Sindicatos de professores, servidores e médicos analisam crise financeira de Campos

 

 

Como a Folha tem ressaltado em suas edições anteriores, a crise financeira de Campos é muito grave. Independe do resultado das urnas das eleições a prefeito em 15 de outubro e, provavelmente, no segundo turno do dia 29 do mesmo mês. E suas consequências, com o inédito zero de participação especial (confira aqui) na exploração de petróleo em agosto, devem ir além do atraso do pagamento a RPAs e servidores municipais aposentados e pensionistas. Para saber como lidar com a situação, empresários ouvidos no último sábado (08) apontaram (confira aqui) a necessidade de redução da máquina pública municipal, inclusive em pessoal. E ensejaram o debate neste painel de hoje, em ordem alfabética, com o coordenador geral do Sepe, Edson Braga, e os presidentes do Siprosep e Simec, respetivamente Elaine Leão e José Roberto Crespo.

Edson e José Roberto representam os profissionais dos dois maiores gargalos da folha da Prefeitura, de cerca de R$ 1,1 bilhão, em orçamento estimado para 2021 em R$ 1,57 bilhão: Educação e Saúde. Elaine preside o sindicato do conjunto dos servidores de Campos, independente de área. Como era de se esperar, os três são refratários à possibilidade de corte de pessoal, como os empresários foram avessos a aumento de carga tributária. Já sobre a questão dos equipamentos, Elaine afirmou: “Reduzir a máquina pública municipal não pode ser considerado a solução”. Defendeu inclusive o Cepop e a Cidade da Criança, alegando “direitos populares ao lazer e à cultura”. Por sua vez, Edson admitiu: “Concordo que o Cepop e a Cidade da Criança hoje são um desperdício grande para a realidade que vivemos”. Sem nominar os dois equipamentos, José Roberto propôs a solução ao todo: “Mantendo a continuidade com qualidade do que for imprescindível”.

 

Edson Braga, Elaine Leão e José Roberto Crespo (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha da Manhã – No último painel publicado pela Folha sobre a grave situação financeira de Campos, com três referências da iniciativa privada, nenhum teve dúvida ao apontar a necessidade de cortes em pessoal da máquina pública municipal. Como você vê?

Edson Braga – Bom, é preciso primeiro entender que realmente temos um novo cenário atípico, como nunca antes na história contemporânea, em que muitas coisas terão que ser mudadas ou reinventadas. E ainda não temos a mínima noção da reação e evolução da economia, apenas podemos apontar que o quadro é muito crítico. Mas, logo de cara, posso afirmar que uma das soluções imediata é o corte de funcionário também tem seu lado melindroso. Há que se diferenciar máquina público de setor privado. Esse corte não geraria apenas economia, mas também prejuízo na ponta, que é a população. Esses cortes não podem afetar, por exemplo a Educação. Sem profissionais, geramos mau funcionamento da Educação.

Elaine Leão – Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que os padrões de administração da iniciativa privada não são os mesmos, e nem desejáveis para o poder público. A iniciativa privada tem por único objetivo a manutenção de suas taxas de lucro. A eficiência do empresariado reflete seu interesse pessoal, não os interesses da população. Um exemplo disso está exatamente nos supermercados de nossa cidade. Enormes quantidades de caixas fechados, enquanto clientes têm que amargar horas nas filas dos poucos caixas que estão efetivamente funcionando.

José Roberto Crespo – Compensar as perdas financeiras do município com cortes no funcionalismo público, de forma generalizada, poderia acarretar danos às áreas sob as responsabilidades e atribuições da administração pública e dos poderes municipais. É grave a situação financeira do município, mas o caminho é outro. Em linhas gerais, é hora de ativar manobras estratégicas que visem melhorar as políticas públicas, a gestão e o funcionamento da engrenagem municipal, mantendo-os alinhados às normas, aos direitos e aos deveres dos servidores públicos municipais, com foco no bem-estar da população.

 

Folha – O governo Rafael Diniz (Cidadania) enviou em abril à Câmara Municipal a previsão orçamentária de R$ 1,7 bilhão para 2021. Mas segundo calculou o economista Alcimar Ribeiro, professor da Uenf, deve cair a R$ 1,57 bilhão. Deste, R$ 1,1 bilhão já estaria comprometido com folha de pagamento de servidor. Há solução aritmética? Qual?

