que não é pouco, a equipe do prefeito Rafael não teve criatividade ou vontade suficiente para e retribuir a confiança da população que o elegeu no primeiro turno. A rejeição que vai encontrar, justa ou não, deve ter mais efeito negativo para Rafael do que a de Garotinho para Wladimir e a de Ilsan para Caio.

 

Página 2 da edição de hoje (18) da Folha

 

 

Ricardo André Vasconcelos, Igor Franco, João Paulo Granja e Hamilton Garcia (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – A rejeição à ex-vereadora Ilsan Vianna (PDT), grande sobretudo quando foi secretária no governo Arnaldo, está distante no tempo para atrapalhar Caio? Sua alegada menor rejeição, na comparação com Rafael e os Garotinho, seria sua grande arma em um eventual segundo turno? Vê chance de a eleição ser definida em turno único, como foi em 2016?

Ricardo André Vasconcelos – Acho difícil uma eleição no primeiro turno. Dificilmente o eleitor vai se empolgar ao longo da campanha, que começa em setembro, quando não se sabe ainda se a pandemia terá passado ou não. E como uma eleição com dois dos principais candidatos herdeiros dos legados dos pais vão suportar os ônus e os bônus da atuação política destes pais. Uma impressão que tive ao ouvir a entrevista do deputado federal Wladimir Garotinho na Folha FM é que ele é hábil o suficiente para tentar uma composição com Caio Vianna já no primeiro turno. A mesma composição que fizeram com o ex-deputado (federal) Feijó na primeira eleição de Rosinha em 2008.

João Paulo Granja – Não há dúvida que dos três pretensos candidatos, Caio Vianna terá menor dificuldade em lidar com a rejeição, tendo em vista os percalços que Ilsan trará a sua candidatura, compensada com o viés positivo que a imagem deixada na população por seu genitor. Talvez, o distanciamento do município de Campos e a falta de experiência na gestão pública, sejam os principais entraves a sua eleição. Diante do grande número de pré-candidatos com reais chances de serem eleitos, dificilmente teremos a eleição definida em turno único.

Igor Franco – A gestão Arnaldo, com presença influente de Ilsan Vianna, terminou antes que eu começasse a votar, por exemplo. Para eleitores abaixo dos 40 é provável que não haja influência alguma. A menor rejeição fará com que Caio tenha um impulso inicial favorável, mas acredito que o eleitor de 2020 estará muito mais crítico após ter entregado uma vitória a Rafael no primeiro turno. Embora importantes, as narrativas deverão ser acompanhadas de medidas concretas. Além disso, com as restrições de locomoção, o engajamento nas redes sociais deve fazer a diferença para qualquer candidato.

Hamilton Garcia – A eleição de 2016 em Campos foi avant la lettre na política nacional, diante do que se veria em 2018, no que tange à derrota das oligarquias. Todavia, do mesmo modo, talvez ela revele as frustrações diante desta mesma renovação, o que deve abrir espaço para o retorno das velhas oligarquias.

 

Folha – No Folha no Ar, Wladimir criticou o juiz Ralph Manhães e o delegado da Polícia Federal Paulo Cassiano, que estiveram à frente da “Chequinho” em 2016 e coordenarão a fiscalização eleitoral em 2020. O deputado disse temer, se candidato a prefeito, que “seja transferida para mim o que houve com a minha família e meu grupo político”. Há quem tenha visto como tentativa de criar suspeição. Ele também questionou o juiz Glaucenir Oliveira. Como você viu?

Ricardo André – Ali foi o dedo da raposa política, possivelmente por sugestão do pai Garotinho. Ao admitir não disputar a eleição temendo a atuação deste ou aquele juiz e do delegado da PF, o deputado tentou na verdade, criar uma narrativa de suspeição por parte das autoridades e se blindar ou procurar inibir a atuação dessas autoridades. Nada mais que isso.

João Paulo – A autonomia e a independência são características que hão de ser preservadas em todos os poderes constituídos, em especial no Poder Judiciário. Por mais que suas decisões não tenham nenhum condão de agradar a todos, os juízes Ralph e Glaucenir são tidos no meio jurídico como referências por seus julgamentos técnicos e bem fundamentados, não havendo como se colocar sobre seu trabalho responsabilidade maior do que possui, pressão injustificada ou desculpa por eventual decisão que venha a ser proferida, a contragosto dos interesses de quem quer que seja. A esfera recursal se presta a corrigir eventuais equívocos interpretativos porventura praticados, não possuindo, portanto, o juiz, palavra final nos julgamentos proferidos.

