“Em casa onde se falta o pão, todo mundo grita e ninguém tem a razão”. Na grave crise financeira em que Campos se encontra, o dito popular é um bom resumo da situação. Tanto que foi repetido em respostas diferentes a perguntas distintas sobre o mesmo tema, pelo juiz da Vara Única de Italva, Rodrigo Rebouças, e pelo promotor da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos, Marcelo Lessa. Eles foram acompanhados pelos advogados Cristiano Miller, presidente da OAB de Campos, e Tiago Abud, defensor público da comarca, neste primeiro painel sobre a crise econômica goitacá feito exclusivamente com juristas. É o décimo de uma sequência em que a Folha da Manhã antes já reuniu (confira aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) professores e gestores universitários, empresários, sindicalistas e lideranças políticas. Todos dedicados a responder à mesma indagação central, em suas muitas variantes: como administrar um município com orçamento projetado para 2021 em R$ 1,57 bilhão, com R$ 1,1 bilhão comprometido só com pagamento de servidor?
Presidente da OAB, Cristiano não dourou a pílula do remédio amargo: “certamente a solução passará pelo drástico enxugamento das despesas públicas, inclusive com pessoal”. Pensamento parecido tem o juiz Rodrigo: “É preciso ser impopular no começo da gestão e reduzir, não só o número, mas a remuneração em si”. O promotor Marcelo propôs equilibrar as contas de Campos em duas pontas: “aumentar a arrecadação (…) incrementando a execução fiscal para cobrar os devedores dos tributos municipais (…) ou cortar despesas (…) desde a redução da estrutura da administração, incluindo pessoal, até contratos”. Já para o defensor Tiago, a saída tem que ser dentro e fora: “A solução para Campos é buscar dinheiro fora (…) com a abertura de novos negócios, como agricultura e turismo (…) captação de recursos pela via de projetos com o Estado e a União, utilização do seu parque universitário”. Na retomada da vocação agropecuária do município, assim como no aproveitamento do seu polo universitário, os quatro apostaram como alternativas à crise financeira.
Folha da Manhã – O governo Rafael Diniz (Cidadania) enviou à Câmara a previsão orçamentária de R$ 1,7 bilhão para 2021. Mas, em painel da Folha publicado em 1º de agosto, o economista Alcimar Chagas, professor da Uenf, calculou em R$ 1,57 bilhão. Projeção classificada como “otimista” em painel de 29 de agosto, pelo também economista Roberto Rosendo, diretor da UFF-Campos. O fato é que R$ 1,1 bilhão desse dinheiro já está comprometido só com pagamento de servidor. Há solução aritmética para Campos? Qual?
Cristiano Miller – Se esses números se confirmarem, vemos que o cenário é dos piores. Quando aproximadamente 65% do orçamento previsto para 2021 já está comprometido com a folha de pagamento do servidor, o que extrapola o limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, não há administração que resista a esse verdadeiro “inchaço”. Mas, por pior que seja o cenário, solução precisa haver. É o que esperamos ouvir dos inúmeros candidatos ao cargo de prefeito de Campos. Não nos deixemos levar, contudo, com propostas mágicas e mirabolantes, pois elas jamais se encaixarão na gravidade e na seriedade com que o tema necessita ser tratado.
Marcelo Lessa – De acordo com a análise dos economistas, parece sobrar muito pouco para investimentos. E com os números não há mágica. Assim, caso o próximo prefeito não queira endividar o Município, só terá duas saídas: aumentar a arrecadação, por exemplo, incrementando a execução fiscal para cobrar os devedores dos tributos municipais (IPTU e ISS, notadamente; ou cortar despesas, o que vai desde a redução da estrutura da administração, incluindo pessoal, até contratos que não digam respeito a prestação de serviços essenciais, como propaganda. Ou ambas as iniciativas. Note-se: todas elas extremamente antipáticas.
Rodrigo Rebouças – Não. Infelizmente não há. Sempre há uma margem que pode ser melhorada na eficiência da arrecadação tributária. O município de Campos sempre foi muito omisso nessa área, contando com o “dinheiro fácil” da receita de royalties. Isso, todavia, está acabando. A solução precisa ser mais conservadora. É preciso ser impopular no começo da gestão e reduzir, não só o número, mas a remuneração em si, dos cargos comissionados, funções gratificadas e alterar legislações que concedem aumentos salarias decorrentes, unicamente, do tempo de serviço. O tempo de “vacas gordas” acabou.
