Universidades analisam crise financeira de Campos: “Não há soluções mágicas”

 

Diante da uma crise financeira talvez sem precedentes em seus 185 anos de história, para Campos “não há soluções mágicas e de curtíssimo prazo. Caso alguém apresente, desconfie”. Diferenças de opinião à parte, é com essa certeza, seguida do alerta necessário a exatos dois meses e 10 dias das eleições a prefeito, que o reitor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Jefferson Manhães de Azevedo, fechou este painel. Pelo critério casual da ordem alfabética, coube a ele dar a última palavra nesta entrevista com gestores universitários de Campos, junto ao diretor da Faculdade de Medicina de Campos (FMC), Edilbert Pellegrini; e da reitora do Centro Universitário Fluminense (Uniflu), Inês Ururahy.

Juntos, os três se debruçaram sobre uma questão aritmética sem resultado simples, rápido ou fácil: como administrar um município com orçamento estimado em R$ 1,57 bilhão para 2021 e R$ 1,1 bilhão comprometido só com folha de pagamento? É a pergunta que a Folha da Manhã repete há mais de um mês, nesta série de painéis (confira aquiaquiaquiaquiaqui, aquiaqui e aqui) com especialistas de diversas áreas, empresários, sindicalistas e outros gestores universitários. Apesar das dificuldades, nenhum dos entrevistados foi pessimista. “Acredito que haja solução aritmética, mesmo que o pagamento da folha seja a maior despesa de custeio para o governo municipal”, admitiu Edilbert. “Acreditamos, sim, na existência de solução. Obviamente, que será necessário um tempo. Não há uma fórmula milagrosa”, advertiu Inês. Os dois, mais Jefferson, apostam na retomada da vocação agropecuária, na adoção integral do pregão eletrônico plo poder público municipal e, sobretudo, na condição de Campos como polo universitário, como caminhos para sair da crise.

 

Edilbert Pellegrini, diretor da FMC; Inês Ururahy, reitora do Uniflu; e Jefferson Manhães de Azevedo, reitor do IFF (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha da Manhã – Além do magistério, todos vocês são gestores de instituições de ensino superior que servem como referência em Campos e na região. O que na sua experiência de gestão seria aplicável ao poder público municipal neste momento de crise?

Edilbert Pellegrini – Toda gestão precisa de credibilidade para inspirar confiança nas propostas e atos apresentados. O fato de Campos ter se tornado um polo universitário agrega valores tangíveis e intangíveis ao poder público, seja contribuindo diretamente com o conhecimento técnico-científico no enfrentamento dos problemas e busca de soluções, seja, por exemplo, no desenvolvimento de startups (empresas inovadoras) favorecendo a diversificação econômica da região.

Inês Ururahy – Na prática, sabemos que a gestão de uma instituição privada é bastante distinta de uma de natureza pública. Mas, apesar da complexidade da crise atual, há questões que devem ser priorizadas em quaisquer tipos de gestão. Considero que, em primeiro plano, é necessário um equilíbrio entre as despesas fixas e o que pode ser visto como despesas extras para investimentos. No caso específico do setor público, o fato dos gestores terem que buscar esse equilíbrio, enxugando o que for possível, a partir de dados confiáveis e aparato legal, estabelecendo metas possíveis e estratégias confiáveis que favoreçam ações a curto e médio prazos.

Jefferson Manhães de Azevedo – Destaco alguns dos meus aprendizados. O primeiro é que problemas complexos não têm soluções simples e céleres. Não basta a chamada “vontade política”, apesar de ser fundamental. O segundo é que gestão não se restringe à técnica, ela é política. Exige decisões lastreadas nos aspectos técnicos, entretanto devemos também considerar prioridades a partir de concepções de um futuro desejado. Terceiro é que as decisões do passado limitam as decisões futuras. Não temos a liberdade que gostaríamos, não raras são as vezes que tomamos as decisões possíveis e não as desejadas. Quarto é que devemos ter um pouco mais de humildade e fortalecer as decisões coletivas.

 

Folha – O governo Rafael Diniz (Cidadania) enviou à Câmara a previsão orçamentária de R$ 1,7 bilhão para 2021. Mas, em painel da Folha publicado em 1º de julho, o economista Alcimar Ribeiro, professor da Uenf, calculou em R$ 1,57 bilhão. Projeção classificada como “otimista” em painel de 29 de agosto, pelo também economista Roberto Rosendo, diretor da UFF-Campos. O fato é que R$ 1,1 bilhão desse dinheiro já está comprometido só com folha de pagamento de servidor. Há solução aritmética para Campos? Qual?

Edilbert – Acredito que haja solução aritmética, mesmo que o pagamento da folha seja a maior despesa de custeio para o governo municipal. Reconheço que os desafios estimulam nossas criatividades. Toda gestão com recursos escassos requer austeridade, prioridades e sacrifícios. Na seara pública, o engajamento primário dos Poderes Executivo e Legislativo na busca de soluções que visem o melhor para os munícipes é fundamental, combatendo sempre os interesses escusos individuais. Por outro lado, as propostas, por mais desconfortáveis que sejam, necessitam estar baseadas em informações claras para buscar a compreensão e o apoio da população.

Inês – Acreditamos, sim, na existência de solução, obviamente, que será necessário um tempo. Não há uma fórmula milagrosa. Campos é uma cidade “rica” em muitos aspectos e, com um bom planejamento, bem como com a elaboração de parcerias tem tudo para crescer, para mudar paradigmas, para vencer obstáculos. É necessário pensar de uma forma mais ampla, buscar alternativas para o crescimento da cidade. Considero que o primeiro passo é a realização de um diagnóstico da situação real de todos os setores da administração municipal. E, só a partir dessa auditoria, elaborar um planejamento estratégico, já com possíveis cortes e uma gestão transparente.

Jefferson – Acredito que a abordagem dessa questão pode nos induzir a uma simplificação aritmética. Apesar de ser muito comum, não podemos separar o “servidor público” do “serviço prestado ao público”. Não é possível imaginar um “serviço público de saúde”, que é um direito constitucional, sem considerar os profissionais da saúde. Assim como não podemos pensar no “serviço público de educação”, outro direito constitucional, sem os profissionais da educação. Acho empobrecedoras as análises que apontam que os recursos da saúde e da educação, como exemplos, estão sendo “drenados” para pagar a folha de pagamento do servidor público. Temos a saúde e a educação que desejamos?

 

Folha – Com atraso no pagamento de RPAs, aposentados e pensionistas, mais um inédito R$ 0,00 de participação especial em agosto, desde que a renda petrolífera começou a ser paga em 2000, o quadro local tende a se agravar após a queda recorde de 9,7% no PIB brasileiro do segundo trimestre, anunciada na última terça (01). Um pouco antes, no mesmo dia, o economista José Alves de Azevedo Neto projetou no programa Folha no Ar de terça (01), da Folha FM 98,3, que Campos atrasaria a folha dos servidores ativos de novembro, dezembro e do 13º. Qual a sua visão? Caso se confirme, que impacto isso teria na economia?

Edilbert – O atraso no pagamento dos servidores só aumentaria nossa crise regional, particularmente pela atual dependência deste pagamento como mola geradora do comércio local, resultando num efeito dominó. Adequar as finanças a nova realidade econômica exigirá cortes e priorização. Mais do que nunca o estímulo em atividades laborativas nas áreas de tecnologia e serviços podem contribuir como alternativas para uma nova realidade econômico-financeira de Campos.

Inês – Sabe-se da importância do pagamento dos vencimentos dos RPAs, dos aposentados e dos pensionistas, para a economia local. Esses pagamentos fazem o dinheiro circular. Nesta conjuntura, em que a Covid-19 fez com que vários setores do comércio suspendessem as atividades, o atraso do pagamento dos meses supracitados agravaria sobremaneira o cenário econômico na nossa cidade. Em síntese, os impactos, certamente, serão muito negativos, principalmente, no caso do atraso no pagamento décimo terceiro salário, que impulsiona e aquece a economia.

Jefferson – Uma tragédia e uma irresponsabilidade institucional! Isso gera impactos não só às famílias dos servidores públicos, mas traz também consequências drásticas no exercício da função pública, do trabalhador público, e na economia da região. Todos perdem! Lembro-me de um fato que muito me marcou. Como reitor do IFF, fui representar nossa instituição em um evento conjunto com nossa coirmã Uenf, por ocasião do trágico período dos atrasos salariais do governo do Estado do Rio de Janeiro. Ao final de minha fala, olhei a plateia formada majoritariamente pelos servidores da educação dessa prestigiosa universidade, e muitos mantinham-se apáticos. A vida desses muitos colegas tinha “virado de ponta cabeça”.

 

Empreendedores Joilson Barcelos, Renato Abreu e Ricardo Paes Teixeira, convidados do painel de 8 de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Em painéis anteriores sobre a crise de Campos, os empreendedores Joilson Barcelos, Renato Abreu e Ricardo Paes Teixeira propuseram em 8 de agosto um pacto com os servidores para cortes na máquina, inclusive em pessoal. No dia 15, os sindicalistas Edson Braga, Elaine Leão e José Roberto Crespo se colocaram contra qualquer corte de pessoal. Há meio termo? Ele teria que ser encontrado através desse “pacto”, tecla em que também bateu o professor Raul Palacio, reitor da Uenf, tanto no painel do dia 29, quanto no Folha no Ar do dia 31?

Edilbert – Os serviços públicos não podem se afastar da eficácia e eficiência na sua realização. Ajuste de pessoal podem e devem ser realizados onde houver excessos ou ineficiência. Entretanto, antes de tudo deve haver condições ideais de trabalho em todos os setores públicos. Não podemos cobrar sem antes ofertar a estrutura básica para o desempenho das atividades.

Inês – Como profissional da área do Direito, entendo que é preciso analisar a questão legal. Mesmo um pacto consensual com todos os segmentos dos trabalhadores, envolveria um levantamento em relação aos direitos dessas categorias de servidores. Considero viável desde que todos estejam dispostos a dialogar e encontrar esse meio termo. A máquina pública tem sérias distorções que acabam em ônus para o município. Um caminho que poderia ser seguido é começar pelas distorções: profissionais emprestados a outros órgãos com desvio de função, profissionais com carga horária reduzida por ações incompatíveis com a função que exercem e outras realidades visíveis nos setores públicos, que possuem áreas improdutivas e inchadas.

Jefferson – Não sei a extensão e a profundidade do “corte na máquina” aludido por alguns entrevistados. Aprendi que sempre é possível fazer melhor o que estamos fazendo hoje. A escassez pode ser insumo da inovação. Mas há limites! Na esfera pública uma visão exclusivamente “economicista” está ligada à precarização do serviço público. Quem deseja uma administração pública incompetente? Aqueles que são fiscalizados por ela ou aqueles que dependem dela para garantir seus direitos constitucionais elementares, como educação e saúde? Quem se incomoda? Não são os mais pobres. Esses querem uma escola pública de qualidade. Um hospital público eficiente. Um serviço público que promova cidadania.

 

Sindicalistas Edson Braga, do Sepe; Elaine Leão, do Siprosep, e José Roberto Crespo, do Simec, convidados do painel de 15 de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Arquiteto do ramo da construção e incorporação, Ricardo Paes Teixeira falou da necessidade de impor ponto biométrico rigoroso, suspensão de benefícios e programa de demissão voluntária, como feito nas estatais. Em painel do dia 22, o empresário José Francisco Rodrigues, presidente da CDL-Campos, também. Na gestão Rafael, o ponto biométrico e a suspensão de gratificações geraram reação na categoria médica, cuja última greve só foi interrompida pela pandemia. Essas medidas não são inevitáveis? Por quê?

Edilbert – O ponto biométrico já é utilizado em diversas instituições privadas e públicas, inclusive prefeituras. Consiste apenas em uma ferramenta de controle presencial, não avaliando desempenho, comprometimento, resolutividades entre tantas outras métricas trabalhistas. Entendo que existem particularidades entre os diversos setores de atendimento, que precisam ser levadas em consideração quando da instituição da biometria, sendo, por vezes, impeditiva sua aplicação. Retorno à necessidade primária de oferecer boas condições para a execução das atividades laborais. O processo de demissão voluntária é oneroso, mas poderia ser estudado a médio e longo prazo.

Inês – São medidas importantes, mas que, por si só, não solucionam os problemas da administração municipal. No ponto biométrico, deveria ser visto como algo normal em qualquer instituição, mas sabemos que, historicamente, o setor público criou vícios difíceis de romper. É urgente que a sociedade civil participe do pacto proposto por empresários. Quanto à suspensão de benefícios, é possível e inevitável, levando-se em conta os direitos já adquiridos legalmente. Em relação à demissão voluntária, considero válida pelo fato de muitos servidores optarem por receber essa forma de indenização, principalmente, em momentos de crise, favorecendo a queda da folha de pagamentos e o enxugamento da máquina pública.

Jefferson – Nunca podemos delegar à tecnologia, à técnica, ou ao método, a responsabilidade do resultado de um processo, apesar de serem aliados importantes. Fazer administração sem perceber os sujeitos e sua atuação, para mim, é “míope”. Há servidores que possuem parte de sua atuação ou toda ela em locais e horários variados. Nesses casos é mais eficiente e inteligente criar métricas para os resultados de sua atuação. Há serviços públicos que durante essa tragédia pandemia se percebeu que podem ser realizados remotamente. Entretanto, não compreendo a resistência ao ponto “biométrico”, naturalmente antes da pandemia, ou similar para aqueles servidores que possuem local e horário fixos para o exercício do seu trabalho.

 

Folha – Os empresários se colocaram contra a possibilidade aumento da carga tributária. Já entre os sindicalistas, não houve consenso quanto à possibilidade do enxugamento dos equipamentos. Edson e José Roberto se mostraram abertos à análise racional da questão, enquanto Elaine defendeu até o Cepop e a Cidade da Criança, que o advogado José Renato Duarte, servidor e ex-secretário municipal de Campos e SJB, sugeriu privatizar. De um lado e do outro também, como superar intransigências? De novo, é necessário fazê-lo?

Edilbert – Onerar a carga tributário só retrairia ainda mais as atividades econômicas. A privatização de estruturas ociosas ou de alto custo operacional pode ser uma alternativa, obviamente quando externas às obrigações constitucionais dos municípios. Revisão dos contratos de prestação de serviços, especialmente com o retraimento geral das atividades econômicas, podem trazer economia à gestão pública.

Inês – Aumentar a carga tributária poderá tornar mais adversa ainda a situação dos empresários, o que é muito preocupante, pois, certamente, essa medida contribuirá para que muitos tenham de encerrar as atividades, o que, via reflexa, tornaria mais caótica a situação econômica da região, pois aumentaria o desemprego. O aumento da taxa de desemprego desagua em outro senão social: crescimento da violência, que já é deveras assustador em nossa cidade.

Jefferson – Uma discussão que vem ganhando espaço e alguns consensos está relacionada a um injusto sistema tributário nacional, seja porque não está adequado aos novos serviços e transações comerciais eletrônicos, seja porque impacta de maneira diversa os diferentes segmentos sociais, bem como nos diferentes segmentos da atividade econômica. Não tenho densidade para enfrentar sozinho esse debate. É um tema difícil e polêmico, mas necessário. No entanto, concordo que visões “megalomaníacas” de algumas gestões de nossa cidade trazem consequências “duras e pesadas” ao presente, criando inúmeros limitadores às verdadeiras prioridades que devem ser tratadas por uma administração municipal.

 

Página 10 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

 

Jefferson Manhães de Azevedo, Inês Ururahy e Edilbert Pellegrini (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – Entre vocês está o diretor da FMC, que forma a mão de obra de um dos maiores gargalos da folha salarial da Prefeitura. Em março, a InterTV veiculou uma matéria em que médicos em licença médica do município foram flagrados em atividades profissionais privadas e de lazer. A mesma reportagem informou que enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda 1 médico para cada mil habitantes, Campos tem três. E a Saúde é um dos principais motivos de queixa da população. Qual a sua análise?

Edilbert – Todo desvio de conduta de qualquer profissional deve ser tratado como a legislação determina. E o Cremerj se manifesta quando acionado. A permanência ou não dos médicos e farmacêuticos formados pela FMC obedecem às leis de mercado. Havendo saturação regional, esses profissionais tenderão a migrar para outras regiões. As queixas referentes à Saúde recaem, muitas vezes, exclusivamente e equivocadamente sobre os profissionais médicos, obscurecendo toda a estrutura que sofre deterioração, falta de manutenção e reposição de insumos, entre outras mazelas.

Inês – Analiso que há profissionais e profissionais, em todas as áreas, e que a consciência do dever cumprido é uma questão valorativa, intrinsicamente ligada à formação de cada indivíduo e a “como” essa formação acontece em uma sociedade na qual a vida humana é vista como mercadoria. Considero que, para mudar essa realidade a médio prazo, é urgente que os currículos dos cursos de medicina incluam lições de cidadania e de respeito aos direitos fundamentais, entre os quais se encontra o direito fundamental à saúde, como uma questão de dignidade humana. A situação dos médicos, relatada pela reportagem da InterTV, revela uma crise ética, que atinge várias categorias profissionais, a começar pela classe política.

Jefferson – A administração pública possui instrumentos para tratar questões relacionadas ao inadequado exercício da atividade pública. Por exemplo, a desídia funcional, que ocorre quando o servidor público desempenha suas funções com negligência, desleixo, falta de cuidado, desatenção e incúria, é passível de demissão. Porém, deixo para o meu querido colega Pellegrini tratar o segundo item com mais propriedade. Tenho apenas receio de usar a simplificação comparativa de métricas internacionais para realidades estruturais e históricas nacionais tão distintas.

 

Folha – Campos tem 14 mil servidores concursados na ativa, ao custo de R$ 60 milhões/mês. E outros 4,5 mil inativos, ao custo de R$ 15,5 milhões/mês. Também na terça, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que encaminharia a proposta de Reforma Administrativa ao Congresso Nacional, o que fez na quinta. E garantiu que mudaria as regras apenas aos servidores concursados após sua aprovação. Concorda que os acordos já feitos têm que ser respeitados? Por outro lado, como impor produtividade com as regras atuais?

