Crise financeira de Campos sob análise dos gestores do polo universitário

 

Como administrar um município com projeção orçamentária de R$ 1,57 bilhão para 2021, com R$ 1,1 bilhão já comprometido só com folha de pagamento? É a pergunta que deveria ser a principal para qualquer candidato a prefeito de Campos na eleição de novembro, mas cuja ficha da gravidade parece ainda não ter caído para os mais de 507 mil campistas, cujas vidas são e serão diretamente afetadas pela crise financeira talvez sem precedentes nos 185 anos de história da cidade. Em busca de respostas, a Folha já tinha recorrido ao polo universitário goitacá, ouvindo alguns dos seus quadros docentes, especialistas em áreas como ciência política, finanças, economia, antropologia, direito e sociologia. Mas hoje, além do conhecimento teórico, esta série de painéis (confira aquiaquiaquiaquiaqui, aqui e aqui) chega também à experiência empírica dos gestores de algumas dessas principais universidades. Em ordem alfabética, Beth Landim, diretora do Isecensa; Raul Palacio, reitor da Uenf; e Roberto Rosendo, diretor da UFF-Campos.

Também economista, Rosendo analisou os números da crise econômica brasileira, advinda da pandemia da Covid-19, para classificar a previsão orçamentária de R$1,57 bilhão para Campos como “otimista”. Mas, embora todos reconheçam a gravidade do quadro, nenhum dos gestores universitários foi pessimista sobre o futuro do município. Beth aposta na reorganização do poder público municipal, com dados e métricas colhidas também do atendimento ao cidadão, para afirmar de cara: “sim, existe solução aritmética para 2021”. Reitor da maior universidade de Campos e região, Raul bate na tecla: “seria necessário um grande pacto entre Prefeitura e sociedade civil”. Da sua experiência como professor de economia, Rosendo lança um olho aos números, mas mantém o outro no social: “reduzindo-se custos, porém, minimizando os impactos negativos nos serviços”. Os três apostam que as alternativas financeiras para Campos só serão possíveis com a ajuda do polo universitário da cidade. E deram exemplos de como elas já são buscadas pelas instituições de ensino superior que comandam.

 

Beth Landim, diretora do Isecensa; Raul Palacio, reitor da Uenf; e Roberto Rosendo, diretor da UFF-Campos (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Alcimar Chagas, economista e professor da Uenf

Folha da Manhã – O governo Rafael Diniz (Cidadania) enviou à Câmara a previsão orçamentária de R$ 1,7 bilhão para 2021. Mas, em painel da Folha publicado em 1º de julho, o economista Alcimar Ribeiro, professor da Uenf, calculou em R$ 1,57 bilhão. Deste, R$ 1,1 bilhão já está comprometido com folha de pagamento de servidor. Há solução aritmética para Campos?

Beth Landim – Problemas complexos exigem respostas complexas. Dados e métricas são imprescindíveis. Sim, existe solução aritmética para 2021. No entanto, é necessária a adoção de uma política de austeridade, pautada pelo pragmatismo das ações. É importante salientar que as “soluções” para as diversas questões municipais não serão suficientes e não se esgotam apenas no ano de 2021. Logo, é evidente que promessas políticas salvadoras são infundadas nesse contexto. Gestão se faz com equipe, time de profissionais técnicos e comprometidos, que tenham o componente da inteligência emocional para lidar com as várias crises que virão, visão local e global, para inserir Campos em todos os cenários econômicos.

Raul Palacio – Claro que tem, caso contrário não teríamos tantos pré-candidatos a prefeito.  A situação financeira do município é complexa.  Não existem soluções mágicas para equacionar o problema. A solução estaria no redimensionamento da cidade. Isso só é possível por meio de um governo com ampla participação popular. Na realidade seria necessário um grande pacto entre Prefeitura e sociedade civil. O problema fundamental do município está em aumentar e diversificar a sua receita. Considero o pagamento da folha da Prefeitura como uma injeção de dinheiro mensal no comércio local. O que seria da economia local sem esse dinheiro? O que seria do comércio local sem a folha anual da Uenf de 130 milhões? Ou a do IFF?

Rosendo – Por conta da crise econômica da pandemia da Covid, a queda nas receitas da União e dos municípios é inevitável.  O Banco Central estima que o crescimento do PIB de 2020 ficará negativo entre 5,77% a 5,95%.  Significa que 2020 será o ano de menor crescimento econômico do país desde 1900.  Então, diria que a previsão de queda das receitas do professor Alcimar é otimista. Minimizar os problemas da Prefeitura envolve ações de curto, médio e longo prazos. No curto, o comprometimento das receitas com folha de pagamento de servidores e prestadores de serviços, torna necessário que os contratos sejam revistos e otimizados, reduzindo-se custos, porém, minimizando os impactos negativos nos serviços.