Igor – Seja como provocação, seja uma preocupação genuína do deputado, todos homens públicos, eleitos ou de carreira, devem estar sujeitos a críticas. As palavras de Wladimir, justas ou não, ficaram muito longe de serem consideradas inaceitáveis. Excetuando casos extremos, como o cometimento de crimes ou condutas manifestamente antirrepublicanas, espero observar uma atuação discreta do Poder Judiciário nas eleições. Mais do que nunca, precisamos de ampla capacidade de discutir abertamente os problemas da cidade e, principalmente, as soluções propostas para os próximos quatro anos. Que, tudo indica, serão tão ou mais desafiadores que os últimos quatro.

Hamilton – O discurso da “perseguição política” é velho conhecido de todos e foi ressignificado pelo PT depois do Mensalão, mas sempre se prestou ao mesmo inequívoco papel: atenuar a repercussão política da descoberta de malfeitos por parte das elites políticas. A questão decisiva não é tanto o que falam os malfeitores e seus círculos, mas o que se está fazendo no STJ, STF, MPF, Congresso Nacional e presidência da República, só para ficarmos na esfera federal, contra as autoridades de Estado que representam uma ameaça a tais práticas antirrepublicanas; muitas vezes sob o silêncio, ou pior, aplausos de importantes formadores de opinião.

 

Folha – Vê entre os demais pré-candidatos alguém com chance de surpreender? Ou o aparente insucesso precoce do governador Wilson Witzel (PSC), fenômeno eleitoral em 2018, dificultou essa alternativa? Como vê a possibilidade do seu impeachment, com denúncias de desvios na saúde durante a pandemia, que inviabilizaram, inclusive, o Hospital de Campanha de Campos?

Ricardo André – Tenho ouvido falar em outros pré-candidatos, mas acho difícil a construção de um nome que ganhe musculatura suficiente até a eleição. O empresário Joílson Barcelos chegou a se colocar como candidato, mas consta que desistiu. Ele talvez pudesse desequilibrar a disputa. Quanto ao governador, ele seguiu o mesmo caminho dos antecessores. A abertura de impeachment com apoio de 69 deputados foi indício de que dificilmente vai conseguir reverter sua cassação. Aliás, é o segundo juiz federal a desiludir os que apostaram que, por ser oriundo do Judiciário, ele estaria acima do bem e do mal. O outro foi o Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato que tirou o ex-presidente Lula da eleição e depois largou a toga para ser ministro do vencedor da mesma eleição.

João Paulo –  Embora ainda não tenhamos uma definição dos nomes que concorrerão ao cargo máximo do Poder Executivo, dentre aqueles que manifestam essa pretensão temos uma eclética lista de aspirantes a quarta via, nenhum deles que possa contar com apoio do governo estadual, maculado pelas acusações de corrupção; ou do Governo Federal,  que prometeu se manter distante do pleito municipal. Não apenas os desvios na Saúde, mas o distanciamento popular e da Assembleia Legislativa, além dos embates com o Governo Federal, marcaram a gestão do governador Wilson Witzel, encontrando-se em vias de ter sua breve carreira política encurtada. Por mais que não existam provas de que teria diretamente participado dos desvios da Saúde, o governador está sendo julgado pelo conjunto da obra, no julgamento político a que será submetido.

Igor – Após o falecimento de Gil Vianna e sem um sucessor natural, entendo que a disputa se dará entre Rafael Diniz, Wladimir Garotinho, ou seu indicado, e Caio Vianna. Embora com menor rejeição, a ausência de base e um discurso histórico dos outros pré-candidatos deve impedir um crescimento mais forte para a disputa do segundo turno. A queda contratada de Witzel e a inominável gestão de Bolsonaro na pandemia também devem manter a tradição de grandes questões nacionais não afetarem o pleito municipal.

Hamilton –  A Alerj tem vasto histórico de más práticas políticas, mas parece inclinada a não sustentar um governador que mostrou mais apetite pelo poder do que pela gestão pública, como se viu no atropelo/desmazelo das políticas de combate à pandemia no Estado do RIo. Isto subtrai força de quem pretendia se projetar à sombra do poder estadual, mas não interfere radicalmente no potencial das oligarquias tradicionais, cujos desafiantes maiores, em tese, estariam no campo da postulação renovadora, de direita ou centro-esquerda ou esquerda. Estas últimas pulverizadas em pelo menos três candidaturas: Rafael, Odisséia e Roberto.