Edilbert – Leis e acordos devem ser cumpridos na integralidade. Servidores concursados na ativa e inativa submetem-se ao regramento pré-estabelecido e não devem ter seus direitos subtraídos. Estímulos as capacitações, avaliações regulares idôneas e valorização profissional, entre outras ações, aumentam o comprometimento e a produtividade. Como médico não posso deixar de citar o descontrole das doenças crônicas como por exemplo diabetes mellitus, obesidade e hipertensão e maus hábitos de vida como tabagismo, sedentarismo e alcoolismo, como condições contraproducentes, além de gerarem absenteísmo e aposentadorias precoces.

Inês – Concordamos, sim, que os “acordos” já celebrados devem ser observados, até mesmo em respeito à segurança jurídica. Não se deve alterar as regras, depois de iniciado o jogo.  Estamos passando, no país, por uma situação em que se dorme com um arcabouço legislativo e já se acorda com outro. Há um número excessivo de medidas provisórias sendo editadas diuturnamente: um verdadeiro cipoal jurídico. Até mesmo para os profissionais do Direito está difícil manter-se atualizado. Vamos aguardar para ver quais serão essas “reformas administrativas”. Por outro lado, é urgente estabelecer critérios transparentes para a avaliação da produtividade, algo que no setor público é difícil, mas não impossível.

Jefferson – Acredito que qualquer pessoa de bom senso concorda que os acordos firmados devem ser respeitados em todos os campos da vida em sociedade. Quanto à produtividade, não acredito que não ocorra devido à estabilidade do servidor público, como, talvez, pode sugerir o senso comum. O servidor público não tem apenas o dever de exercer com competência e eficiência suas atribuições. Ele também é responsável pela proteção da “coisa pública”. Diferente da lógica de contratação da gestão privada, se não houver a garantia do concurso público e da estabilidade, dificilmente a ocupação dos cargos seguirá a lógica da competência, mas aos interesses eleitorais, partidários, de amizade ou familiaridade.

 

Folha – Em entrevistas ao programa Folha no Ar quase todos os pré-candidatos a prefeito de Campos entrevistados falaram em necessidade de redução da máquina municipal. Até a ex-vereadora Odisséia Carvalho, do PT, partido tradicionalmente ligado aos servidores públicos. Mas nenhum deles deu detalhes de como e onde. Qual a sua visão?

Edilbert – Discursos de contenção das despesas públicas são comuns no período eleitoral, mas nem sempre se convertem em realidades. Para quem assume é pertinente considerar o tamanho real da máquina administrativa e priorizar os desafios do município na atual conjuntura econômica. O uso de tecnologias da informação em vários setores do atendimento da população, como marcação de consultas online, por si só, já traria economia de pessoal e despesas.

Inês – Tão importante quanto analisar a questão da redução da máquina municipal, o que deve ser estudado à luz da legislação vigente, é a análise da eficiência desta. É inquestionável que a conjuntura atual, mormente com os danos causados pela Covid-19, exige ajustes. Esse fato não é exclusivo ao município de Campos: é uma necessidade nacional. Como já observamos anteriormente, há muitas distorções que podem ser resolvidas imediatamente, com um levantamento criterioso dos concursados que não trabalham dentro de suas funções, ou se encontram “encostados” em algum órgão. E até os que ganham e moram fora do município e, que, além de não produzirem, geram ônus para a administração.

Jefferson – Não conheço em detalhes o quadro de pessoal da administração municipal. Não duvido, porém, que sua ampliação possa ter ocorrido de maneira pouco planejada, a partir de cenários otimistas quanto às receitas municipais. Entretanto, é preciso considerar que as responsabilidades de muitas ações públicas foram descentralizadas aos municípios sem os devidos deslocamentos dos recursos. Há uma “orquestração midiática” apresentando os servidores públicos como um bloco hegemônico de “marajás”. A média salarial dos servidores do Executivo é muito menor do que a dos Judiciário e Legislativo. E a média salarial do poder municipal, por sua vez, é a menor se comparada à média salarial nas esferas federal e estadual.

 

Folha – Um ponto questionado é o número atual de mil DAS, ao custo de R$ 3,2 milhões/mês, e de 4 mil RPAs, ao custo de R$ 6 milhões mês. Presidente do Siprosep, Elaine Leão denunciou: “A maioria dos cargos RPAs e de DAS são indicados pelos vereadores”. E, no painel do dia 22, foi endossada pelo sociólogo José Juiz Vianna da Cruz, professor da Candido Mendes: “que os prefeitos e vereadores desenvolvam outras fontes de poder político-eleitoral que não a drenagem dos recursos do município para seus interesses”. Como vê a questão? Esses não concursados deveriam ser os primeiros atingidos por um eventual corte?