Edson – Precisamos realmente equilibrar essa equação, criar meios de novos investimentos em nossa cidade, criar alternativas como substituição aos royalties do petróleo. Temos que ter gestores que administrem muita coisa com pouco dinheiro, sem maquiar a LOA. Lembrando que Educação não é gasto e sim investimento; educação traz progresso. Qual lugar no mundo em toda história que investiu em Educação e ficou sem desenvolvimento? E essa folha qual é o comprometimento com DAS, cargos comissionados e efetivos concursados? O que não se pode é deixar nesse orçamento quase 1/3 do orçamento de forma livre, para gastar como quiser.

Elaine – Em primeiro lugar precisamos pensar qual é o principal objetivo do Estado. A maioria absoluta da população é dependente de serviços públicos: escolas, saúde, assistência social. É um equívoco considerar a folha de pagamento de servidores públicos como gasto, quando, na verdade, é investimento. A atual gestão municipal não investe em estruturação financeira para captar recursos ao município. Hoje o maior empregador do município é a própria Prefeitura. E isso é ruim para todos, os funcionários que não são valorizados e a população refém da Prefeitura, que paga mal e precariza o serviço terceirizado.

José Roberto – Entre as competências do município, conforme determina a Lei Orgânica Municipal (LOM), está a elaboração de orçamento, prevendo a receita e fixando a despesa, com base em planejamento adequado. Cabe ao município instituir e arrecadar tributos de sua competência, cobrar seus respectivos valores e utilizá-los em prol da assistência, cuidado e proteção à população. A solução está na gestão, no cumprimento das normas previamente estabelecidas, e no atendimento dos princípios de legalidade e eficiência.

 

Folha – No Portal da Transparência de Campos, o último demonstrativo de despesa com pessoal que aparece é do 3º quadrimestre de 2019. Nele, o total de despesa com ativos e inativos é de R$ 895.563.556,69. Contrastada pela diferença deste valor com o R$ 1,1 bilhão passado por fontes do governo Rafael, a secretaria municipal de Controle passou que o gasto com inativos e aposentados somaria mais R$ 154.472.616,10, mais R$ 24.932.178,55 com auxílio alimentação e R$ 6.822.822,45 com estagiários, chegando ao total de 1.079.591.173,79. A conta é essa mesma? Como fechá-la?

Edson – Como transparência em governo é relativo, é preciso verificar detalhadamente qualquer informação. Olhar o todo não dá a real noção de gasto por gasto detalhado. Será que essa folha é como se fala? Porque toda vez que se faz uma pergunta nova, o governo diz que vai passar para não sei quem, que poderá dar uma resposta melhor? Tenho dúvidas quanto a essa transparência. Um exemplo e quando se adia o salário do servidor e diz que já foi pago nesse mesmo Portal. E outros governos anteriores também deixaram dívidas nessa fatia. É preciso investigar nos mínimos detalhes para entender e fechar essa folha.

Elaine – Cortar atendimento à população não pode ser solução, sob pena de tornar ainda mais desigual a sociedade. É necessário promover o desenvolvimento socioeconômico e investir na captação de outros recursos, não somente os royalties. Tínhamos várias indústrias e empresas e um comércio potente. O dinheiro circulava no município, diferente de hoje, quando tudo, sem distinção, depende exclusivamente das receitas da Prefeitura. A Prefeitura não paga, a economia amarga. A conta se fecha quando o município implantar o plano de cargo e carreira e acabar com os cargos políticos. Estes, sim, elevam em muito a folha de pagamento.

José Roberto – Os salários dos servidores, sejam ativos ou inativos, dependem diretamente da arrecadação do município. Diante de todas as dificuldades enfrentadas, para que essa conta feche, a Prefeitura precisa encontrar formas inteligentes de obter receita suficiente para honrar a folha de pagamentos, bem como mantê-la em dia. É válido considerar que, apesar do volume expressivo dos recursos investidos com os vencimentos do servidor, a média salarial do município é baixa e há anos os salários estão congelados, sem aumento da remuneração e/ou reposição.

 

Folha – No painel com empresários, Renato Abreu falou como referência da iniciativa privada, após ter atuado em estatais como Petrobras e Infraero. Como base nesta experiência nos dois setores, ele disse que as empresas públicas poderiam funcionar com 1/3 do seu quadro de pessoal. Seria o caso do poder público de Campos? Por quê?

Edson – Acho que isso é válido em vários setores. Mas qual é a obrigação de um poder público? Servir à sua sociedade ou obter lucro? Porque objetivo da empresa privada é esse lucro. Mas isso ocorreria no meio público? Ou esse lucro também sumiria como acontece com verbas públicas? É preciso entender que em uma ponta vemos o capital lucrativo como meta. No outro, há um problema chamado corrupção. Qual empresa lucra onde impera a corrupção? É preciso, na verdade, uma mudança no sistema, não a privatização.

Elaine – Como dito acima, o principal objetivo da iniciativa privada é a manutenção de taxas enormes de lucro. Isso inclui a Petrobras, considerando ser uma Sociedade Anônima. Portanto, seu critério de eficiência é diferente. No caso do poder público, sobretudo o municipal, a redução do quadro de pessoal teria como consequência direta e imediata o comprometimento do atendimento aos direitos sociais, já tão vilipendiados. A real necessidade da sociedade, brasileira e campista, é exatamente o oposto: a ampliação dos serviços do Estado, a valorização do servidor público e a diminuição dos cargos comissionados.

José Roberto – Precisamos parar de crer que a solução mais viável e eficaz para as reformas administrativas é a redução do quadro de servidores. Cortes de funcionários, extinções de setores e fusões de pastas, com a finalidade de enxugar a máquina, nem sempre representam as saídas mais produtivas. É de suma importância que a gestão municipal aperfeiçoe e modernize a oferta de serviços à população, contribua com o atendimento das demandas, melhore as ferramentas de controle, racionalize as ações e tenha mais rigor na aplicação dos recursos públicos.

 

Folha – Outro ouvido no painel com empresários, o arquiteto Ricardo Paes Teixeira falou da necessidade de impor ponto biométrico rigoroso, suspensão de benefícios e programas de demissão voluntária. Em Campos, o ponto biométrico e a suspensão de gratificações geraram grande reação, sobretudo na categoria médica, cuja última greve só foi interrompida por conta da pandemia. Essas medidas não são inevitáveis? Por quê?

Edson – Como professor, penso que o exemplo é a forma mais didática de mudanças. Também penso que qualquer imposição gera problemas, ainda mais quando quem deveria dar o exemplo não deve ser seguido. Mais uma vez qual, é a função do setor público? Outra coisa, passamos por tantas mudanças, como as citadas acima, e nem assim vimos melhoras, menos pobreza, mais desenvolvimento; pelo contrário, somente piora. Por que isso acontece? Somente o trabalhador, principalmente o público, é que tem que pagar a conta?

Elaine – Os servidores municipais não são, em hipótese alguma, contrários ao ponto biométrico. O que se questiona são as prioridades. Todos os órgãos públicos possuem sua chefia imediata, todos DAS, que deveriam ser responsáveis pelo controle da frequência dos servidores. Foi instalado o ponto biométrico, mas a quantidade de cargos DAS não se reduziu. Por outro lado, a pandemia resultou na necessidade preventiva de suspensão do registro de frequência por ponto biométrico. E, logo em seguida, foi renovado o contrato com a empresa administradora do sistema de ponto biométrico, a um custo muito alto para o município.

José Roberto – Não é novidade que a administração pública campista carece de um choque de eficiência e gestão. Entretanto, a supressão de benefícios, a suspensão e/ou cancelamento de acordos firmados com os servidores, a adoção de medidas autoritárias, dispensando o diálogo entre as partes envolvidas e a indicação de programas de demissão voluntária, não representam alternativas adequadas. Quanto ao ponto biométrico, a reivindicação tratou exclusivamente da adoção do modelo de gestão por produtividade nos ambulatórios, respeitando o número de 60 consultas semanais, com o uso do sistema de leitura biométrica.

 

Folha – Em março, após recorrer na lei de acesso à informação, a InterTV denunciou (confira aqui) o caso em que médicos licenciados do serviço público por atestado médico foram flagrados atendendo em consultório particular, em viagens e praticando esportes. O Simec, cujo presidente participa desta entrevista, divulgou (confira aqui) nota de repúdio à reportagem. Sem particularizar uma categoria, o caso não reforça o estereótipo do serviço público, no que se refere a descompromisso com a população e corporativismo? Por quê?

Edson – Por isso digo que é contraditório. Por que não há fiscalização para evitar isso? E, se provado, por que não punir quem de direito, sem generalizar? Não é o servidor que dá prejuízo. O corrupto em qualquer esfera é que dá prejuízo. A diferença é que o privado vai à falência e público, vira dívida. Mas não é por causa de quem realmente trabalha, sem ser “fantasma”.

Elaine – Veja, existem pessoas antiéticas em todos os setores da sociedade. Há empresários que sonegam impostos, contudo, seria temerário afirmar que todos os empresários sonegam impostos. Os servidores não são descompromissados com a população. Ao contrário, é seu compromisso com a população que garante uma manutenção mínima dos serviços públicos. Exemplo disso são os professores que compram, com recursos próprios, materiais, papel A4 e produtos de higiene, para a continuidade das atividades escolares. Não podemos julgar atitudes isoladas como sendo atitude de todos.

José Roberto – Não. Na ocasião o Simec esclareceu que, como sempre, preza pela verdade e que não se opunha às investigações a respeito da realidade concreta dos fatos. O sindicato manifestou publicamente o seu repúdio à denúncia intitulada “farra dos atestados”, divulgada na Inter TV, em razão do caráter especulativo e irresponsável da divulgação, do compartilhamento de dados não apurados e das manchetes de cunho sensacionalista e opinativo, com a finalidade de promover, através de linguagem tendenciosa e obtusa, influência negativa sobre a população.

 

Folha – Campos tem 14 mil servidores concursados na ativa, ao custo de R$ 60 milhões/mês. E outros 4,5 mil inativos, ao custo de R$ 15,5 milhões/mês. De volta à pauta nacional esta semana após ser cobrada pelo ministro da Economia Paulo Guedes, a reforma administrativa não deve mexer em direitos adquiridos. Presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ) sempre frisa que a estabilidade só seria alterada em concursos futuros. Os acordos já feitos têm que ser respeitados? Como impor produtividade com as regras atuais?

Edson – Aí está o ponto principal. Será que o funcionário público municipal deixou de trabalhar depois de tudo que tem passado nesse governo? E se fosse incentivado, faria o contrário? Digo isso porque sou professor em duas prefeituras e trabalho da mesma forma nos dois lugares; mas me sinto mais motivado em um lugar do que no outro. Agora, é justo que depois de tudo que fiz até hoje, eu perca os meus direitos? O engraçado é que o que salvaria a pátria era a reforma previdenciária. E o dinheiro tão equacionado, nada, mesmo antes da pandemia. Será que o problema está na ponta, com o trabalhador, ou em quem administra tudo isso?

Elaine – A estabilidade dos servidores públicos não é um privilégio. Ao contrário, é a garantia para que o serviço público não seja usado por ocupantes de cargos políticos para fins escusos. O fim da garantia da estabilidade é um grave risco de degradação do Estado, por meio do aparelhamento por grupos políticos, bem como um risco à democracia, tendo em vista o risco real de retorno do chamado voto de cabresto e do coronelismo.

José Roberto – Sim, os acordos firmados precisam ser respeitados. Não seria justo alterar as regras do serviço público atual, ainda mais se tais alterações representassem perdas dos direitos adquiridos, especialmente, a estabilidade empregatícia e as remunerações dos servidores. Hoje existe a Estatuto do Servidor Público, onde os direitos e os deveres dos profissionais são listados, cabendo à gestão municipal a atribuição e os critérios para a realização das devidas cobranças quanto às responsabilidades dos servidores.

 

Página 10 da edição de hoje da Folha

 

José Roberto, Elaine e Edson (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Além dos servidores concursados, Campos tem cerca de mil DAS, ao custo de R$ 3,2 milhões/mês, e 4 mil RPAs, ao custo de R$ 6 milhões/mês. Que hoje estariam reduzidos a 1,5 mil RPAs ativos, ao custo de 2,5 milhões/mês, por conta do fechamento de equipamentos pela pandemia. Eventuais cortes teriam que passar antes por esses DAS e RPAs? Como avalia a questão lançada por Renato Abreu: “fico em dúvida se não são os RPAs e os DAS os que realmente trabalham no lugar da maioria dos 14 mil concursados”?

