Campos chegou ao fundo do poço, sua situação econômica é um caos e a Prefeitura vai seguir tendo que escolher entre quem consegue pagar e quem continuará a dever. Com palavras diferentes e usando dados distintos, o diagnóstico dramático do município é o mesmo, feito pelos professores Alcimar Ribeiro, da Uenf; Igor Franco, da Estácio; e José Alves de Azevedo Neto, da Universo. Em ordem alfabética que se inverte a partir da metade deste painel, o primeiro e o terceiro entrevistados são economistas, enquanto o segundo é especialista em finanças. Eles também analisaram o Brasil de Bolsonaro, em seu flerte com a mesma aventura nacional-desenvolvimentista que jogou o país nas duas maiores crises econômicas da sua história recente, após a ditadura militar (1964/1985) e os governos do PT (2003/2016). Chamadas de exatas, até nas ciências econômicas existem diferenças. Alcimar e Igor ainda apostam nas reformas liberais do ministro da Economia Paulo Guedes, mesmo que em ritmo mais lento pelos conflitos internos do governo federal. Enquanto José Alves aposta que “não é hora de fazer reforma nenhuma”.
Blog – Como o inédito zero de Participação Especial (PE) trimestral na produção de petróleo, pagamentos atrasados a RPAs, inativos e pensionistas, orçamento para 2021 estimado em R$ 1,57 bilhão e R$ 1,1 bilhão já comprometido só com folha de pagamento, Campos chegou ao fundo do poço? Como chegamos até aqui e como sair?
Alcimar Ribeiro – Eu diria que faltou coragem e eficiência para resolver a questão fiscal. Em 2017, o governo até começou bem, contabilizando uma receita nominal de R$ 1,6 bilhão, no mesmo patamar do ano anterior. As despesas correntes encerram o ano de 2017 em R$ 1,7 bilhão, com uma queda de 34% em relação a 2016. Esse esforço precisava continuar. Mas, em 2018, o avanço das receitas correntes em 20% parece ter diminuído a disposição de retrair o custeio, que avançou 13% em relação a 2017. Em 2019, os sinais conflitantes na economia internacional, com reflexo no país e na diminuição das rendas de royalties de petróleo, impactaram na queda de 6% das receitas correntes. Que, por sua vez, provocou uma queda de 6% nas despesas. Esse hiato entre receitas e despesas sacrificou, sobremaneira, a capacidade de investimento desse governo, que alocou somente R$ 28,7 milhões em 2019, contra R$249,2 milhões em 2016. O governo não conseguiu sinalizar para o médio e longo prazo. E, com o advento da pandemia, a situação econômica virou um caos.
Igor Franco – Infelizmente, não é difícil imaginar uma situação ainda mais dramática para os cofres municipais. Dada a queda brusca de receitas, se intensificará a gestão de caixa que necessita priorizar determinados pagamentos em detrimento de outros, conforme já mencionado por mim em outras oportunidades. Uma consequência possível é o início de uma série de processos judiciais com o objetivo de garantir o cumprimento do orçamento para determinados pagamentos. Algo semelhante é visto no Estado do Rio de Janeiro há mais de quatro anos.
