“Nós temos um vírus, que todo o mundo enfrenta. E temos um verme e seus vermezinhos, em um país onde o presidente nega a ciência, a OMS, os grandes infectologistas do país. Se você tem que sair para trabalhar, é um serviço essencial, se tem que sair para comprar alguma coisa na farmácia, no supermercado que saia, preparado. Agora, o que eu tenho visto é gente achando que já acabou, que o vírus já se mandou do país. Isto é incentivado pelo Capitão Corona lá de Brasília. Se o exemplo lá de cima é esse, que você não precisa usar máscara, que você tem que tomar cloroquina, que é um remédio repudiado e sem efeito científico nenhum comprovado, o resultado é que o número de mortos e infectados aumenta sempre. Nós temos 2 milhões de infectados e hoje (20) deveremos passar dos 80 mil mortos. É um momento muito difícil para todos nós. Até quando vai durar? Quando é que vai chegar a vacina? Ela será eficaz? Será distribuída em larga escala?”. Com sua contundência característica, foi o que afirmou e indagou no início da manhã de hoje o jornalista José Trajano. Conhecido nacionalmente por sua atuação na ESPN Brasil, da qual foi fundador e diretor por muitos anos, ele abriu esta semana o programa Folha no Ar, na Folha FM 98,3. Falando de São Paulo, mas atento ao regionalismo fluminense, Trajano completou sobre a pandemia:
— O momento que nós vemos agora é preocupante, porque a pressão do comércio está vencendo. Então, na hora que vocês noticiam (na abertura do Folha no Ar) que os shoppings centers aí em Campos abrem hoje, eu não entendo. Eu vi aqui em São Paulo. As academias de ginástica abrindo em São João da Barra (risos)… ontem (19) eu vi um programa no Fantástico, com vários especialistas dos Estados Unidos, que deram uma nota de perigo de contágio, de você conviver com abertura de academias, ir ao shopping. E depois quatro especialistas brasileiros, ligados a Fiocruz, que é uma instituição seríssima, analisaram essas pontuações. E uma das coisas que falaram é que academias de ginástica são um dos lugares mais perigosos de contágio que existem. Então acho inacreditável você reabrir essas academias na cara de pau.
Na abertura do último bloco do programa, grande conhecedor da cultura dentro e fora do futebol, Trajano saudou grandes vultos de Campos:
— Já falei do querido (jornalista) Péris Ribeiro, grande biógrafo do Didi (meia bicampeão mundial pelo Brasil em 1958 e 1962), Valdir Pereira, um dos orgulhos do futebol campista. Assim como Pinheiro (zagueiro, Copa de 1954), Evaldo (atacante, com passagem pela Seleção em 1968), Amarildo (atacante, campeão mundial em 1962), até o Odvan (zagueiro, com passagem pela Seleção na segunda metade dos anos 1990), que até hoje mora aí em Campos. Outro registro que eu gostaria de fazer é sobre a Música Popular Brasileira. Outro dia eu falei de Wilson Batista (sambista de Campos), que morreu num dia 7 de julho. E hoje estaria completando 80 anos um dos maiores cantores da Música Popular Brasileira: Roberto Ribeiro. Era de Campos, ligado ao Império Serrano e gravou grandes discos de samba (…)
O jornalista seguiu na transição da política ao futebol. Lembrou da Itália de Mussolini para traçar um paralelo com a aliança entre o Flamengo do presidente do clube, Rodolfo Landim (carioca com família em Campos), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), contra quem já tinha feito e repetiu duras críticas. Torcedor apaixonado do America, ele disse, no entanto, que gostaria de ser flamenguista por um dia:
— Futebol e política sempre se misturaram. E futebol sempre foi utilizado por vários regimes. Quando a Itália foi para a França, disputar a Copa de 1938, Mussolini (ditador fascista italiano) foi ver o jogo final e o capitão italiano, Meazza, que deu o nome ao estádio de Milão, fez o gesto fascista para saudá-lo. Para não ir tão longe, vamos dar um exemplo do que está acontecendo agora no Brasil, com o Flamengo (…) Eu gostaria de um dia só na minha vida ser Flamengo. Porque eu, como torcedor do America (..) você vai ver os jogos da série B do Rio, onde estão Americano, o Goytacaz do grande (ator campista) Tonico Pereira, são 300, 400 pessoas espalhadas pelo estádio (…) Então que queria um dia só ter essa sensação de ser Flamengo, porque deve ser uma coisa vibrante, emocionante e inesquecível (…) Mas o Flamengo hoje através do seu presidente, esse Landim, tem feito, é o aproveitamento pela política do esporte. Se abraçou ao Capitão Corona, conseguiu que o Capitão Corona lançasse uma MP (do Futebol), que tem umas coisas até interessantes, mas não teve discussão suficiente entre os clubes. Foi uma coisa açodada, com o objetivo claro de afrontar a TV Globo, que tem feito várias críticas ao Capitão Corona, com o apoio do presidente do Flamengo (…) O retorno apressadíssimo do futebol carioca também foi uma pressão política feita principalmente pelo Flamengo.
Sobre o Flamengo dentro de campo, Trajano analisou a saída do técnico português Jorge Jesus, que voltará para o Benfica, maior clube do seu país. Ele reconheceu as virtudes do treinador, mas as relativizou, creditando os muitos títulos recentes conquistados pelo Rubro-Negro também à qualidade do seu elenco:
— Como diria o nosso Leonel de Moura Brizola, eu andei fazendo uma reflexão sobre tudo isso. Sobre a revolução, vamos chamar assim, que ele fez à frente do Flamengo. Com essa reflexão, eu cheguei a uma conclusão, com a qual muitos podem não concordar. Que ele (Jesus) foi importantíssimo, foi; na maneira de jogar do Flamengo, marcação sob pressão, marcação mais adiantada. Ele incutiu nos jogadores esse espírito, os jogadores atenderam às recomendações dele. Agora, nós vamos dizer o seguinte: o Flamengo que eu critiquei, de Landim, ajudou muito, contratando jogadores. Não é o Vasco, que não tem dinheiro para contratar ninguém; não é o Fluminense, que tem uma folha limitada. O Flamengo trouxe jogadores muito importantes, que deram certo ali. Então, o elenco do Flamengo possibilitou que o Jorge Jesus pusesse em prática o esquema de jogo que ele acreditava. Conseguiu colocar alguns conceitos, deu certo, sai endeusado. Sem desmerecer o trabalho dele, tem que colocar na balança: se estivesse no Fluminense, ou no Vasco, teria tido o mesmo sucesso? (…) Eu acho que ele sai do Brasil, volta para Portugal, deixando um trabalho admirável, mas não vejo ele com essa bola toda. Eu daria a ele não nota 10; daria oito e meio, para ser rigoroso (…) Porque a história apaga muita coisa. Talvez o maior técnico estrangeiro do Flamengo não tenha sido Jorge Jesus. E, sim, (o paraguaio) Fleitas Solich, tricampeão (carioca) pelo Flamengo. Ganhou três títulos seguidos em (19)53, 54 e 55, dois em cima do America. Então, devagar com o andor.
Confira abaixo os três blocos do Folha no Ar com o jornalista José Trajano: