Mais que as eleições a prefeito e vereador em novembro, a principal questão de Campos é financeira. Como administrar um município com orçamento estimado em R$ 1,57 bilhão para 2021 e R$ 1,1 bilhão já comprometido só com folha de pagamento? Na busca de respostas, a Folha iniciou uma série de painéis (confira aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) com especialistas e representantes da sociedade civil organizada. Todos apontam que a necessidade de enxugamento da máquina pública goitacá, além do Executivo, teria também que passar pelo Legislativo. Diante disto, foram ouvidos o presidente da Câmara Municipal de Campos, vereador Fred Machado (Cidadania), e três dos seus antecessores: o deputado federal Marcão Gomes (PL) e os ex-vereadores Rogério Matoso (DEM) e Nelson Nahim (MDB), também ex-prefeito. Presidente da Casa do Povo nos oito anos da gestão Rosinha Garotinho (hoje, Pros), Edson Batista também foi convidado a participar. Chegou a aceitar, mas depois declinou.
Em ordem alfabética, Fred, Nahim, Marcão e Matoso concordam com a dimensão histórica da gravidade da crise. Marcão chegou a lhe dar números: a se confirmarem as estimativas, Campos terá um déficit fiscal de R$ 200 milhões no próximo ano. Todos também defenderam a adoção do pregão eletrônico e a retomada da vocação agropecuária do município como alternativas. Mas se dividiram quanto à indicação política dos DAS e RPAs da Prefeitura pelos edis. Fred negou: “Afirmar que são indicações de vereadores não é verdadeiro”. Mas Nahim afirmou: “A indicação de nomes para cargos comissionados por vereadores, sempre existiu (…) na formação de uma base parlamentar. Não vivemos num jardim de infância”. Na questão do enxugamento de pessoal, Matoso propôs a alternativa de se aproveitar concursados em cargos nomeados. Quanto à proposta redução da Câmara que hoje funciona no limite máximo de 25 vereadores, alguns foram favoráveis, outros reticentes.
Folha da Manhã – Todos vocês têm a experiência da presidência da Câmara, sendo que Nahim chegou a ocupar a Prefeitura. Como analisam o dilema que o prefeito que sair das urnas de novembro enfrentará: gerir um município com orçamento para 2021 estimado em 1,57 bilhão, com R$ 1,1 bilhão já comprometido só com folha de pagamento? Diria que é a pior crise financeira dos 185 anos da história de Campos?
Fred Machado – Com certeza é uma grave crise financeira que o próximo prefeito terá pela frente. Diria que é a pior crise financeira desde que a Constituição Federal de 1988, pois as modificações tributárias ocorridas na CF/88 impedem de fazer comparações com períodos anteriores. A única solução possível é administrar com os recursos que estiverem disponíveis. O próximo prefeito, sabedor destas dificuldades, terá que adequar a administração pública ao orçamento municipal.
Nelson Nahim – Sem dúvida é a pior crise financeira da história do município. O próximo prefeito terá, em primeiro lugar, que buscar o entendimento de todas as forças políticas das esferas municipal, estadual e federal, pois será necessário um conjunto de medidas que abrangem a captação de recursos federais, estaduais, emendas parlamentares e, ainda, redução das estruturas físicas não essenciais à população. Não vejo ainda uma receita pronta para essa equação. O prefeito deve abrir mão de qualquer projeto pessoal e partidário, agregando todos os segmentos políticos, bem como a iniciativa privada.
Marcão Gomes – De fato, se essas expectativas forem cumpridas, estaremos diante de uma das maiores crises de nossa história, pois, nesta conta, temos o comprometimento de 70% da receita para pagamento de pessoal. Há também as despesas de custeio: limpeza pública, R$ 75 milhões; iluminação pública, R$ 28 milhões; hospitais contratualizados, R$ 170 milhões; saúde, R$ 120 milhões; educação, R$ 80 milhões; assistência social, R$ 20 milhões; e outras como repasse para Câmara de Vereadores, R$ 30 milhões. Sem contar as dívidas com precatórios, INSS, Previcampos, FGTS e a “venda do futuro” dos Garotinho, que somam R$ 170 milhões de despesas. Sem a possibilidade dos royalties e participações especiais voltarem aos patamares anteriores, estaremos diante de um déficit de mais de R$ 200 milhões para 2021.
