Quem vai pagar a conta de Campos dos Goytacazes?

 

(Foto: Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

“A pergunta mais embaraçosa para mim diz respeito ao futuro do município. Não consigo avaliar as possibilidades de tantos candidatos desprovidos de condições para governar. Sei que os discursos são necessários, mas estou cansado deles”. Foi como o historiador Arthur Soffiati, professor aposentado da UFF-Campos, se posicionou sobre as eleições a prefeito da cidade em 15 de novembro. E, ao que tudo indica, no segundo turno do dia 29 do mesmo mês. A análise se deu em um painel publicado (confira aqui) em 12 de julho no blog Opiniões, hospedado no portal Folha1.

 

Arthur Soffiati, Carlos Alexandre de Azevedo Campos, Cristiano Miller, George Gomes Coutinho, Murillo Dieguez e Roberto Dutra (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

No mesmo painel, outros analistas opinaram sobre o pleito goitacá a prefeito. “O cenário eleitoral para Campos ainda está muito indefinido. Definida mesmo parece estar a ampla visão negativa sobre o governo, o que deve impossibilitar a reeleição do prefeito”, disse o sociólogo Roberto Dutra, professor da Uenf. “Em relação a Campos, penso que a indefinição é absoluta. Enquanto não houver a escolha dos nomes dos candidatos, qualquer manifestação será pura especulação”, ressalvou o advogado Cristiano Miller, presidente da OAB de Campos. “Acho que as cartas ainda não estão todas na mesa. Os próximos dois meses serão decisivos. Mas sem dúvida, a disputa será muito, mas muito mais acirrada do que foi na eleição anterior. Acho o resultado imprevisível”, complementou o também advogado Carlos Alexandre de Azevedo Campos, professor da Uerj e do Isecensa.

Os outros dois participantes daquele painel de 12 de julho espraiaram suas observações sobre a disputa a prefeito: “Estamos enfiados em tantos problemas que parece que a eleição não está na porta. Nas conversas que tento manter sobre o assunto, percebo desinteresse e até um certo descaso. Entendo que esta eleição será vital ao nosso futuro. Por isso, muito me preocupa esse desânimo”, disse o empresário, colunista da Folha da Manhã e especialista em pesquisas Murillo Dieguez. E foi confirmado pela reação do leitor àquela entrevista coletiva. Cujo link no Folha1 (confira aqui) gerou 50 comentários, 24 deles pregando voto nulo, ou simplesmente pagar a multa e sequer ir votar em novembro. Por fim, quem opinou foi o cientista político George Gomes Coutinho, outro professor da UFF-Campos:

— Dadas as imposições da conjuntura, a disputa ainda não ganhou em temperatura. E, o que é bastante sério, ainda não me parece que derivou em formulação de projetos, propostas para a cidade. Espero que este ponto, o que verdadeiramente importa, seja sanado pelos interessados nas próximas semanas. Campos necessita de algo mais do que improvisos, medidas pontuais, personalismos. Campos precisa de ação sistemática para lidar com as suas demandas — disse George. Que de certa maneira pautou os painéis seguintes, de atendimento às demandas do município. A principal delas, a econômica, se reflete no atraso de seis meses de pagamento dos RPAs. E abriu o painel seguinte, publicado (confira aqui) na Folha em 18 de julho. Como administrar Campos a partir de 2021, cujo previsão orçamentária é de R$ 1,7 bilhão, mas pode cair para até R$ 1,5 bilhão, com R$ 1,1 bilhão só com folha de pagamento de servidores?

 

Hamilton Garcia, Igor Franco, João Paulo Granja e Ricardo André Vasconcelos (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

— Cortar gastos com a máquina (…) e aumentar os investimentos públicos para o desenvolvimento, atraindo capitais privados e melhorando a utilização dos recursos aplicados em todas as esferas de governo. O que exige também reformas constitucionais, em todos os níveis, que dificilmente terão curso na ‘normalidade política’ do atual sistema de poder”, apontou o cientista político Hamilton Garcia, professor da Uenf. “A solução aritmética para nosso orçamento beira o impossível (…) O corte possível no gasto discricionário já vem sendo feito há alguns anos, convertendo o gestor público em um gerente de caixa, postergando pagamentos ao longo do ano para que seja possível priorizar determinadas despesas — alertou o especialista em finanças Igor Franco, professor da Estácio.