 

Folha – Além do magistério, todos vocês são gestores. Dois no ensino superior público, um no privado, que são referências em Campos e na região. O que entendem que seria aplicável na sua experiência de gestão ao poder público municipal neste momento de crise?

Beth – Vejo a implantação da diversificação das fontes de receitas municipais, da cultura de parcerias público-privadas, da simplificação dos processos internos e da postura proativa no atendimento ao cidadão pagador de impostos. Faz-se necessário a criação de um plano de gestão 100% alinhado às condições de contexto, com um delineamento criterioso sobre os resultados a serem pretendidos. A busca por engajamento e produtividade da força de trabalho, passa por criar um ambiente de metas claras, buscando a sinergia entre os diversos órgãos da administração pública. É imprescindível a agilidade e a ação estratégica, se reinventar e quebrar paradigmas. Aprender com a tempestade faz o bom marinheiro.

Raul – O primeiro que tenho aprendido é que os problemas devem ser tomados como desafios, caso contrário estaremos destinados ao fracasso. Durante a época mais dura da crise da Uenf, em 2016/2017, trabalhamos na diversificação da receita. Neste sentido, procuramos recursos da Câmara Federal e da Alerj.  Ganhamos várias emendas que permitiram o funcionamento da instituição. Fazer um trabalho intenso nessa direção é fundamental para o município. Explicar a realidade, mostrar abertamente as contas, apresentar um projeto real e debater constantemente com a sociedade são algumas das tarefas que o próximo prefeito.

Rosendo – Nos países desenvolvidos, o tripé universidade, governo e empresas define as regiões que são prósperas.  A solução dos problemas de uma região passa pela articulação destes atores. As universidades são a base da produção do conhecimento científico e possibilitam, por meio da interação com empresas e governo, a produção de inovações tecnológicas e de inovações sociais.  Para as crises que envolvem a União, estados e municípios, sugiro a mesma receita do ex-ministro da saúde Luiz Henrique Madetta, que propôs para a crise sanitária a receita: ciência, ciência, ciência! A ciência está nos nossos centros de pesquisa e em nossas universidades brasileiras, sobretudo nas públicas.

 

Empreendedores Joilson Barcelos, Renato Abreu e Ricardo Paes Teixeira, convidados do painel de de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Em painéis anteriores sobre a situação financeira de Campos, no publicado em 8 de agosto, os empreendedores Joilson Barcelos, Renato Abreu e Ricardo Paes Teixeira propuseram um pacto com os servidores para cortes na máquina, inclusive em pessoal. No do dia 15, os sindicalistas Edson Braga, Elaine Leão e José Roberto Crespo se colocaram contra qualquer corte de pessoal. Há meio termo possível? Ele é necessário? Qual?

Beth – É imprescindível trabalhar com dados para intervir na estrutura. Ter métricas de desempenho permite a reavaliação do trabalho e não do emprego, para melhor atender ao cidadão. Digitalização de serviços prestados e autoatendimento. A rede privada precisa cortar custos de pessoal e aumentar a produtividade de seus colaboradores, e o setor público precisa acompanhar esse processo. Máquina pública inchada não é garantia de eficiência de serviços públicos. O que é melhor: reduzir pessoal, pagar em dia, investir na eficiência dos serviços com condições razoáveis de funcionamentos ou ter uma máquina inchada que não sabe quando vai receber? A escolha do caminho a seguir precisa ser honesta e pública.

Raul – A gestão pública não visa lucros, não é uma empresa privada. Por outro lado, a gestão pública tem um compromisso com a qualidade do serviço a ser oferecido à sociedade, e não é um sindicato. Temos de fato um problema de despesa, entretanto, entendo que o problema fundamental está na receita. Vou colocar um exemplo. A Uenf coloca todo ano mais de R$ 30 milhões em serviços que poderiam ser executados pelas empresas de Campos. Infelizmente, isso não acontece e muitas das nossas prestadoras de serviço são de fora da cidade. Temos que mudar isso. Como temos que estabelecer um amplo debate com os sindicatos dos servidores, pois a assinatura de acordos coletivos de trabalho é fundamental.

Rosendo – A demissão de trabalhadores vinculados ao setor público ou privado implica o agravamento de problemas econômicos e sociais, especialmente em períodos de crise. Em uma cidade como Campos, onde grande parte do emprego formal é provido pela Prefeitura, os impactos sociais e econômicos tendem a ser significativos, pois há importantes efeitos de encadeamento. Contudo, na atual conjuntura, é necessário que a Prefeitura reveja os contratos de prestação de serviços e tenha uma nova política de recursos humanos que qualifique e valorize o servidor público, mas que, ao mesmo tempo, combata privilégios e aumente a produtividade, sempre atentando para os preceitos legais.

 

Sindicalistas Edson Braga, do Sepe; Elaine Leão, do Siprosep, e José Roberto Crespo, do Simec, convidados do painel de 15 de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Em contrapartida, os empresários se colocaram contra a possibilidade aumento da carga tributária. Já entre os sindicalistas, não houve consenso quanto à possibilidade do enxugamento dos equipamentos. Edson e José Roberto se mostraram abertos à análise racional da questão, enquanto Elaine defendeu até o Cepop e a Cidade da Criança. De um lado e do outro também, como superar intransigências? De novo, é necessário fazê-lo?

Beth – A iniciativa privada promove a geração de centenas de empregos diretos e indiretos no município de Campos. Aumentar a carga tributária, repassando mais uma vez o ônus da ingerência pública para os empresários, que lutam árdua e diariamente para manterem seus negócios vivos no Brasil, definitivamente não é uma solução. Caso isso aconteça, muitos estabelecimentos não sobreviverão e consequentemente, o índice de desemprego na cidade só irá aumentar. Desempregados não compram, não estudam, não investem. É possível e urgente promover enxugamentos. A economia é cíclica e os governos precisam ler os sinais, um deles é a inovação, que precisa acontecer no setor público.

Raul – No Brasil a carga tributária é altíssima. Não existe espaço para mais impostos ou aumento dos mesmos. Entretanto, existem outras formas de contribuição das empresas ao município. Atender uma praça, uma escola ou ajudar com recursos a Guarda Municipal são contribuições que poderiam ser pensadas. No caso do Cepop e da Cidade da Criança acredito que temos que buscar parcerias. O Cepop é um excelente espaço para uma unidade do Detran, exposições, aulas de esportes, é uma estrutura que pode ser utilizada em parcerias público-público ou público-privada. A Cidade da Criança, a mesma coisa. São só ideias, porém, como já disse, se não tomamos os problemas como desafios estaremos destinados ao fracasso.

Rosendo – Neste momento de crise profunda, aumentar a carga tributária não é saída nem para a União, nem para estados e municípios. É necessário o desenvolvimento de novos processos de financiamento para as dívidas de estados e municípios, a fim de que tenham fôlego para superar a atual crise, que é mundial.  A recessão no país deverá perdurar mais cinco anos. A solução ou mitigação dos problemas financeiros de estados e municípios no país, incluindo Campos, necessitará, passa por uma profunda reforma no sistema financeiro que viabilize a redução dos juros e crie condições mais satisfatórias para a rolagem de suas dívidas. Entretanto, a ciranda financeira ainda é um grande entrave político a ser resolvido no Brasil.

 

Empresário José Francisco Rodrigues, presidente da CDL-Campos

Folha – Arquiteto ligado ao ramo da construção e incorporação, Ricardo Paes Teixeira falou da necessidade de impor ponto biométrico rigoroso, suspensão de benefícios e programas de demissão voluntária, como já é feito nas estatais. Em painel do dia 22, o empresário José Francisco Rodrigues, presidente da CDL-Campos, também. O ponto biométrico e a suspensão de gratificações geraram grande reação, sobretudo na categoria médica, cuja última greve só foi interrompida por conta da pandemia. Essas medidas não são inevitáveis? Por quê?

Beth – No contexto do trabalho moderno, o ponto biométrico é apenas um entre os diversos fatores que permeiam a rotina do colaborador. Como supracitado, metas e métricas de desempenho alinhados a um plano de gestão objetivo e amplamente comunicado, criam uma cultura de trabalho colaborativo e de produtividade organizacional, que por sua vez, maximizam os resultados e os ganhos para o município. Este é o modelo de filosofia existente nas empresas privadas inovadoras que reconhecidamente alcançam resultados significativos. Programas de demissão ou aposentadoria voluntárias, por essência, são onerosos a curto prazo. Logo, é necessário um estudo detalhado da viabilidade de tais ações.

Raul – Como professor sou mais favorável ao acordo, após uma boa conversa, que a colocação de pontos biométricos. Claro que em alguns lugares específicos resolveria, porém, entendo que a conversa com os sindicatos é fundamental. A assinatura de um acordo coletivo de trabalho certamente ajudaria. Por outro lado, na repactuação coletiva de Campos também entrariam os valores a serem pagos pelos serviços prestados. Neste sentido, teriam que ser revistos os valores a serem pagos ao prestar serviços para o município. O redimensionamento passa por demonstrar quanto o município pode pagar para um prestador de serviço, seja ele CPF ou CNPJ.  A priorização de áreas a serem atendidas é outro aspecto fundamental.

Rosendo – O ponto biométrico existe há muito tempo em instituições federais de ensino, a exemplo dos Institutos Federais. E foi implantado no ano de 2019 na Universidade Federal Fluminense (UFF).  Há diferentes processos de controle das atividades laborais em instituições públicas e privadas.  O ponto biométrico é um deles. Como já mencionado, a implementação de novos processos relacionados à gestão, neste caso, a gestão de recursos humanos, deve ser fruto de estudos e de planejamento baseados em métodos científicos.

 

Página 10 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

 

Deputado federal Rodrigo Maia (DEM/RJ)

Folha – Campos tem 14 mil servidores concursados na ativa, ao custo de R$ 60 milhões/mês. E outros 4,5 mil inativos, ao custo de R$ 15,5 milhões/mês. A reforma administrativa, que ninguém cogita entrar na pauta do Congresso antes de 2021, não deve mexer em direitos adquiridos. Presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ) frisa que a estabilidade só seria alterada em concursos futuros. Concorda que os acordos já feitos têm que ser respeitados? Por outro lado, como impor produtividade com as regras atuais?

Beth – No contexto do trabalho moderno, a produtividade não é uma condição imposta. Existe a necessidade de criação de uma cultura organizacional onde a produtividade é parte integrante da mentalidade e das ações do colaborador. Assim, o próprio colaborador, entende o escopo das suas atribuições e quais são os respectivos resultados esperados. Sobre a estruturação e a regulamentação do trabalho do servidor público, esta discussão precisa ganhar relevância nas esferas federais, porém direitos adquiridos tem que ser preservados. Trabalhar a autonomia do funcionalismo faz a diferença na produtividade. Temos excelentes quadros no funcionalismo e tenho a certeza de que os mesmos lutam por nossa cidade.

Raul – Que os acordos têm que ser respeitados foi uma das primeiras coisas que meu pai me ensinou.  Mudar as regras para os inativos seria pior ainda. As pessoas contribuíram a vida toda para ter esse direito. Se o dinheiro foi indevidamente investido eles não são responsáveis. Entretanto, temos que equacionar o problema procurando o aumento das receitas. O agronegócio é uma das possibilidades. As empresas de tecnologia são outra opção. Investir no fortalecimento do polo universitário e das pesquisas em Campos é outra. A saída para melhorar a produtividade é investir na valorização e formação do funcionalismo.  Melhorar as condições de trabalho é um exemplo de valorização.

Rosendo – Servidores que entram para a carreira pública por concurso são, em geral, muito qualificados.  Passam por avaliação anual, ao longo de três anos, chamado de “estágio probatório”. Somente após a aprovação das avaliações anuais conseguem a estabilidade. Que é fundamental para que possam desempenhar suas atribuições, minimizando os riscos de sofrerem assédios a interesses alheios ao público.  Por outro lado, penso que os processos de avaliação, desempenho e de controle laboral de servidores públicos podem e devem ser aperfeiçoados. Enfim, as leis atuais que garantem a estabilidade devem ser respeitadas! Obviamente, as irregularidades no desempenho de servidores públicos devem ser combatidas.

 

Odisséia Carvalho, ex-vereadora e pré-candidata a prefeita pelo PT

Folha – Em entrevistas ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, quase todos os pré-candidatos a prefeito de Campos entrevistados falaram em necessidade de redução da máquina municipal. Até a ex-vereadora Odisséia Carvalho, do PT, partido tradicionalmente ligado aos servidores públicos. Mas nenhum deles deu detalhes de como e onde. Qual a sua visão?

Beth – A redução da máquina municipal pode ser aplicada sob dois pilares: a redução do custeio municipal e a redução da interferência municipal na vida do munícipe. No primeiro pilar, além das questões de folha de pagamento e destinação de equipamentos, deve-se buscar alternativas de parcerias público-privadas e convênios estaduais e federais. Por outro lado, a desburocratização dos processos administrativos municipais representa uma enorme possibilidade de redução de custos administrativos e traz grandes benefícios para a vida do cidadão. Campos tornar-se uma cidade tecnológica com a utilização do auto serviço e do auto atendimento. O mundo caminha para o algoritmo.

Raul – O problema não está na quantidade, e sim na qualidade do serviço prestado. A repactuação do município também passa por isso. O importante não é a redução da máquina, e sim a eficiência da mesma.

Rosendo – Redução da máquina pública é um eufemismo relacionado, principalmente, mas não exclusivamente, à redução do quadro de servidores públicos e prestadores de serviços.  Na verdade, as prefeituras municipais e os estados necessitarão de ajustes estruturais para enfrentar os efeitos da atual crise econômica provocada pelo novo coranavírus, crise esta que irá impactar profunda e negativamente a economia do país, de estados e municípios, pelos próximos cinco anos. As prefeituras necessitarão aumentar a eficiência dos seus processos de gestão, otimizar a prestação de serviços, reduzir os custos operacionais e melhorar os mecanismos para aumentar suas receitas tributárias e não tributárias.

 

Sociólogo José Luiz Vianna da Cruz, professor da Cândido Mendes

Folha – Um ponto questionado é o número atual de mil DAS, ao custo de R$ 3,2 milhões/mês, e de 4 mil RPAs, ao custo de R$ 6 milhões mês. Presidente do Siprosep, Elaine Leão denunciou: “A maioria dos cargos RPAs e de DAS são indicados pelos vereadores”. E, no painel do dia 22, foi endossada pelo sociólogo José Juiz Vianna da Cruz: “que os prefeitos e vereadores desenvolvam outras fontes de poder político-eleitoral que não a drenagem dos recursos do município para seus interesses particulares”. Como vê a questão? Esses não concursados deveriam ser os primeiros atingidos por um eventual corte?

Beth – Aqui é um ponto de inflexão. A Câmara Legislativa deve caminhar na mesma direção do Executivo no sentido de enxugar suas verbas de gabinete, trazer produtividade. Os dois poderes devem caminhar com soluções inovadoras, sustentáveis e viáveis em um pacto para Campos. Devem compartilhar da cultura de trabalho colaborativo e produtividade organizacional em ambas as esferas. A reforma administrativa e o enxugamento da máquina se fazem necessários, aumentando a qualidade do serviço público com os apontamentos já indicados. Uso da tecnologia e do algoritmo para automatizar processos aliando conhecimento e inovação. Atualização e revitalização do funcionalismo que é comprometido com a cidade.

Raul – Em relação a possíveis indicações, nada a comentar. Acredito que não tem solução fácil, certamente tem que fazer um redimensionamento dos não concursados, tanto na quantidade como nos valores a serem pagos pelos serviços prestados.

Rosendo – A administração pública é regulada por leis. O primeiro princípio da administração pública é a “legalidade”; outro, não menos importante, é o princípio da “eficiência”.  Por óbvio, deve-se fazer uma profunda investigação para que se determine o que há de ilegalidade e de inadequação e/ou ineficiência em termos de funções gratificadas e RPAs. Os desvios devem ser corrigidos considerando-se os outros princípios da administração pública: “impessoalidade”, “moralidade” e “publicidade”. Por outro lado, é imperioso que se mantenha um quadro necessário de prestadores de serviços, por algum tempo, que garanta a qualidade dos serviços públicos da Prefeitura, de modo a não penalizar a população, sobretudo a mais carentes.

 

Presidente da Câmara Muncipal, Fred Machado, e seus antecessores no cargo Nelson Nahim, Marcão Gomes e Rogério Matoso, ouvidos no painel de 26 de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – No último painel, publicado dia 26, com o presidente e ex-presidentes da Câmara Municipal, o atual, vereador Fred Machado (Cidadania), questionou: “Afirmar que os DAS e RPAs são indicações de vereadores não é verdadeiro”. Já seu antecessor e ex-prefeito, Nelson Nahim (MDB) admitiu: “Quanto à indicação de nomes para cargos comissionados por indicação de vereadores, sempre existiu na formação de uma base parlamentar”. Por sua vez, hoje deputado federal e também ex-secretário municipal, Marcão Gomes (PL) ressalvou: “Sem essa força de trabalho (DAS e RPAs), o município não consegue manter todos os serviços”. O que concluir?

Beth – Mensurar a produtividade da força de trabalho exclusivamente em headcount (contar cabeças) não é uma prática de reconhecida efetividade. Não se trata de uma mera opinião. A argumentação deve ser feita a partir de métricas e, por conseguinte, dos dados colhidos a partir do desempenho dos colaboradores. A gestão deve ser profissional, inovadora, com estratégias assertivas e a tecnologia como ferramenta. Gestão se faz com equipe. Um time preparado para enfrentar os vários cenários e com ações objetivas e ágeis para responder ao tempo em que vivemos. Temos que nos adequar a uma nova realidade e a pergunta deve ser: o que cada um de nós pode fazer por Campos?

Raul – Que o novo prefeito vai ter muito trabalho. Certamente precisará abrir as contas do município, e de forma popular decidir onde investir ou quais serviços contratar. O cobertor é curto e precisamos que aumente de tamanho. Para isso tem que fazer uma priorização das áreas de investimento. Sem apoio popular vai ser literalmente “linchado” pela opinião pública.

Rosendo – Com exceção dos casos previstos em lei, o uso político dos cargos com funções gratificadas e a indicação de prestadores de serviços por acordos políticos devem ser combatidos e execrados, pois, ferem princípios fundamentais da administração pública, dentre eles o da moralidade e, muitas vezes, o da legalidade. Servidores públicos devem ocupar cargos por concurso e por competência técnica, e prestadores de serviços devem ser contratados após serem submetidos a processos seletivos sérios, a partir de planejamento e identificação da real necessidade destes profissionais, sem perder de vista a capacidade financeira do município.

 

Economista José Alves de Azevedo Neto e Cleber Tinoco, advogado da Uenf, ouvidos no painel de 22 de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Sobre a questão específica dos RPAs, o economista José Alves de Azevedo Neto advertiu no painel do dia 22: “É inaceitável que a Prefeitura de Campos esteja com esse tipo de contrato ainda”. Por sua vez, o advogado Cleber Tinoco denunciou que a contratação de RPAs, sem o quesito na eventualidade, é inconstitucional. Nelson Nahim (MDB) concordou no painel do dia 26: “Também entendo que a contratação de RPAs é inconstitucional”. Mas ressalvou: Porém, a grande maioria das prefeituras e câmaras municipais por todo o Brasil vem há muito tempo utilizando esse modelo”. Qual modelo a lei e a crise permitem a Campos?

Beth – Não cabe a mim discutir os termos da lei. O município deve pensar em formatos de contratação que atendam aos preceitos legais. Gestão, lisura e transparência são pilares essenciais.

Raul – Acredito que a melhor forma de contratação é por concurso. RPAs só em casos muito específicos e eventuais. Agora, Campos tem 14 universidades ou centros universitários que anualmente têm que oferecer estágios para seus estudantes. E aproveitar essa força de trabalho bem qualificada é fundamental para o município.

Rosendo – A Prefeitura de Campos, assim como a maioria das prefeituras municipais brasileiras, padece de problemas estruturais, institucionais e, consequentemente, legais. Respondendo à pergunta, a lei está posta. A lei pode até ser alterada pelo legislador, mas é o município que deve se adequar à lei e não o contrário.  No âmbito legal, penso que a Prefeitura de Campos deveria propor uma espécie de termo de ajuste de conduta (TAC), em acordo com as instituições judiciárias, definindo prazos e metas para regularizar sua situação funcional.

 

Folha – No painel com o presidente e ex-presidentes do Legislativo goitacá, sobre a possibilidade deste funcionar abaixo do teto máximo de 25 cadeiras, para contribuir no enxugamento da máquina pública, Nahim e Rogério Matoso (DEM) foram favoráveis, enquanto Fred e Marcão, mais reticentes. Fora da política partidária, todos os ouvidos até aqui, entre sindicalistas, empresários e professores universitários, defendem a redução de vereadores. E você?

Beth – Não se trata de reduzir/aumentar o número de cadeiras no Legislativo Municipal, a questão novamente se remete às métricas de desempenho e produtividade. Porém, sou a favor da diminuição. Todos nós temos que dar a nossa parcela de contribuição com menos gastos e maior resolutividade em nossas ações. Como disse anteriormente, os dois poderes devem caminhar na mesma direção e no mesmo propósito. A vida é cíclica, as crises serão constantes, a gestão tem que estar preparada estrategicamente para os desafios dos vários cenários. Conhecimento e inovação, junto à gestão do tempo, são as moedas do mundo contemporâneo.

Raul – O problema não está no número de vereadores, e sim no custo de cada um deles. A Câmara precisa se modernizar e pensar sobre o seu papel no desenvolvimento de Campos. Entendo que o redimensionamento da cidade passa por uma Câmara mais eficiente e econômica. A Câmara tem que apresentar projetos específicos para a cidade, e para isso precisa de um fundo que lhe permita acolher as demandas sociais que o Poder Executivo não consegue atender. A Alerj é um exemplo disso.

Rosendo – A redução do número de vereadores pode simbolizar o esforço da administração pública municipal de mudança institucional, e este é um bom começo. Porém, é necessário que haja profundas mudanças institucionais na Prefeitura de Campos.  Um dos grandes problemas da União e de seus entes federados é o patrimonialismo. Precisamos revisitar autores como Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, com especial atenção para sua clássica obra “Os Donos do Poder — Formação do Patronato Político Brasileiro”.

 

Carlos Alexandre de Azvedo Campos, advogado tributarista e professor da Uerj e Isecensa

Folha – A saída para aumentar receitas pode ser a tomada de empréstimos, como os três feitos por Rosinha em 2015 e 2016, chamados de “venda do futuro”? No painel publicado em 1º de agosto, o advogado tributarista Carlos Alexandre de Azevedo Campos disse “ser necessário hoje”. E contou com a concordância do sociólogo José Luiz Vianna da Cruz, no dia 22. Todos os demais ouvidos, no entanto, foram contrários. Muitos, inclusive, culparam essa opção no passado pelo quadro de penúria presente. Como você pensa. E por quê?

Beth – Com vistas ao investimento municipal, as parcerias público-privadas e os convênios estaduais e federais são alternativas. Em relação ao custeio da máquina pública, não se justifica a tomada de empréstimos. A realidade do município, no que tange à arrecadação de royalties não é igual àquela conhecida anos atrás. O município deve se estruturar para esta nova realidade. Já pensou se você, pessoa física, todo mês, não pagasse suas contas e utilizasse o cheque especial? Você reduziria seu orçamento, seus custos, buscaria fontes alternativas de renda ou continuaria a pagar juros e se endividar sem ter resolutividade? A dor é pedagógica, diz Schopenhauer. O desafio da mudança exige resiliência e adaptação.

Raul – Não adianta pedir empréstimos e continuar comprometendo o futuro de Campos. Temos que redimensionar a cidade ao seu orçamento e investir em novas receitas. Procurar dinheiro novo no governo federal. Parcerias com o governo estadual e procurar dinheiro em agências internacionais. As universidades podem e devem ajudar nesse sentido. Sem dúvida alguma, um tremendo desafio.

Rosendo – Tomar empréstimos no presente significa comprometer as receitas futuras da Prefeitura e, consequentemente, a oferta de bens e serviços à população. Empréstimos devem ser tomados para a realização de investimentos que contribuam para aumentar o bem-estar da população ou para o incremento das rendas futuras. Tomar empréstimos para investir em saúde, educação, habitação, transporte, por exemplo, é válido, observando-se uma satisfatória relação custo-benefício. Tomar empréstimos para pagar dívidas de custeio e dívidas financeiras não é uma boa solução. Então, penso que é necessário renegociar as dívidas, ganhar prazos e pleitear a redução dos custos da dívida em juros e amortizações.

 

Igor Franco, especialista em finanças e professor da Estácio

Folha – Também em 1º de agosto, o especialista em finanças Igor Franco disse: “A solução da Prefeitura será a continuidade da gestão de caixa, que significa postergar ou deliberadamente atrasar pagamentos para fazer jus a gastos mais urgentes ou obrigatórios, como a folha”. O diagnóstico não foi unanimidade nos painéis seguintes. Como gestor, qual o seu?

Beth – Volto a me repetir: a gestão deve ser profissional. Agilidade e ação estratégica, quebra de paradigmas, adaptação de forma rápida e eficiente. Sair da zona de conforto não é fácil. É preciso coragem e prudência. É preciso se reinventar. O município deve se organizar a fim de honrar com integridade os seus compromissos. Ter planejamento e orçamento adequado é um princípio básico de todo gestor. Buscar estratégias com outras parcerias e como já falei, o auto atendimento, o auto serviço, a utilização do algoritmo, todas são estratégias que refletem na redução de custos, aumento de resolutividade e consequentemente beneficiam a saúde financeira e sustentabilidade da PMCG, assim como as demais ações citadas nessa entrevista.

Raul – Priorizar, renegociar contratos e pagamentos deve ser o trabalho fundamental da maioria das prefeituras do Brasil. Entretanto, sem redimensionamento do município só estaremos protelando o problema.  Outro ponto importante está no aumento da receita a partir de agregar valores aos produtos da região.  A valorização dos produtos locais. Esse também é um ponto onde as universidades podem ajudar.

Rosendo – Atrasar o pagamento de compromissos de custeio, a exemplo da folha de pagamentos, pode ser uma solução emergencial de curtíssimo prazo, mas não pode ser uma política deliberada.  Atrasar salários é péssimo, pois compromete o desempenho funcional de servidores e prestadores de serviços. É preciso enfrentar o problema de frente:  renegociar, cortar custos, melhorar processos e desenvolver um planejamento eficiente para ajustar a folha de pagamentos, tendo como bases a manutenção da oferta e da qualidade dos serviços públicos e o limite imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Como já mencionado, isto envolve planejamento, eficiência na gestão, comprometimento jurídico e político.

 

Folha – Em valores corrigidos pelo INPC, Campos recebeu de royalties e participações especiais (PEs) R$ 4,67 bilhões de 1999 a 2004, nos governos Arnaldo Vianna (PDT); 6,94 bilhões de 2005 a 2008, nas gestões Alexandre Mocaiber (sem partido); e 12,06 bilhões de 2009 a 2016, nas administrações Rosinha Garotinho (hoje, Pros). Em conta que desce a ladeira para 2021, Rafael teve, até 2020, R$ 1,84 bilhão. Juntos, os três prefeitos anteriores tiveram 23,67 bilhões. Acredita que os mais de 500 mil campistas tenham a noção da chance histórica que a cidade desperdiçou? Qual o seu legado?