Edilbert – Servidores públicos devem ser prioritariamente concursados, estimulados à especialização nas funções e com um plano de cargos e salário atraente. Contratações em DAS e RPAs seguiriam estritas funções de confiança e atividades profissionais especializadas. E não deveriam obedecer a interesses políticos particulares. A manutenção ou redução dessas contratações devem seguir a imperiosa necessidade da prestação dos serviços básicos à população, sem desviar o olhar da austeridade financeira.

Inês – No que tange ao acesso a cargos e empregos públicos, a Constituição não permite dúvidas: a regra é o concurso público. E assim o é por uma razão muito simples: o concurso é um instrumento jurídico que efetiva outros princípios constitucionais, como a impessoalidade, a moralidade e a eficiência. Neste contexto, vejo com preocupação o número altíssimo de DAS e RPAS. Assentadas essas premissas, e buscando fazer uma análise eminentemente jurídica, verifica-se que o texto constitucional, em um cenário de excesso de gastos com pessoal, prevê que um eventual corte deve, necessariamente, começar pelos não concursados, para que, apenas em um segundo momento e caso haja necessidade, os concursados sejam atingidos.

Jefferson – A fragilidade dos contratos de RPAs é muito permeável aos sabores e interesses eleitorais e estão em dissonância com os consensos firmados na Constituição de 1988. Quanto à ocupação dos cargos de DAS, pela sua natureza, são de livre nomeação e de confiança do gestor eleito. São eles que devem liderar a implementação das proposições pactuadas na campanha eleitoral, resultantes do programa de gestão escolhido pelo voto popular. Entretanto, é preciso averiguar se esse número de cargos não está superdimensionado. Não tenho dúvida de que essas são duas áreas que devem ser avaliadas com maior prioridade e urgência.

 

Presidente da Cãmara Muncipal, Fred Machado, e seus antecessores Nelson Nahim, Marcão Gomes e Rogério Matoso, no painel de 26 de agosto (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Folha – No painel publicado dia 26, com o presidente e ex-presidentes da Câmara Municipal, o atual, Fred Machado (Cidadania), questionou: “Afirmar que os DAS e RPAs são indicações de vereadores não é verdadeiro”. Já seu antecessor e ex-prefeito, Nelson Nahim (MDB) admitiu: “Quanto à indicação de nomes para cargos comissionados por indicação de vereadores, sempre existiu na formação de uma base parlamentar”. Por sua vez, hoje deputado federal, Marcão Gomes (PL) ressalvou: “Sem essa força de trabalho (DAS e RPAs), o município não consegue manter todos os serviços”. O que concluir?

Edilbert – Mudanças no status quo dos processos político-administrativos levam tempo e passam por extensos diálogos e pactos entre os poderes. Reitero que a máquina administrativa deve se apoiar prioritariamente nos concursados e que estes precisam ser estimulados a capacitações e especializações profissionais, visando responder aos avanços tecnológicos e automações das atividades laborais.

Inês – De fato, a demanda por serviços públicos é muito grande e, para atendê-la, uma grande força de trabalho se faz necessária. Isso é um fato.  Contudo, a pergunta que se impõe é a seguinte: se há consenso quanto à necessidade de um grande número de agentes públicos, por que não contratá-los por intermédio do instrumento constitucional designado para tanto, qual seja, o concurso público? Penso que, neste contexto, a questão financeira não se revela uma desculpa crível, uma vez que nada impediria que o município promovesse uma ampla reforma administrativa que tivesse como um de seus escopos implantar uma nova realidade salarial para novos servidores concursados.

Jefferson – Há aqueles que acreditam que a “coisa pública” pertence a alguns, os eleitos, e, portanto, podem definir sua destinação de acordo com os interesses pessoais. Há outros que acreditam que a “coisa pública” não é de ninguém e, portanto, qualquer um pode “tirar proveito”. Enquanto não incorporarmos em nossas atitudes e comportamentos a compreensão de que a “coisa pública” é de todos e que, por isso, precisamos destiná-la ao interesse coletivo e protegê-la com relação aos interesses particulares ou de grupo.

 

Folha – No painel com o presidente e ex-presidentes do Legislativo goitacá, sobre a possibilidade deste funcionar abaixo do teto máximo de 25 cadeiras, ao custo de R$ 100 mil por mandato, Nahim e Rogério Matoso (DEM) foram favoráveis, enquanto Fred e Marcão, mais reticentes. Fora da política partidária, todos os ouvidos até aqui, entre sindicalistas, empresários e professores universitários, são favoráveis à redução de vereadores. E você?