Rogério Matoso – Acredito que os pré-candidatos a prefeito devem ter muito cuidado com promessas de campanha e com o que vão colocar no plano de governo, para que estejam de acordo com a realidade orçamentária do município. Acho muito importante aprimorar a captação de recursos. Nessa gestão, por exemplo, vários deputados apresentaram emendas parlamentares, destinando recursos ao município, mas talvez tenha faltado planejamento na elaboração e posterior execução de projetos. Creio que a principal tarefa do próximo gestor será equilibrar as contas públicas.
Folha – A Folha tem promovido uma série de painéis para debater alternativas à crise financeira de Campos. Nos dois últimos, a necessidade de enxugamento da máquina pública chegou à Câmara Municipal. E todos os entrevistados, entre sindicalistas e especialistas de diversas áreas, foram unânimes ao afirmar que o Legislativo goitacá não precisaria ter 25 vereadores, cada um com um mínimo de cinco assessores, ao custo de R$ 100 mil/ano por cada mandato. Qual a sua opinião?
Fred – O número máximo de vereadores é estabelecido pela Constituição Federal. A decisão de ter 25 vereadores foi dos representantes do povo na ocasião (em 2011, válida a partir da eleição de 2012). O número de assessores é razoável para os diversos assuntos tratados numa Casa Legislativa. O orçamento da Câmara de Campos dos Goytacazes corresponde a cerca de 1,5% do orçamento municipal. Por ser um valor baseado em fonte de receita fixa, assegura uma receita sem riscos de variações. A gestão destes recursos tem sido feita de forma bastante responsável, com elevado nível de fiscalização tanto interna, como pelo TCE-RJ.
Nahim – O repasse ao Legislativo de qualquer munícipio está previsto em lei específica e varia de acordo com a população. Já fui vereador e presidente com 21 vereadores e depois 17. Entendo que, com 25, a representatividade popular é maior, embora a qualidade tenha muito mais valor. Mas vejo com bons olhos, neste momento, o Legislativo repensar em uma redução, muito embora isso represente muito pouco nessa conta. Por várias vezes enquanto estive na presidência da Câmara, dos recursos repassados, gastei estritamente o necessário, devolvendo anualmente mais de R$ 1 milhão, fazendo a economia e contribuindo com o Executivo.
Marcão – O momento exige sim uma discussão aberta com a população quanto à possibilidade de redução de custos em todas as esferas de poder. Campos possui uma extensão territorial de 4026 km2 e uma população estimada em, aproximadamente, 510 mil habitantes. O custo de cada gabinete com salário dos 6 assessores e o subsídio do vereador chega ao total de R$ 39.353,88/mês. O total da folha de pagamento da Câmara, entre estatutários, vereadores e assessores gira em torno de R$ 19,5 milhões/ano. A legislação, no entanto, diz no artigo 29 da Constituição da República Federativa do Brasil que nos municípios com população entre 450 mil e 600 mil habitantes o número máximo de vagas a serem ocupadas é de 25 parlamentares.
Matoso – Eu vejo que a melhor resposta pra isso é o novo gerencialismo público. Temos que fazer de Campos uma cidade mais eficiente, utilizando melhor os seus recursos. Quando eu fui vereador eram 17 cadeiras na Câmara, não as 25 de hoje, e eu acredito que 17 seja o número ideal, até pela economia que gerou. Inclusive, naquele período, por medidas de contenção de despesas, a Câmara dos Vereadores, na figura do presidente, chegou a devolver recursos ao município para investimentos em áreas prioritárias.