José Alves de Azevedo Neto – Entendo que o nosso município chegou, sim, ao fundo do poço. Infelizmente, nós temos que falar isso. Chegamos nesta conjuntura de falta de dinheiro, devido, simplesmente, à falta de planejamento dos governos que ocuparam a Prefeitura no período áureo do ciclo do petróleo. Eles esqueceram, talvez, que a riqueza da extração petrolífera um dia chegaria ao fim, como agora chegou. Pois é inexplicável, após o município receber apenas numa fonte de receita royalties e de participação especial, no período circunscrito a 2009 a 2014, período de ascensão das rendas, e de 2015 a 2019 quando os repasses entraram numa curva decrescente, o total de R$ 25 bilhões, atualizados pelo INPC. Isso sem considerar neste mesmo recorte de tempo as fontes de arrecadações de ICMS, de IPTU e de ISS. E, de forma inaceitável, se encontrar hoje sem recursos suficientes para pagar a folha dos servidores dentro do mês, e ainda não ter dinheiro para pagar os aposentados e os pensionistas. Não construímos uma base de diversificação econômica, via Fundecam, que permitisse retroalimentar o desenvolvimento econômico local pós-royalties. Agora, a saída para a crise fiscal da prefeitura, no curto prazo, passa por uma reestruturação verdadeira da máquina administrativa, cujo custo operacional hoje para o contribuinte de Campos, está em mais de R$ 700 milhões ao ano, entre o custeio fixo e o variável, e renegociar a dívida com os fornecedores de bens e serviços. Isto, sem considerar a folha de pessoal de R$ 1,1 bilhão ao ano. Já que resolver o problema do desequilíbrio das contas municipais pela elevação de impostos, como IPTU e ISS, torna-se inviável na conjuntura de recessão econômica nacional, cujos reflexos são sentidos fortemente através da retração do mercado de trabalho da economia municipal. Apenas, à guisa de exemplo, de janeiro a junho de 2020, somente o comércio destruiu quase 1.400 empregos com a carteira assinada, segundo o Caged. Então, diante dessa conjuntura adversa, resta ao atual e ao futuro prefeito fazerem o ajuste fiscal pela despesa pública. Sem esquecer, a médio e longo prazos, de recuperar o investimento público, para terminar as obras inacabadas e construir outras, fomentando com isso o mercado da construção civil da nossa cidade.
Blog – Da planície goitacá ao Planalto Central, como viu a “debandada” admitida na segunda (11) pelo ministro da Economia Paulo Guedes, com a saída dos secretários especiais de Privatização Salim Matar e de Desburocratização, Paulo Ubel? Reflete um confronto dentro do governo Jair Bolsonaro (sem partido) entre a agenda liberal e a tentativa de guinada nacional-desenvolvimentista?
Alcimar – Entendo que quando um profissional do mercado assume uma função no governo, ele tem fortes expectativas em relação à implementação de seus projetos. O processo de governança no setor público funciona muito diferente do setor privado, onde, apesar da existência de conflitos, os objetivos são mais claros e os processos mais dinâmicos. No setor público, os interesses se multiplicam com objetivos muito diferentes. No caso específico, esses profissionais se frustraram em relação a esses aspectos. Vejo como uma situação normal, já que não são servidores públicos de carreira e, portanto, estão acostumados a atuar em um outro contexto de dinâmica.
Igor – A luta interna entre a chamada ala liberal do governo, que está sediada no ministério da Economia, com diversas outras pastas, já vem sendo tratada com maior atenção pela imprensa desde o início de 2020, pelo menos. Após a Reforma da Previdência, que, em parte, é herança do trabalho do governo Temer (MDB), há uma dificuldade imensa de estabelecer uma linha de ação para a continuidade da agenda de reformas. A Reforma Tributária cria conflitos federativos, enquanto a Reforma Administrativa mexe em um vespeiro até hoje intocado na república. Além disso, a crescente participação dos militares no governo traz uma herança intelectual completamente oposta à mentalidade privatizante e liberal de Paulo Guedes. Com a eclosão da pandemia e a necessidade de maiores gastos por parte do Estado, abriu-se uma porteira cujo fechamento é muito difícil quando consideramos o histórico brasileiro. A saída de Moro e a posterior aproximação com o chamado Centrão, sedento por recursos públicos, criou um cenário perfeito para a pressão sobre os cofres públicos. Militares, por convicção, e políticos fisiologistas, por oportunidade, irão intensificar a queda de braço com a equipe de Guedes. Ao que parece, até o momento, estão vencendo a luta.
José Alves – Vi a saída dos secretários como um claro enfraquecimento político do ministro Paulo Guedes, representante da agenda liberal econômica, cujo remédio ortodoxo são as privatizações, a Reforma Administrativa defendida pelo mercado e o ajuste fiscal. Elas não fazem mais sentido dentro da atual conjuntura econômica da pandemia do corononavírus. E, o presidente Bolsonaro já percebeu que a única saída será aumentar os gastos públicos, caso contrário, a economia brasileira afundará de vez. Além do mais, todos nós sabemos, que a ala militar do governo, juntamente, com Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento, estão engendrando desde do começo deste ano o Plano Pró-Brasil, pautado em investimentos públicos, nas retomada de obras inacabadas e na infraestrutura do país, uma imitação legítima do PAC do PT, que tinha a ex-presidente Dilma considerada como “mãe” pelo ex-presidente Lula. Deixando patente, assim, a disputa entre a corrente liberal do governo, capitaneada por Paulo Guedes, e a corrente nacional-desenvolvimentista, liderada pelo general Braga Netto. O que certamente será uma grande disputa, com uma possiblidade forte de vitória da corrente-nacional desenvolvimentista. Com isso, Jair Messias Bolsonaro revela de vez o seu verdadeiro DNA. A despeito dele, tira foto com Rodrigo Maia, David Alcolumbre (DEM/AP, presidente do Senado) e Paulo Guedes, para dizer ao mercado que apoia o teto. Mas no fundo todos sabemos que Bolsonaro só apoia o teto da boca para fora.