 

Folha – Desde o pleito presidencial de 2014, o Brasil vive um clima de polarização política que se acentuou com o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 e com a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), em 2018. Se as redes sociais são sua chama e termômetro, os muitos comentários nos streamings do Folha no Ar com Caio e, sobretudo, nos dias seguidos com Wladimir e Rafael, são um indicativo de que os ataques raivosos e de baixo nível se sobreporão à discussão de propostas? A democracia vive esse dilema? Há solução?

Ricardo André – A polarização é tanta que, em plena pandemia, um medicamento virou objeto de disputa política. Quem apoia Bolsonaro não acredita na pandemia, mas quando tem qualquer sintoma já chega ao hospital pedindo cloroquina. E os que não gostam do presidente insistem que o remédio é inócuo. Em algum outro momento da vida a gente já foi ao médico já escolhendo o que tomar ou não? A facilidade de acesso às redes sociais propicia um paradoxo: ao mesmo tempo em que democratiza a informação, põe em risco a própria democracia com a criação de realidades paralelas, fake news e manipulação de dados de internautas. Como ocorreu nas eleições de Trump e Bolsonaro.

João Paulo – A mudança de postura do presidente e dos seus filhos nas redes sociais, verificada nas últimas semanas, somada ao julgamento pelo TSE e STF acerca das fake news, denotam que os ataques não são a forma mais correta e republicana de agir. Infelizmente, algumas pessoas, com a falsa impressão de segurança, destilam sua cólera. Como se o “pseudo” anonimato lhes conferissem escudo para seus atos, por mais nefastos que sejam. Verifica-se que as redes sociais ganham relevante papel, como veículo de formação da opinião da população, sendo o principal local onde manifestações pouco democráticas e republicanas ganham relevância. E merecem o tratamento adequado da Justiça, já atenta aos excessos praticados, que certamente atuará com rigor nas eleições que se avizinham.

Igor – A polarização observada nas redes parece longe do fim. Por uma condição inerente à sua essência, as redes sociais sabidamente fomentam comportamentos que repelem a discussão racional. Esse problema vem sendo abordado com mais ênfase pelo menos desde a última eleição presidencial americana e qualquer solução parece longe de ser obtida. No entanto, nenhuma saída será ideal e entender tais ambientes e suas dinâmicas como parte de uma nova fase da democracia é essencial. Assim como em outros momentos históricos a organização centralizada em forma de partidos, sindicatos e entidades de classe determinou os rumos dos países, a descentralização e horizontalização das redes terá vida longa.

Hamilton – Não há dilema: o atual sistema político, em função de sua despartidarização e despolitização, vem, crescente e consistentemente, depauperando o nível da representação política, em todos os níveis, o que a democracia virtual apenas agrava em meio à baixa e má escolarização geral. A solução está numa reforma política que induza à partidarização e à politização do sistema, a par de uma reforma na gestão da educação que mude o perfil do professorado e premie quem alcance bons resultados.

 

Folha – Se as eleições a prefeito de Campos serão acirradas, as de vereador, onde ainda se vota por amizade pessoal, devem ser ainda mais. E serão as primeiras sem coligações proporcionais. Como você vê? Qual será a importância delas, diante da necessidade de medidas duras e impopulares do próximo governo? Seria capaz de projetar uma taxa de renovação?      

Ricardo André – A montagem das nominatas é um trabalho de engenharia política numa equação em que a maioria dos pretendentes serve de cabos eleitorais dos candidatos mais fortes. E vai ficar mudar com a vedação às coligações que vai enfraquecer as legendas de aluguel e fortalecer a representatividade dos eleitos. O ideal, na minha opinião, é que categorias e segmentos da sociedade lançassem candidatos representantes das áreas de cultura, educação, servidores, além de grupos étnicos e sociais específicos para defender suas pautas no Legislativo. Não sei se o eleitor consegue identificar como cada vereador votou na atual legislatura, por isso não vejo impacto das medidas impopulares na eleição deles, nem arriscaria um palpite quanto ao índice de renovação.

João Paulo – A maior quantidade de partidos políticos contribuirá para a pulverização dos votos válidos, permitindo-se, assim, que a representatividade popular possa ser exercida em sua plenitude, contribuindo para que a Câmara desempenhe, de fato, o seu papel de órgão fiscalizador e auxiliar do Poder Executivo na gestão da coisa pública. Em especial neste momento em que medidas duras demandam ser adotadas pelo futuro prefeito.