Folha – Outro ponto questionado é o número atual de mil DAS, ao custo de R$ 3,2 milhões/mês, e de 4 mil RPAs, ao custo de R$ 6 milhões mês. Presidente do Siprosep, Elaine Leão denunciou: “A maioria dos cargos RPAs e de DAS são indicados pelos vereadores”. Presidente da CDL-Campos, José Francisco Rodrigues endossou: “Boa parte desses DAS e RPAs são indicações políticas”. O sociólogo José Juiz Vianna da Cruz também: “Que prefeito e vereadores desenvolvam outras fontes que não a drenagem dos recursos do município para seus interesses”. O advogado Cleber Tinoco, por sua vez, denunciou que a contratação de RPAs, sem o quesito na eventualidade, é inconstitucional. Como você responderia?
Fred – Considero que em função da diminuição de receitas, o prefeito deve adequar a máquina administrativa dentro do orçamento disponível. Afirmar que os DAS e RPAs são indicações de vereadores não é verdadeiro e atribuo essa afirmação à polarização político-partidária que ocorre próximo às eleições. Há setores na Prefeitura que são ocupados por pessoal técnico, como nas secretarias de Fazenda, Saúde, Promoção Social, além de outros setores, como Controle, Contabilidade, Fiscalização e outros. Portanto, há muitos ocupantes de DAS que são funcionários efetivos e não é justo atribui-los a indicações políticas.
Nahim – Como advogado também entendo que a contratação de RPAs é inconstitucional. Porém, a grande maioria das prefeituras e câmaras municipais por todo o Brasil vem há muito tempo utilizando esse modelo. Quanto à indicação de nomes para cargos comissionados por vereadores, sempre existiu, em todas as esferas de poder, na formação de uma base parlamentar. Não vivemos num jardim de infância. Todos sabem que sem uma base parlamentar sólida ninguém consegue governar. Mas não pode haver nessas indicações qualquer pactuação de corrupção ou subserviência e, sim, de interesse público.
Marcão – Posso afirmar que, sem essa força de trabalho, o município não consegue manter todos os serviços que hoje temos: 240 creches e escolas, cerca de 100 unidades de saúde e 20 equipamentos de Assistência Social, oito Vilas Olímpicas, além de prédios como o Centro Administrativo onde funciona a sede da Prefeitura, Procuradoria, secretaria de Gestão, Controladoria, Fundecam, Comunicação Social e Planejamento. A cidade tem também prédios que abrigam as sedes de diversas outras pastas como Cultura, Meio Ambiente, Limpeza Pública, Obras, Iluminação Pública, Emhab, Igualdade Racial, Previcampos, Codemca, Segurança Pública, Agricultura, Fundação da Infância e Juventude, Cepop, Cidade da Criança, IMTT, Cidac, Postura, Guarda Municipal, Governo, Fazenda, Entretenimento e Lazer, Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda, Ciência e Tecnologia, Justiça, Procon, Envelhecimento Saudável e Defesa Civil. Antes de tudo, precisamos abrir um diálogo com a população em cima da quantidade de serviços postos e de onde devemos reduzir.
Matoso – Eu penso que uma alternativa racional é aproveitar os servidores concursados nos cargos comissionados, justamente porque eles já constam na folha de pagamento e têm alto conhecimento técnico. A relação política tem que ser entendida de uma outra forma, com uma prestação de serviço melhor. Por exemplo, nos postos de saúde deveria haver a indicação de concursados que atuam na área. E o mesmo poderia acontecer na assistência social e em outras pastas representativas, pois dessa forma economizaria recursos e iria prestigiar esse servidor, oferecendo uma função gratificada.
Folha – Além da identificação das causas, há propostas de solução para a crise financeira de Campos. Algumas são unânimes, como a adoção do pregão eletrônico para se diminuir despesas nas compras e dificultar a corrupção. Tanto que o governo federal tornou seu uso obrigatório por decreto e condicionou sua utilização aos repasses a estados e municípios. Adotado nas prefeituras de Macaé e Niterói, permitiu economia de até 40% nas compras. Há motivo confessável para ainda não ter sido adotado em Campos? Qual?
Fred – Acredito que num futuro próximo, os pregões serão eletrônicos. Não é tão simples a adoção desse procedimento, pois é necessário adquirir um sistema compatível e seguro para que seja feito sem riscos, como também, possuir equipe técnica qualificada e capacitada para a realização deste tipo de pregão. Na Câmara Municipal estamos providenciando cursos de capacitação para servidores que irão atuar neste segmento de licitação.