Blog – Ao lado do presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), e do líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP/AL), Guedes disse que quem aconselha Bolsonaro a “furar o teto” o leva para “uma zona de impeachment”. Concorda? Falar isso publicamente ao lado de importantes lideranças parlamentares reforça a “ameaça”?
Alcimar – Sem dúvida. Apesar de toda problemática em torno do presidente, ele sabe muito bem os seus limites constitucionais. As decisões dos governantes precisam ser embasadas juridicamente. Se existe a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com a qual eu concordo plenamente, ela precisa ser seguida sob pena de afastamento. Particularmente não acredito em ameaça de impeachment, em função da experiencia política do presidente.
Igor – A fala de Guedes deve ser entendida como um recado público a respeito de determinados limites. É como se Guedes tivesse estabelecido uma linha que não estaria disposto a ultrapassar. Quando da saída de Moro, muito se especulou sobre a permanência do ministro da Economia. Porém, com o esfriamento da questão em paralelo à tragédia da pandemia, os temores se reduziram. Reverter ou deformar o teto de gastos seria uma lástima para o futuro das contas públicas. Ainda, uma vez que o teto se tornou matéria constitucional, seria necessária uma nova PEC para alterá-lo. E, desta forma, parece que o impeachment não seria juridicamente possível. Ainda que fosse, trata-se de um processo com componente político de muito maior peso. Ao mencionar o termo amaldiçoado, Guedes carrega de maior peso sua declaração.
José Alves – Não concordo. Acho que o presidente sabe exatamente o que está fazendo. O discurso de Guedes revela o seu desespero e o fracasso da agenda liberal que no ano passado gerou um PIB de apenas 1% e gerou um pouco mais de 600 mil empregos no país, segundo o Caged. Embora ele tenha dito, após a aprovação da Reforma da Previdência, que seriam gerados milhões de empregos no Brasil. Infelizmente, o ilustre ministro errou mais uma vez. E o pior, a economia de R$ 1 trilhão da Reforma da Previdência recairá sobre os ombros de 84% dos trabalhadores que ganham de um a dois salários mínimos. É uma triste realidade. E reforça a ameaça, sim.
Blog – Desde que assumiu o governo, o presidente age pela reeleição em 2022. E, entre os cerca de 30% que hoje consideram sua gestão boa ou ótima, ele gostou de ganhar os 10% que não votaram nele em 2018, mas aderiram com o auxílio emergencial dos R$ 600. As pesquisas apontam que são os mesmos 10% que votavam no PT pelo Bolsa-Família. Para mantê-los, Bolsonaro vai sacrificar a agenda liberal que o ajudou a se eleger em 2018?
Alcimar – Infelizmente, esse é um problema histórico na política brasileira. Os políticos eleitos são avessos ao risco e acabam concentrando todos os esforços na vertente política. Estratégias de articulação com o Legislativo e projetos políticos de cunho populista vão moldando o governo, no sentido da busca pelo aumento da popularidade. Isso acaba distorcendo ideais e destruindo as possibilidades de transformação do país no médio e longo prazo.
Igor – Provavelmente, sim. Bolsonaro é político profissional há 30 anos. Embora tenha, aparentemente, passado longe do envolvimento em grandes escândalos de corrupção, isso não significa que reúna um republicanismo diferenciado. A adoção do discurso liberal na campanha, por exemplo, foi de encontro a todo o passado estatizante e desenvolvimentista demonstrado nos votos do ex-deputado e atual presidente. Políticos são movidos por incentivos de curto prazo e perpetuação de poder. A América Latina é rica em exemplos de populismos à direita e à esquerda. Assim como Lula sacrificou o chamado “eleitorado qualificado” e abraçou o populismo, parece provável que Bolsonaro siga o mesmo caminho se isso significar maior chance de reeleição.