Igor – O fim das coligações proporcionais pode significar uma menor renovação da Câmara, o que não parece bom no longo prazo. Por outro lado, o antigo sistema distorcia completamente o voto popular. Sou bastante cético em relação à possibilidade de a nova Câmara atuar como controladora do Poder Executivo em relação ao orçamento. Se o fizer, provavelmente não será por convicção ou vocação, mas como barganha para algum tipo de negociação. O que não é, de modo algum, ilegal ou necessariamente imoral. Porém, à sociedade não interessa que a atuação do governo se dê sem uma vigilância constante e rigorosa.

Hamilton – Seja qual for a taxa de renovação ela terá baixo impacto na mudança estrutural das relações entre Executivo e Legislativo, visto que a ausência de conteúdo partidário do atual sistema político tende à anomia política. No nível local e nacional isto somente é reversível por meio do sistema de cooptação, quando o Executivo cede poder na máquina aos representantes políticos, como os vereadores.

 

Odisséia Carvalho, Cãndida Barcelos, Carla Machado e Fátima Pacheco (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Embora Rosinha tenha saído do governo para se tornar inelegível, não há dúvida de que, diferente de Dilma no Brasil, ela ainda é muito popular em Campos. Que tem duas pré-candidatas a prefeita: a ex-vereadora Odisséia Carvalho (PT) e a médica Cândida Barcelos (SD). Como avalia estas duas e, na região, as prefeitas e pré-candidatas à reeleição Carla Machado (PP), em São João da Barra, e Fátima Pacheco (DEM), em Quissamã?

Ricardo André – Dos oito anos de Rosinha, em seis ela nadou em dinheiro de royalties e participação especial. A redução dos repasses se deu a partiu de 2014 e ela recorreu a empréstimos sucessivos na Caixa Econômica comprometendo o futuro da cidade por vários anos. Odisséia foi uma vereadora combativa e produtiva. É um quadro de valor dentro do PT. Quanto às prefeitas Carla Machado e Fátima Pacheco, eu conheço pouco da política dos seus municípios. Mas em regra, saem com vantagem na campanha pela reeleição, porque estão no poder e ambas tiveram crescimento de recursos de royalties nos últimos quatro anos.

João Paulo – Cada vez mais participativas na vida política, nas mais diversas esferas de atuação, as mulheres têm mostrado sua importância e sua competência no cenário eleitoral de nossa região. Não apenas Carla Machado e Fátima, mas Francimara (Barbosa Lemos, SD, prefeita de São Francisco de Itabapoana) e Christiane (Cordeiro, PP, prefeita de Carapebus), apresentam-se como fortes candidatas à reeleição, mercê do elogiável trabalho realizado à frente de suas respectivas Prefeituras. As pré-candidaturas de Odisséia Carvalho e Cândida Barcelos ajudam a oxigenar o pleito, conferindo mais opções aos eleitores. Não apenas por se tratar de pessoas de moral ilibada, mas por se destacaram em suas atividades profissionais.

Igor – Odisséia deve sofrer bastante pela rejeição ao PT, ainda latente em muitas camadas da população. Por sua vez, a Dra. Cândida pode faltar alguma bandeira histórica ou proposta de impacto que mobilize uma base eleitoral capaz de lhe dar sustentação para buscar novos votos. Porém, desde as eleições municipais de 2016, nos acostumamos a reviravoltas e resultados surpreendentes. O que me não me faz descartar sumariamente nenhum candidato. Quanto às administrações de Carla Machado e Fátima Pacheco, não me sinto à vontade para opinar, uma vez que não acompanho detidamente o que acontece em São João da Barra e Quissamã.

Hamilton – Gênero e raça são elementos simbólicos na política, que ganharam inevitável destaque com a crescente democratização, mas não substituem os interesses fundamentais que operam por trás dos atores políticos. Odisséia representa o PT sindicalista; Cândida, provavelmente, o tradicionalismo; Carla, a velha política, sempre com sérios problemas na Justiça, mas com inegável capacidade administrativa; e Fátima, uma renovação política qualificada, derivada das crescentes demandas sociais do país, que deu certo.

 

Pàgina 3 da edição de hoje (18) da Folha

 

Publicado hoje (18) na Folha da Manhã

 

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