Edilbert – A economia das despesas públicas não pode ser responsabilidade exclusiva do Executivo. O controle e economicidade nos gastos de pessoal e com a máquina administrativa precisa abranger o Legislativo e Judiciário de igual forma. A redução neste caso não abrangeria apenas o número de vereadores, estende-se aos assessores e demais funcionários da Câmara em cascata.

Inês – Com certeza, sou favorável a essa redução, não só por eliminar despesas, como também pelo fato de que não são visíveis projetos que favoreçam a comunidade de forma significativa, tendo em vista o número de representantes na Câmara de Vereadores. Também considero que um número menor de vereadores evitaria situações de clientelismo, bastante comuns nas relações políticas do Legislativo em todo o país. Por outro lado, com uma Câmara mais enxuta, as prioridades da população poderiam ser discutidas de forma mais eficiente, e quem sabe os projetos de lei mais consistentes e com maior qualidade no seu alcance efetivo, qual seja: beneficiar a população em sua totalidade, e não somente, pequenos guetos partidários.

Jefferson – Apesar de compreender a importância do mandato de vereador enquanto representação dos cidadãos e do importante papel propositivo e fiscalizador do mesmo, achei imprudente o último aumento de nossa representação na Câmara.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr com dados levantados por Joseli Mathias)

 

Folha – Em valores corrigidos pelo INPC, Campos recebeu de royalties e participações especiais R$ 4,67 bilhões de 1999 a 2004, nos governos Arnaldo Vianna (PDT); 6,94 bilhões de 2005 a 2008, nas gestões Alexandre Mocaiber (sem partido); e 12,06 bilhões de 2009 a 2016, nas administrações Rosinha Garotinho (hoje, Pros). Em conta que desce a ladeira para 2021, Rafael teve, até o primeiro trimestre de 2020, R$ 1,84 bilhão. Juntos, os três prefeitos anteriores tiveram 23,67 bilhões. Acredita que os mais de 507 mil campistas tenham a noção da chance histórica que a cidade desperdiçou? Qual o seu legado?

Edilbert – Todos nós, naturais e residentes em Campos, sabíamos que os recursos oriundos dos royalties eram finitos. A criação e aplicação de parte dos recursos em um fundo social, como empregado em alguns países produtores de petróleo teria sido uma estratégia econômica. Investimos pouco em educação básica, saúde e infraestrutura urbana e rural. Entretanto, de nada vale ficarmos olhando pelo retrovisor; o momento requer renovação e criatividade. Somos hoje um grande polo universitário e podemos em curto tempo nos tornar um polo tecnológico com essa mão de obra especializada que as instituições de ensino entregam ao mercado de trabalho.

Inês – Com sinceridade, penso que a população ainda não tem a exata dimensão. Apenas este ano, em razão dos atrasos ocorridos nos pagamentos feitos pela municipalidade, é que se começa a atentar para a questão. Com os recursos bilionários que transbordavam os cofres da cidade, muito poderia ter sido feito. Campos poderia ter se tornado uma grande referência em educação, saúde, transporte. Mas, infelizmente, não foi esse o resultado. Se há algum legado desse período de bonança, penso que esse seria a percepção da necessidade de uma maior participação popular no controle e fiscalização dos gastos públicos e a premente necessidade de se diversificar as fontes de receita do município, investindo nas vocações regionais.

Jefferson – Nossa cidade é muito refém de uma história marcada pela escravidão, pelo coronelismo, pela negação de direitos e marginalização. Não construímos uma tradição de organização e mobilização social. O fortalecimento do sentimento de pertencimento a um grande coletivo não tem sido parte dos encaminhamentos de nossas lideranças políticas. As relações clientelistas e de favores foram as marcas mais fortes de nossa organização política e de gestão pública. Por isso, não dá para cobrar essa conta a todos indistintamente. E, se olharmos para nosso passado recente de vultosos recursos públicos, tenho a certeza de que não fizemos o “dever de casa” e desperdiçamos uma oportunidade única.

 

Folha – Campos começou sua colonização contínua em 1632, com o plantio da cana, seu eixo econômico até o ciclo do petróleo. Cujo primeiro carregamento comercial se deu em 1977, em campos hoje maduros, que não retomarão o auge de produção e com a perspectiva de aprovação da partilha dos royalties no Supremo Tribunal Federal (STF). Foi um erro abandonar a vocação agropecuária do município? Retomá-la é uma saída?