José Alves – Claro que sim. Até porque, o presidente Bolsonaro nunca foi liberal e nunca será. Basta recorrer à história política dele. Em relação aos 10% dos eleitores do PT que hoje estão votando com Bolsonaro por conta do auxilio emergencial, são pessoas que necessitam da renda para sobreviver. Elas sempre votam naqueles governantes que estiverem no poder e possam resolver os seus problemas de curto prazo. Hoje é o presidente Bolsonaro, amanhã será um outro.
Blog – O nacional-desenvolvimentismo ganhou força no governo com a entrada de nomes como o general Braga Netto e Rogério Marinho (PSDB/RN), respectivamente ministros da Casa Civil e do Desenvolvimento Regional. Quais seriam as consequências econômicas dessa opção? Caso ela se dê, quem estaria errado, Bolsonaro, que propôs em 1999 o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por conta de privatizações, ou os liberais que acreditaram na conversão do capitão ao liberalismo?
José Alves de Azevedo Neto – Quem está errado são aqueles que acreditaram que Bolsonaro se converteu à cartilha do liberalismo. Bolsonaro sempre agiu de forma corporativa, defendendo os interesses da sua categoria, os militares. Em relação à sua eleição de 2018, ele foi bastante oportunista. De político velho e cansado, ele se vendeu como a novidade do processo eleitoral. Ancorou na sua candidatura o anseio da agenda liberal pelo mercado e o sentimento contra os políticos profissionais como ele e a sua família, de uma parte considerável do eleitorado. E, o pior, teve muita gente que acreditou. Agora é tarde. No que tange doravante às consequências das medidas nacional-desenvolvimentistas, tenho a plena certeza que na atual conjuntura elas são relevantíssimas. O mundo inteiro está usando o Estado para irrigar e alavancar o sistema econômico. Olha o caso dos Estados Unidos e o caso da Europa. Os bancos centrais estão praticando política monetária expansionista com vontade. Aqui ainda existe um preconceito absurdo em relação ao investimento público, em decorrência da crença nos dogmas do liberalismo de extrema-direita proclamado pela equipe econômica de Paulo Guedes. Além do mais, temos uma economia com significativa capacidade ociosa e aumentar os gastos públicos e emitir moeda não acarretará inflação. Pelo contrário, muitos empregos e renda serão gerados. No momento em que o Estado investe na construção de uma ponte, a iniciativa privada é convidada a executar a obra e, com isso, começa a contratar mão de obra que se transformará em consumidora de bens e serviços, impactando positivamente a dinâmica econômica. Esta é a visão do velho Keynes. Na crise não há outra possiblidade a não ser utilizar os conceitos econômicos heterodoxos. O que não pode é ocorrer exageros e irracionalidade na aplicação dos gastos públicos. E muito menos esquecer que a finalidade da economia na qualidade de ciência social é satisfazer as necessidades humanas.
Igor Franco – É necessário fazer um parêntese a respeito de Rogério Marinho, que teve atuação importantíssima na Reforma Trabalhista, o que talvez não indique um perfil tão desenvolvimentista, mas, com certeza, menos liberal que Guedes e equipe. É possível que a queda de braço interna pela influência sobre o governo tenha aliado, por ocasião, Marinho e os militares; estes historicamente desenvolvimentistas. Quanto à eficácia dessa política, dadas às circunstâncias, é improvável que algo próximo ao esforço de gasto realizado em Lula II e Dilma I seja sequer tentado, já que o espaço para o gasto público crescer é extremamente baixo. O maior risco é ficarmos num limbo em que o eixo de ação se modifica e, incapaz de se concretizar, traz ainda mais letargia à atuação econômica do Estado.