Nahim – Não tenho dúvida que o pregão eletrônico proporciona mais condições de diminuir despesas nas compras, bem como também, evitar a ingerência de terceiros que pode levar à corrupção. Quanto à sua aplicação no nosso munícipio, cabe ao poder público atual dar essa resposta.
Marcão – Concordo com essa importante ferramenta que foi implementada também em Campos e que está sendo colocada em prática desde o mês passado.
Matoso – O pregão eletrônico é um exemplo de instrumento que deve ser utilizado nesse novo gerencialismo público, justamente para dificultar a possibilidade de corrupção e oferecer maior transparência da administração à população, algo extremamente necessário. E assim como ele, podem ser adotados outros instrumentos de automação e informação, a fim de facilitar a administração, para que tenhamos uma cidade mais ágil e moderna, bem como gerar economia.
Folha – Outro ponto unânime como alternativa econômica a Campos é sua vocação agropecuária. No entanto, só R$ 5,8 milhões foram aprovados para a superintendência de Agricultura no orçamento municipal de 2020. E nossa produção no campo, eixo econômico da cidade até os royalties do petróleo nos anos 1990, hoje é menor que a de São Francisco de Itabapoana. Concorda que é uma saída? Como, de fato, retomá-la?
Fred – A produção agropecuária é uma solução para todo nosso país que se apresenta ao mundo como um grande fornecedor de grãos e carne. A questão agropecuária de nosso município é complexa de ser analisada, pois por muitos anos esteve voltada para a produção canavieira e pecuária. Essa comparação com São Francisco de Itabapoana não é apropriada, pois a de lá, além de diversificada é explorada por pequenos agricultores. Acredito na mudança da agropecuária em nossa terra, mas teríamos que partir da elaboração de um Plano Municipal de Agropecuária, para que possamos aproveitar melhor a enorme área disponível para novamente alavancar o município como o grande produtor que já foi no passado.
Nahim – Sem dúvida, nosso munícipio tem vocação para a agropecuária. Quando estive por seis meses como prefeito interino, coloquei patrulhas mecanizadas e insumos em todas as regiões com essa vocação. O patrulhamento de estradas vicinais foi uma constante, facilitando escoamento da produção, bem como a abertura de poços para bebedouros de animais, atendendo a mais de 4.000 produtores rurais. O investimento na agricultura é fundamental à economia do munícipio. Mas temos que atrair empresas para a criação de novos empregos e renda. A Prefeitura não pode ser a única responsável a oferecer trabalho a todos.
Marcão – Concordo com essa avaliação de explorarmos nossa vocação agropecuária. Na verdade, não deveríamos nunca ter deixado de lado. A cultura da cana sustentou a economia ao longo de nossa história. A nossa saída sem dúvida passa pelo agronegócio com a cana, a pecuária e outras lavouras. Em Brasília, tenho trabalhado para promover e gerar desenvolvimento para os produtores da região Norte e Noroeste Fluminense. E já solicitei aquisição de equipamentos e máquinas agrícolas, visando facilitar o escoamento da produção, atender às famílias dos produtores e incentivar a produção agrícola, reduzindo o custo.
Matoso – Com certeza é uma saída. Mas eu acho que antes de pensar em projetos complexos temos que pensar no macro, como por exemplo, atentar para a melhoria e recuperação das estradas vicinais, a fim de garantir o escoamento desta produção agrícola e, com isso, a garantia da chegada do alimento aos centros para comercialização. Hoje, não temos nossas estradas preparadas para escoar a produção da agricultura familiar, nem da pecuária e cana de açúcar. É um problema real que precisamos cuidar, para aí assim favorecer o homem do campo, garantir a trafegabilidade e alavancar a nossa economia. O próximo gestor precisa se concentrar nesta situação e oferecer um tipo de alternativa e apoio aos pequenos agricultores.
Só ave de rapina todos com cara de anjo.