Edson – Pois bem, se o contingente de concursados não é suficiente e precisa contratar, como cortar ainda mais o pessoal. Não há dúvida de que podemos ter menos cargos com salários altos. E que pouco ou nada corroboram para beneficiar a população alguns comissionados. Agora, a maioria dos concursados trabalham e há uma inversão de valores onde muitas vezes o concursado é o que mais trabalha. Mesmo porque DAS é da própria política do toma lá, dá cá.

Elaine – Podemos começar esta resposta com outras perguntas: quem são esses DAS? Quem são esses RPAs? Quem indicou a grande maioria? Depois das respostas, aí, sim, poderíamos responder quem realmente trabalha neste município. Ora, se temos uma máquina com tanto servidor público, porque precisamos de tantos RPAs e DAS? Não tem lógica isso. Não é segredo para ninguém que a maioria dos cargos de RPAs e de DAS são cargos indicados pelos vereadores. Várias denúncias já foram feitas, inclusive por vereadores da oposição, de que tais modalidades de contrato seriam utilizados como mecanismo de acordo político.

José Roberto – Naturalmente que, em casos de cortes, os primeiros a sofrerem com os desligamentos serão os contratados sob os regimes DAS e RPA, ainda que a atuação de parte destes servidores seja imprescindível ao funcionamento da máquina pública. Todavia, não possuem estabilidade empregatícia. Quanto à questão levantada pelo empresário Renato Abreu, ela não representa a realidade dos servidores concursados que, como soldados, lutam diariamente na linha de frente em prol da defesa e assistência das demandas da população.

 

Folha – Com 240 creches e escolas, cerca de 100 unidades de saúde, 13 Centros de Referência de Assistência Social (Cras), oito Vilas Olímpicas, além de um Cepop e uma Cidade da Criança considerados monumentos ao desperdício de dinheiro público, outra tentativa de enxugamento não seriam os equipamentos municipais? Como fazer isso sem prejudicar os serviços ao cidadão, sobretudo o mais pobre?

Edson – Primeiro concordo que o Cepop e a Cidade da Criança hoje são um desperdício grande para a realidade que vivemos e sua utilidade social. Agora, as demais instituições são necessárias à população. O desperdício não se dá nas instituições e, sim, nos desvios e má gestão do dinheiro empregado na Educação e Saúde, que não chega à população que mais precisa.

Elaine – A entrega de equipamentos públicos para a iniciativa privada é uma evidente transferência de recursos públicos para uma parcela privilegiada da sociedade. É entregar para a incorporação e enriquecimento de grupos privados os recursos de toda uma sociedade, que foram alocados na construção desses equipamentos. E mais ainda, é entregar para que sejam utilizados para a geração de lucros e os chamados “negócios”, preterindo direitos populares ao lazer e à cultura.

José Roberto – Mantendo a continuidade com qualidade do que for imprescindível. Campos possui uma vasta extensão territorial e uma população distribuída em pontos distantes do município. Desta forma, os equipamentos municipais fundamentais também precisam estar distribuídos, mas de modo estratégico. Faz-se necessário e urgente o redimensionamento analítico das demandas da população. É imprescindível promover, em pontos específicos, assistências às necessidades da população e ambientes de trabalho que valorizem o servidor.

 

Folha – Em entrevistas ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, quase todos os pré-candidatos a prefeito de Campos falaram em necessidade de redução da máquina municipal. Até (confira aqui) a ex-vereadora Odisséia Carvalho, do PT, partido tradicionalmente ligado aos servidores públicos. Mas nenhum deles deu detalhes de como e onde. Qual a sua visão?

Edson – Reduzir gastos desnecessários, fiscalizar e executar de verdade podem ser meios dessa redução. Desemperrar burocracias que acumulam gastos, bem com assegurar a garantia da qualidade da prestação de serviço. Prevenir gasta menos do que remediar.