Alcimar Ribeiro – Acho que o erro predomina sobre o acerto. Justifico na minha crença de que algumas visões precisam ser revistas. Não vejo com bons olhos a dicotomia entre liberalismo x desenvolvimentismo. Primeiro é preciso entender o país a partir das diferenças entre os seus territórios e considerar que os esforços de indução ao desenvolvimento são diferentes. Uma outra questão importante é que é necessário pensar o desenvolvimento com uma visão liberal. Quem produz riqueza são as empresas e elas precisam de liberdade de ação e garantias constitucionais que proporcionem confiança para investir. Por outro lado, o governo tem um papel fundamental com a sua atuação nas imperfeições do mercado e na proteção dos mais necessitados. As diferenças territoriais vão exigir maior ou menor participação do Estado que precisa incentivar a geração de conhecimento cientifico, além de contar com maior envolvimento da sociedade civil.
Blog – O governo Bolsonaro já perdeu nomes importantes entre os militares e o lavajatismo, como o general Santos Cruz e o ex-juiz federal Sérgio Moro, respectivamente ex-ministros da secretaria de Governo e da Justiça. Por que deveria se importar mais em perder também Guedes, “Posto Ipiranga” de 2018, na Economia?
José Alves – Realmente acho que não fará diferença. E Paulo Guedes já entendeu que ele não fará falta. A sua saída é questão de dias. Eu não vejo sentido da continuidade dele no governo. Afinal de contas, a sua agenda perdeu totalmente a eficácia. A ordem agora é aumentar os gastos públicos e aliviar o sofrimento das famílias brasileiras.
Igor – Muitos dos apoiadores da agenda liberal prometida pelo então candidato já desembarcaram do apoio ao governo Bolsonaro, propriamente, embora conservem apoio à agenda liberal de Guedes. Desta forma, em termos de cálculo político, o sacrifício dos liberais que permanecem no governo dificilmente se traduziria em muitos menos votos, por exemplo. O maior risco de Bolsonaro é ficar com um ministério acéfalo, sem substituto natural, e, em paralelo, observar um grande revés no mercado financeiro em indicadores que impactam o governo diretamente, como a taxa de câmbio, o risco-país, a projeção futura de juros e inflação.
Alcimar – O que segura Guedes é a confiança que o presidente tem nele. Por outro lado, não seria fácil achar alguém para substituí-lo, já que o seu envolvimento e afinidade com o governo é total. Acho que o ministro desenvolve um bom trabalho. Resultados fáceis não existem, ainda mais no âmbito de uma pandemia. É preciso lembrar que o país passou por problemas graves no governo Dilma, que foi afastada da presidência e diversos assessores foram presos por corrupção. O país vivenciou uma quedas expressivas do PIB, de 3,5% em 2015 e de 3,3% em 2016, confirmando os piores resultados dos anos 2000. Com um forte processo de corrupção que quase desmontou a Petrobras, o país viu o nível de investimentos cair progressivamente no período de 2014 a 2017. Esse quadro mostra as reais dificuldade de geração de resultados rápidos.
Blog – Nos governos da última ditadura militar brasileira, a pauta econômica foi nacional-desenvolvimentista, semelhante à adotada pelo PT no poder, a partir do segundo governo Lula e aprofundada por Dilma Rousseff. E, nos dois casos, a consequência foi a recessão econômica aguda. Daria para esperar resultado diferente agora? Por quê?
José Alves – Diante dessas duas experiências que ajudaram significativamente o crescimento econômico do país, gerando renda, empregos e muita riqueza. Tanto no caso do “Milagre Econômico” dos militares, que cometeram o erro de se endividarem a juros pós-fixados no mercado financeiro externo, dentro de uma conjuntura abundante de capital financeiro. E, depois, em face dos dois choques do petróleo nos anos 1970 a conjuntura internacional se inverteu e o Brasil ficou endividado. Como também no caso do governo do PT, onde certamente ocorreu exagero no gasto público. Acho que se realmente a opção de Bolsonaro for aderir ao nacional- desenvolvimentismo, ele tem essas duas experiências negativas, por conta, obviamente, de exageros cometidos. Mas, a filosofia do modelo nacional-desenvolvimentista é boa, a questão é saber implementá-la. Todavia, a função da sua equipe econômica será avaliar o erro do modelo dos militares e do PT, para evitá-los. Acrescento, ainda a visão equivocada e maniqueísta de mais Estado e menos mercado, e vice-versa, não funciona mais. O Estado e o mercado são complementares, sobretudo, em um sistema econômico de imensa desigualdade de renda como o brasileiro. Se o modelo Guedes fosse bom, o Chile, que seguiu a sua cartilha dos Chicago Boys, tem hoje uma renda per capita maior do que a do Brasil. Mas, paradoxalmente, a sua população está na rua fazendo protestos por melhor qualidade de vida. E aí?