Edilbert – A agropecuária pode até ser uma vocação topográfica natural da região, mas as cidades de porte médio no Brasil de hoje têm nos serviços sua principal fonte de trabalho. Em Campos não seria diferente, principalmente por ser a maior cidade da região Norte do Estado, atraindo serviços especializados. A mecanização do agronegócio, incluindo a indústria sucroalcooleira e laticínio leiteira, pode revigorar essa atividade na nossa região.

Inês – Quando a produção agropecuária foi abandonada, o momento era outro. E o contexto da época mostrou que tanto os usineiros, quanto os trabalhadores da lavoura, não estavam preparados para a modernização, visto que as relações produtivas traziam, em sua origem, o ranço da economia escravista que tanto marcou nossa região. Retomar a produção desta cultura no momento teria que ser com grandes investimentos, se bem que não é uma área que domino e falo como alguém que analisa fatos históricos e concretos. Por ser uma planície com vocação agrária, penso que poderia haver uma diversificação de culturas, que se adequassem ao clima e ao solo dessa região e com respaldo técnico das universidades, como a Uenf.

Jefferson – Não só devemos aprimorar e expandir nossa tradicional vocação agropecuária, como também explorar e desenvolver todas as demais vocações existentes e potenciais, especialmente aproveitando a vantagem estratégica de contar com um conjunto de instituições de educação profissional e tecnológica, educação superior e de desenvolvimento científico e de projetos de inovação em nosso município.

 

 

Folha – Além da retomada da produção do campo, uma opção até aqui unânime para diminuir despesas nas compras e dificultar a corrupção é o pregão eletrônico. Cujo adoção o governo federal tornou obrigatória por decreto, condicionando sua utilização aos repasses a estados e municípios. Nas prefeituras de Macaé e Niterói, gerou economia de até 40% nas compras. Como gestor, há motivo para ainda não ser integralmente adotado rem Campos?

Edilbert – O pregão eletrônico como ferramenta de licitação de serviços e insumos traz a transparência necessária à gestão pública. Faz-se necessário, entretanto, como advogamos acima, pessoal especializado neste processo e mecanismos eficientes de fiscalização e controle dos serviços ou insumos entregues.

Inês – O pregão é uma modalidade licitatória que tem sido adotada, com grande sucesso, por diversos entes federados, em razão da grande economia de recursos que é capaz de gerar. Apenas para citar um dado relevante, somente a União, entre os anos de 2008 e 2014, conseguiu economizar quase R$ 50 bilhões com a utilização do mecanismo. Destarte, penso que a administração pública municipal, de fato, demorou muito a se atentar para as grandes vantagens oriundas do pregão. Contudo, como diz o velho ditado, antes tarde do que nunca. Rogo que, daqui para frente, a utilização do pregão eletrônico seja uma constante.

Jefferson – De maneira muito sincera, gostaria de saber as justificativas.

 

Folha – Seja para gerar receitas ou diminuir as despesas do município, enxerga alguma alternativa até aqui não tratada? Qualquer uma delas tem como não passar e aproveitar a condição de polo universitário de Campos?

Edilbert – Não enxergo como o desenvolvimento de Campos, em qualquer área econômica, possa hoje prescindir das instituições de ensino superior públicas e privadas instaladas na cidade. Encontram-se à disposição do serviço público e privado estagiários e recém-formados sedentos de oportunidades para colocarem em prática suas habilidades, como por exemplo, no complexo industrial e logístico do Porto do Açu. Esta mão-de-obra dominante em informática e conectada mundialmente estimula nos ambientes de trabalho a boa competitividade e crescimento.

Inês – Considero que uma alternativa é aprofundar o diálogo entre o município e as instituições de ensino superior, ampliando as parcerias e promovendo cursos de capacitação para os funcionários dentro das especificidades de cada instituição. Há sérios problemas no município em relação à gestão compartilhada, limites fiscais, uso de tecnologias de ponta. E as universidades, cada uma em suas características acadêmicas, ajudariam o município a superar questões pontuais que atrapalham a boa administração. O polo universitário de Campos tem muito a contribuir para que o município saia da crise em que se encontra.

Jefferson – Temos um conjunto de instituições de educação profissional e superior na região com capacidade de formação de pessoas altamente qualificadas como poucos municípios no interior do país. O conhecimento científico e tecnológico desenvolvido, ou com potencial de desenvolvimento, em nossa região, e a partir de nossas potencialidades e demandas, é invejável e estratégico para avançarmos no desenvolvimento de nossa região e ampliar e diversificar nossa matriz econômica. Entretanto, não há soluções mágicas e de curtíssimo prazo. Caso alguém apresente, desconfie.

 

Página 11 da edição de hoje da Folha

 

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