Elaine – Reduzir a máquina pública municipal não pode ser considerado a solução. Onde poderíamos reduzir? Na quantidade de escolas, aumentar ainda mais a quantidade de alunos por turma? Nas unidades de saúde, dificultando o acesso aos serviços de saúde? Por outro lado, terceirizar esses serviços não seria a saída, porque, além de ter que manter esses mesmos serviços, ainda haveria a necessidade de se atender ao imperativo da lucratividade, o que acarretaria uma maior destinação de recursos públicos para manter os mesmos serviços.

José Roberto – Sem o servidor a máquina pública não funciona. Ele deve ser o agente de transformação social de nossa cidade. É de suma importância que os servidores obtenham a valorização necessária para que possam exercer suas funções com dignidade. Faz-se urgente o resgate desses profissionais, através de políticas de estímulo ao aperfeiçoamento, para que os papéis sejam cumpridos a cada dia com mais excelência. O município cresce e prospera através da eficácia de sua estrutura pública e da sua capacidade de ofertar respostas positivas às demandas da sociedade por meio do trabalho de seus servidores.

 

Folha – Sempre mais visível em quem está no poder, a contradição entre o discurso de campanha e a realidade do governo é realçada na pré-candidatura à reeleição do prefeito Rafael. Que, em 2016, prometeu manter programas sociais, valorizar o servidor e, em 2020, enfrenta a rejeição por não ter cumprido. Em que o prefeito errou? Como ele ou qualquer outro adversário de novembro poderiam acertar entre discurso e realidade?

Edson – É necessário um discurso verdadeiro. Mentira tem perna curta. Embora na política ela anda e demore muito para ser descoberta. Não há mágica! Conhecimento prévio da realidade, um bom e simples programa de governo, somado à gestão administrativa e respeito à população pode mudar tudo isso. Além, é claro, da honestidade. O mais difícil é encontrar alguém assim. Há pessoas que querem o poder a todo custo e quem paga é a população.

Elaine – Rafael Diniz errou ao assumir o governo e fechar as portas ao servidor. O tão propagado “diálogo” virou monólogo. O governo “técnico” assumiu a postura autoritária e terrivelmente política. Algum tipo de aperto e dificuldade poderia ter sido necessário para que fosse viabilizada a reorganização do município. Mas, principalmente, é fundamental saber para quem se governa, porque a sociedade não é homogênea em seus interesses e necessidades. É necessário um diálogo aberto e propositivo. O próximo prefeito que entrar precisa falar a verdade e entender que não governa sozinho, não governar apenas para os amigos.

José Roberto – O eleitor vota na esperança de acertar, é fundamental não decepcioná-lo. No entanto, nem todas aquelas promessas cativantes, que praticamente todos os que pleiteiam cargos políticos gostam de fazer, tornam-se realidade. O erro do atual governo foi repetir modelos anteriores: concentração de recursos, secretarias sem autonomia financeira e lentidão excessiva no atendimento às demandas da população. No decorrer dos anos, o resultado foi na insatisfação coletiva da sociedade, que não encontrou respostas às suas questões. O novo governante deverá aliar discurso à prática, para evitar futuras decepções.

 

Folha – Cogitou-se (confira aqui) que o candidato garotista a prefeito do PSD talvez fosse o ex-vereador Fábio Ribeiro, não o deputado federal Wladimir Garotinho. Isso deveria ser encarado como a confissão política de que o quadro financeiro da Prefeitura é financeiramente insolúvel?  

Edson – Talvez seja mais uma estratégia política do que confissão. Em pleitos anteriores, ele (o ex-governador Anthony Garotinho, sem partido) várias vezes queimou algum pré-candidato e, no final, lançou o escolhidinho dele. A não ser se ele (Garotinho) perder a rédea do partido, o que acho difícil! A se se entender que, apesar de tudo, R$ 1,5 bilhão não é pouca coisa. Os ovos talvez não sejam de ouro, mas ainda vale uma boa prata.

Elaine – Não acredito que existam problemas insolúveis. Os problemas do município foram ocasionados por decisões equivocadas por parte dos vários governos passados, desde Arnaldo Vianna (PDT), que não foram capazes de aplicar os recursos que tínhamos na dinamização de nossa economia. O governo da ex-prefeita Rosinha Garotinho (Pros) foi, sim, responsável grandemente por este período difícil pelo qual passamos. No entanto, não existem problemas insolúveis, e, sim, os decorrentes de decisões políticas. As propostas de solução que penalizam toda a população e os servidores públicos são exemplos de opção política.