Igor Franco – Como mencionado, a adoção de uma pauta semelhante dificilmente seria possível na mesma escala. Não há espaço fiscal para grandes arroubos gastadores. Uma tentativa nesse sentido geraria uma reversão muito forte nas expectativas de forma muito rápida, tendo o condão de, provavelmente, interromper uma trajetória autodestrutiva em termos de gastos. Neste momento, a ausência de reformas impacta mais a projeção de crescimento da economia, mantendo o país preso numa armadilha de baixa produtividade, do que propriamente a estabilidade fiscal.
Alcimar – A estrutura econômica do país atual é muito diferente da estrutura do período da ditadura militar, assim como a economia mundial que apresenta contornos bem diferentes. O Brasil continua muito dependente de exportação de commodities e é claro o processo de desindustrialização. Continuamos ainda com a visão de unicidade em um país com territórios muito diferentes. Os instrumentos macroeconômicos precisam continuar atuando. Porém, é preciso a implementação de estratégias de baixo para cima nas regiões mais fragilizadas, o que só ocorrerá com políticas bem estruturadas e com a integração entre o governo, mercado, conhecimento científico e uma estrutura de governança para ampliar a competitividade regional. Não se trata de uma política única e, sim, políticas moldadas territorialmente. Nesse momento, vejo uma grande mistura das visões de Adam Smith, Alfred Marshall, Schumpeter e do nosso grande economista Celso Furtado. Revisitar essas literaturas é fundamental.
Blog – No Brasil e em Campos, a despesa obrigatória com a folha de pagamento de servidores é um dos principais problemas econômicos. Dá para esperar a reforma administrativa, cujo sumiço da pauta foi a causa da saída de Paulo Ubel do governo federal? E as privatizações, cuja marcha lenta levou à saída de Salim Mattar?
José Alves – Neste momento em que o Brasil enfrenta a maior recessão da sua história, não é hora de fazer reforma nenhuma. Numa conjuntura de recessão econômica o Estado tem que agir. Essa conversa mole de Paulo Guedes, de que fazendo as reformas o mercado voltará a investir, é pura ficção. Já fizemos a Reforma Trabalhista no governo Temer. O mercado não investiu e tivemos ainda um PIB de um pouco mais de 1%. Fizemos a Reforma da Previdência e foi a mesma coisa, o mercado não investiu. Muito menos a confiança na economia brasileira foi restaurada. Então, diante dessa conjuntura de demagogia e jogo de interesses do mercado financeiro, Jair Bolsonaro vai efetivamente buscar apoio na corrente nacional-desenvolvimentista.
Igor – Até o fim do ano, descarto qualquer possibilidade de ocorrer a Reforma Administrativa ou privatizações relevantes. Com a previsão de convivermos com a pandemia e suas mazelas até o fim do ano, a pauta econômica será dominada ainda pelo tema de gastos públicos. Uma vez que o mercado já dá o ano de 2020 como perdido em termos fiscais, talvez a equipe econômica devesse concentrar seus esforços em evitar que os gastos extraordinários desse ano sejam postergados para 2021 e guardasse fôlego para tentar pautar as reformas tributária e administrativa, junto de algumas privatizações que façam diferença, como Eletrobrás e Correios, para o ano seguinte.
Alcimar – São decisões que geram conflitos impactantes na popularidade dos governantes. Daí é preciso escolher entre assumir risco com decisões impopulares ou não fazer nada para não manchar a aparente popularidade. Na primeira hipótese, a decisão seria a de eliminar os gastos que não agregam valor à sociedade. Falo das privatizações e corte de pessoal. Na segunda hipótese, gerenciar o processo com medidas simpáticas não geradoras de conflitos com os eleitores. No médio e longo prazo, o país perde e afloram as mazelas conjunturais, como as verificadas no presente momento. As reformas necessárias serão tocadas, porém de forma lenta, tendo em vista os interesses conflitantes.