Os dois outros ouvidos daquele segundo painel de 18 de julho relembraram os erros graves do passado como causa dos graves problemas financeiros presentes. Que dão medo a todos os que sabem fazer contas ao projetar o futuro de Campos. “Talvez o maior pecado de nossos últimos governantes tenha sido supor que os royalties do petróleo fossem infinitos. E, pensando que esta receita iria abarrotar os cofres públicos eternamente, os tenha feito inchar a máquina pública de uma tal forma que, atualmente, não se consegue arcar com os mais básicos compromissos”, apontou o advogado João Paulo Granja. “Na tarefa árdua de administrar uma massa falida, não tem receita mágica. Quando o dinheiro sobrava os prefeitos esbanjaram com obras desnecessárias e pouco ou nenhum investimento em projetos que dessem frutos depois (…) Mas o que fazer, se do R$ 1,6 bilhão/ano a folha de pagamento consome R$ 1,1 bilhão?”, devolveu a pergunta o jornalista Ricardo André Vasconcelos.

Diante de uma solução aritmética para Campos beirando o “impossível” para Igor, com a equação devolvida sem resposta por Ricardo André, um terceiro painel foi feito e publicado hoje (confira aqui), nas páginas 10 e 11 desta edição. Nele, a eleição a prefeito de novembro teve foco exclusivo na grave situação financeira do município. Que foi reforçada pelos números didaticamente apresentados pelo economista Alcimar Ribeiro, professor da Uenf: “Considerando uma retração de 8% na atividade econômica em Campos dos Goytacazes em 2020, podemos chegar a uma previsão das receitas orçamentárias em torno de R$ 1.574.074 mil. Como o valor médio das despesas com salários e encargos no período de 2011 a 2019, a preços de 2019, somou R$ 1.103.813 mil, sobrariam somente R$ 470.261 mil para as outras despesas correntes. Só que em 2019 essas despesas somaram R$785.413 mil (…) O resultado para o ano que vem seria então um déficit 20,02%”.

 

Alcimar Ribeiro, Carlos Abraão Moura Valpassos, Carlos Alexandre de Azevedo Campos e Igor Franco (montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Como os números não devem esconder a face humana por trás deles, o antropólogo Carlos Abraão Moura Valpassos, professor da UFF-Campos lembrou o peso social que podem ter os eventuais cortes: “Não vejo como cortar os programas de saúde, de assistência social, as creches e as escolas possa ser solução para qualquer questão. Se for feito, o que teremos será um problema administrativo contornado por agravamentos de problemas nas áreas de saúde e educação, de incremento da pobreza, que irão se converter em diversos outros problemas (…) A cidade possui um problema crônico que não será desfeito pelo mero desejo. E a resposta para isso dificilmente será dada nos próximos quatro anos”. Diante do dilema, o advogado Carlos Alexandre de Azevedo Campos foi convocado novamente ao debate:

— Não há que se cortar gastos no plano social, até porque, salvo melhor juízo, a maior parte desses recursos decorrem de transferências federais. Por certo que os cortes devem começar pelos cargos de confiança e congêneres, inclusive na Câmara de Vereadores, passando pelos autônomos, depois buscando a reforma administrativa propriamente dita. A equação é difícil porque autônomos são soluções temporárias para eventual falta de servidor. É sempre politicamente difícil, mas é urgente essa mudança. Os recursos fazem falta à infraestrutura e aos serviços básicos. Porém, por mais política e culturalmente difícil que seja essa fórmula, ela precisa começar a ser debatida.

Outro reconvocado ao painel de hoje, dado o seu eixo econômico, foi o especialista em finanças Igor Franco. Segundo ele, não há nada de novo no front: “Sob o prisma do orçamento público, se passa a falsa a impressão de que apenas boas práticas e ética são suficientes para resolver o problema financeiro. A complexidade da questão é muito maior e envolve uma série de regras construídas por décadas, que privilegiam o crescimento real das despesas públicas ao longo dos anos. A solução da Prefeitura será a continuidade da gestão de caixa, que significa postergar ou deliberadamente atrasar pagamentos para fazer jus a gastos mais urgentes ou obrigatórios, como a folha. Não vislumbro possibilidade de haver equilíbrio orçamentário nos próximos anos”.

 

Publicado hoje (01) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Leonardo Souza Costa

    O problema é como e porque deixaram chegar nesta situação.

  2. Ruy

    Se Campos nao conseguir atrair empregos da iniciativa privada, Campos nao tera futuro.

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