Beth – Os recursos naturais são finitos. Não podemos ser extremistas, saudosistas e negacionistas. Nenhuma dessas atitudes resolve, é necessário agir estrategicamente e isso significa ter uma ação positiva de quebra de paradigmas. Alguns governos tiveram parcela positiva em várias áreas. Porém, a mentalidade do finito não permeou a gestão e nem a percepção dos campistas. Campos também não diversificou sua matriz econômica. Mas o momento é de olhar para frente, e repensar a nova realidade do município. É primordial que a população seja participativa, reconheça e tenha sua parcela de responsabilidade neste processo. Penso que o maior legado que poderemos deixar é uma educação transformadora.

Raul – O único exemplo que posso colocar como legado é o belo parque universitário que Campos tem. As universidades mudaram a forma de pensar do campista. O polo será a solução da cidade. Para além da formação de mão de obra qualificada, as universidades interferem no comércio local, trazem perspectivas para diferentes áreas do setor econômico como agricultura, pecuária, engenharia de transformação e cultura. Precisamos aumentar o nosso papel no desenvolvimento da cidade, propondo projetos que tragam receita, novos modelos de negócio, implantação de empresas de base tecnológica, estímulo à cultura e à produção agrícola, à gastronomia, junto com a valorização dos produtos e da história de Campos.

Rosendo – Passamos por um período de abundância de royalties e participações especiais na região Norte Fluminense que, por alguns anos, chegou a representar 2/3 do orçamento municipal de Campos. Lamentavelmente, com a abundância de royalties, a Prefeitura se descuidou das receitas tributárias convencionais e acabou promovendo gastos desmedidos, dentre eles, a demasiada ampliação da folha de pagamentos. A exemplo dos ciclos expansivos sucroalcooleiros, ocorridos na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX em nossa região, não conseguimos converter o presente ciclo expansivo da indústria petrolífera em desenvolvimento econômico e social sustentáveis.

 

 

Folha – Com R$ 0,00 de participação especial do petróleo em agosto, fato inédito desde que a receita começou a ser paga em 2000, e o julgamento da partilha dos royalties com julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) adiado por conta da pandemia, duas alternativas foram consenso nos painéis anteriores: adoção do pregão eletrônico para diminuir em até 40% o valor das compras públicas e retomada da vocação agropecuária do município. Como as analisa? Vê alguma outra? Qual é o papel das universidades locais nessa busca?

Beth – Campos tem algumas vocações econômicas e todas devem ser valorizadas. Campos é também um polo universitário, e a universidade deve ser vista para além da relação ensino-aprendizado. A universidade deve ser um importante motor de inovação, promovendo oportunidades para professores e alunos inovarem e criarem empresas no contexto da Indústria 4.0. O Isecensa assume o seu papel nesse processo de mudança e inovação do munícipio.  Para não me estender, um resultado recente foi a classificação de 12 projetos de inovação de professores e alunos do Isecensa no programa Startup Rio 2020 da Faperj, dentre os 19 classificados do nosso município. O conhecimento transformado em ação liberta.

Raul – O pregão eletrônico, como forma de licitar serviços e compras, é fundamental. Investir em novas alternativas de receitas, como o agronegócio, é outro desafio importante. Trabalhar na valorização dos pequenos produtores e na incorporação de valor agregado ao produto local também é fundamental. As universidades são a principal saída para o desenvolvimento de Campos. Temos muitas ideias para colocar em prática. Temos muitos projetos que agregariam valor aos produtos locais. Neste sentido, gostaria de chamar a atenção para o parque tecnológico agropecuário que estamos montando em Campos. A TecCampos é outro belo exemplo, sem contar todo o trabalho realizado pelas universidades na luta contra a Covid-19.

Rosendo – A agroindústria é uma vocação histórica de Campos; as atividades a ela associadas precisam ser reintroduzidas no rol das atividades econômicas da cidade, articuladas à ciência e à tecnologia. Daí a importância do tripé universidades, governo e empresas. A participação da UFF-Campos, do IFF, da Uenf, da Universidade Federal Rural e das instituições de ensino superior privadas envolvidas com a pesquisa será, mais do que nunca, fundamental para a diversificação produtiva e definição de um novo ciclo de crescimento mais sustentável, que deverá incluir a agroindústria. Só com educação, conhecimento, ciência e tecnologia superaremos nosso subdesenvolvimento.  As ideias de Celso Furtado continuam pujantes!

 

Página 11 da edição de hoje da Folha

 

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