José Roberto – O município não está financeiramente insolúvel e os seus problemas também não são. Com trabalho e união da sociedade, Campos é viável. Os desafios são muitos, mas com planejamento orçamentário, organização, direção, controle e seriedade, dá para resolver. Seja qual for o candidato, não basta ser idealista e tampouco exagerar no imaginário. Será preciso garra para resolver as múltiplas deficiências e reverter o atual cenário. Não há magia na eleição e não deve haver encantamento ou hipnose da população. Deve haver trabalho em prol da coletividade.

 

Folha – Outro pré-candidato a prefeito de Campos no Folha no Ar, Roberto Henriques (PC do B) classificou de “modelo perdulário” o que teria sido instalado no município a partir do governo Arnaldo Vianna, com inchaço da máquina pública custeado pelo incremento substancial das receitas do petróleo. Para Henriques, isso foi mantido nas gestões Alexandre Mocaiber (sem partido), da qual foi vice, e Rosinha Garotinho (hoje, Pros). Concorda? Por quê?

Edson – Concordo e ainda acrescento ele foi parte integrante deste processo. Ou não? Mas acho que começou no governo anterior. Gostaria de esclarecer que quando falo em inchaço, não falo em números de trabalhadores, mas em gastos abusivos e pessoal politicamente temporário. Em vários momentos tivemos mais pessoas eleitoreiras dentro da máquina do que os estatutários. A máquina ficou gorda demais.

Elaine – Não existe inchaço da máquina pública. O problema é bem ao contrário, o que existe é a retirada histórica de vários setores essenciais para a população. O incremento das receitas públicas no passado recente foi, sim, utilizado na ampliação dos serviços públicos municipais, ainda que tenham permanecido insuficientes. Um exemplo, é a quantidade de escolas e creches instaladas, que permaneceram com turmas superlotadas. Vale o questionamento de que, apesar de todos os problemas financeiros, os nomes dos pré-candidatos são na maioria os mesmos que ajudaram no caos administrativo que nos encontramos. Vale a reflexão.

José Roberto – Houve gasto excessivo em diversos setores do município, em razão da adoção de um modelo de gestão esbanjador. Com a ascensão dos recursos provenientes da exploração do petróleo, não foram postas em prática premissas necessárias para o desenvolvimento, como ações geradoras de renda independentes, capazes de serem sustentáveis e renováveis no médio e longo prazo. A gestão ficou restrita a ideia de crescimento econômico. Dessa forma, os instrumentos de desenvolvimento ficaram comprometidos, impactando e limitando diretamente o potencial crescimento da cidade.

 

Folha – Muito se fala na demanda de cortes no Poder Executivo, mas não no Legislativo. A Câmara Municipal precisa funcionar com seu teto máximo de 25 vereadores, cada um com mínimo de cinco assessores, ao custo médio de R$ 100 mil/mês por edil?

Edson – Aí está o maior absurdo qual a utilidade cada um deles traz à população? Qual é o preço e para quê? Sem dúvidas vamos ficar com respostas não agradáveis ou sem respostas. Porque, na maioria das vezes, esse gasto é para garantir rolos compressores que quebram a cidade ou maioria que nada fazem por ela. Mudam as caras, mas as práticas continuam viciadas.

Elaine – A quantidade de vereadores é definida constitucionalmente, em proporção direta ao tamanho da população e, no caso especificamente de Campos, poderia variar entre 15 vereadores no mínimo e 25 vereadores o máximo. A quantidade de assessores é realmente elevada. Pensamos que estes deveriam ser definidos a partir da necessidade estrita ao desempenho adequado dos mandatos parlamentares. O que ocorre, é que, em grande medida, estes são escolhidos para atender aos acordos políticos, sem vinculação com as qualidades da representatividade parlamentar, pelo menos ao que parece.

José Roberto – O equilíbrio entre a quantidade, a qualidade e a eficiência é fundamental para a estabilidade da máquina pública. Embora o limite estabelecido no Art. 29, IV, letra “i” da Constituição da República Federativa do Brasil esteja sendo respeitado, o número de vereadores da Câmara Municipal de Campos pode representar demasiado dano ao patrimônio público, em razão do elevado custo médio investido em cada profissional. O número de vereadores poderia ser menor, para evitar possíveis desperdícios de recursos públicos.

 

Folha – A necessidade de cortes poderia ser atenuada por aumento nas receitas. Enquanto os servidores são naturalmente refratários à primeira, os três empresários ouvidos no painel do último sábado se mostraram avessos ao segundo, quando na forma de majoração tributária. Nesta clara luta de classes, qual deveria ser o ponto de equilíbrio?

Edson – Enquanto a maioria valer menos que uma pequena minoria, enquanto o capital for mais valioso do que a vida, não poderemos ter nenhuma mudança. Digo mais, hoje não é nem luta de classes, mas luta pela sobrevida. Porque podemos, sim, aumentar receitas sem sobrecarregar impostos. Se a economia gira, ela cresce. Mas parada nas mãos de alguns, ela escraviza e mata mais do que pandemia, por ser mais desumano que o quadro pandêmico.

Elaine – Campos possui mais de 4.000 km² de extensão territorial. Isso são quase quatro vezes mais do que o município do Rio. Por outro lado, conforme dados do IBGE, só cerca de 18% da população possui ocupação. E 37,7% da nossa população possuem renda per capita de 1/2 salário mínimo. É fundamental um amplo programa de desenvolvimento socioeconômico, para potencializar o aumento do emprego, a ampliação dos salários na renda municipal, bem como a arrecadação municipal. Para garantir um projeto neste sentido, um caminho seria um amplo programa de desapropriação de terras improdutivas, e sua destinação à reforma agrária.

José Roberto – A tributação não pode continuar sendo um conjunto de exceções, há de ser estratégica e eficaz para a coletividade. Revisar a tributação das entidades empresariais, de diferentes setores, pode ser uma alternativa para a ampliação das receitas do município, sem prejuízos ao funcionamento da engrenagem pública. O objetivo do governo municipal deve ser sempre a melhoria do patamar estabelecido e não o seu retrocesso, cabendo-lhe a legislação dos assuntos de interesse local.

 

Folha – Em valores corrigidos pelo INPC, Campos recebeu de royalties e participações especiais (PEs) R$ 4,67 bilhões de 1999 a 2004, com Arnaldo; 6,94 bilhões de 2005 a 2008, com Mocaiber; e 12,06 bilhões de 2009 a 2016, com Rosinha. Em conta que desce a ladeira para 2021, Rafael teve, até 2020, R$ 1,84 bilhão. Juntos, os três prefeitos anteriores tiveram 23,67 bilhões. Acredita que os quase 600 mil campistas tenham a noção da chance histórica que a cidade desperdiçou? Qual seu legado, além de uma máquina inchada e insustentável?

Edson – Vou repetir aqui o que tenho dito: hoje precisamos aprender a administrar muito com pouco. Temos que reconstruir o hoje em cima do duro de ontem! Antes se gastava sem pensar e hoje temos que criar meios para fazer muito gastando pouco. O legado que devemos ter é de muita luta e dificuldades. O “ouro negro” está acabando. Temos que reconstruir uma grande cidade, com trabalho e sem o dinheiro que antes tínhamos.

Elaine – Grande parte dos problemas que a sociedade brasileira vem passando, e a campista em particular, é por não termos a cultura de acompanhar os atos das administrações públicas. De fato, o município perdeu a oportunidade de ter dado uma aplicação mais adequada aos recursos fabulosos que tivemos no passado recente. Contudo, a ampliação dos serviços e da administração pública, não pode ser classificada como gasto ou inchaço. Ao contrário, o que ocorreu foi a falta de capacidade, por parte dos governos passados, de promoverem o adequado investimento, de modo a garantir a viabilidade dos serviços à população.

José Roberto – Fortalecer a transparência de seus atos pelos diversos meios multimídias disponíveis, também é uma das competências do município. Sem a participação comunitária na gestão das receitas municipais e sem a divulgação transparente dos investimentos oriundos das participações e royalties recebidos, a noção do suposto desperdício dos recursos não se fez viável para todos. O legado pode ser visto a olho nu, tanto na decadência das estruturas públicas, quanto na ausência de ações e projetos dedicados ao fortalecimento e desenvolvimento do município.

 

Pàgina 11 da edição de hoje da Folha

 

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