Tiago Abud – A solução para Campos é buscar dinheiro fora, aumentando o que arrecada, seja com a abertura de novos negócios, como a agricultura e turismo, por exemplo, captação de recursos pela via de projetos com o Estado e a União, utilização do seu parque universitário, etc. De outro lado, deve buscar tornar a máquina pública mais eficiente, que significa gastar menos e melhor, além de focar em entregar um serviço público de qualidade.
Folha – Com atraso no pagamento de RPAs, aposentados e pensionistas, mais um inédito R$ 0,00 de participação especial em agosto, desde que a renda petrolífera começou a ser paga em 2000, o quadro local tende a se agravar após a queda recorde de 9,7% no PIB brasileiro do segundo trimestre, anunciada em 1º de setembro. No mesmo dia, o economista José Alves de Azevedo Neto projetou no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, que Campos atrasaria a folha dos servidores ativos de novembro, dezembro e de 13º. Qual a sua visão? Caso se confirme, que impacto isso teria na economia?
Cristiano – A situação de Campos já era inegavelmente complicada, por diversos fatores. A queda da arrecadação do setor petrolífero tornou tudo ainda mais delicado. Como se isso não bastasse, ainda vemos o mundo ser assolado pela pandemia do coronavírus, que não apenas provocou a mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos, como também impôs à economia uma crise sem precedentes. E, um município em situação ainda mais delicada, tende a sofrer mais pesadamente esses impactos. Sinceramente, não tenho resposta pronta, mas certamente a solução passará pelo drástico enxugamento das despesas públicas, inclusive com pessoal.
Marcelo – Economia é um assunto que eu não domino. Torço para que essa projeção esteja errada, porque é apocalíptica. Salário é sagrado, para qualquer trabalhador, seja do setor privado, seja do setor público, não importa a natureza do vínculo. Isto inclui aposentados e pensionistas, efetivos, comissionados e RPAs. Um atraso generalizado na folha de pagamentos decerto alimentaria um ciclo vicioso de estagnação econômica, porque reduz o dinheiro em circulação, comprometendo a aquisição de produtos e serviços, o que, por sua vez, gera queda na arrecadação dos tributos respectivos.
Rodrigo – O impacto seria terrível. Todo gestor gosta de gastar. Isso é muito bom e deixa todo mundo feliz. Infelizmente o dinheiro acabou e pouco, ou nada, foi feito para ajudar essa fase pós-royalties da economia campista. Nós viveremos o rescaldo do que ficou conhecido como “doença holandesa”, em que o dinheiro fácil e abundante do petróleo gerou grave processo de desindustrialização porque, em resumo, não havia razão para continuar realizando outra atividade econômica quando os rendimentos da petroquímica são tão substanciosos. Ou seja, terminamos sem petróleo e sem cana, a fonte secular e renovável de riqueza da região.
Tiago – O impacto na vida das pessoas e na economia será péssimo. O município de Campos é o maior empregador da cidade e essa lógica deve mudar. Mas até que isso mude, não receber vencimentos impacta diretamente na vida daqueles que deixam de percebê-los, mas também produz o efeito dominó de atingir a economia local. Caso se confirme essa expectativa, teremos problemas e antevejo uma corrida ao Poder Judiciário para garantir a percepção daquilo que é devido.
Folha – Em painéis anteriores sobre a crise de Campos, os empreendedores Joilson Barcelos, Renato Abreu e Ricardo Paes Teixeira propuseram em 8 de agosto um pacto com os servidores para cortes na máquina, inclusive em pessoal. Em 15 de agosto, os sindicalistas Edson Braga, Elaine Leão e José Roberto Crespo se colocaram contra qualquer corte de pessoal. Há meio termo? Ele teria que ser encontrado através desse “pacto”, tecla em que também bateu o professor Raul Palacio, reitor da Uenf, tanto no painel do dia 29, quanto no Folha no Ar do dia 31 de agosto?
Cristiano – Como disse acima, não tenho a menor dúvida de que o enfrentamento da crise em Campos precisa passar pelo corte significativo de despesas com pessoal. Aliás, entendo que essa tarefa já deveria ter sido feita há muito tempo. Mas, como ela é impopular, os governantes insistem em não fazê-la. Em verdade, lamentavelmente, o que se vê com frequência é o aumento dessa cultura, de modo que cada vez mais se nota a ampliação dos gastos com pessoal, o que apenas contribuiu para a perpetuação da crise.
Marcelo – O corte de pessoal é uma alternativa que não pode ser descartada. Porém, primeiro, penso que devam ser tentadas medidas de aumento da receita própria, como sugerido na primeira resposta: cobrar, via execução fiscal, todo o eventual ativo tributário pendente. Em outras palavras, fazer com que os devedores do município paguem suas dívidas e, com isto, entrem no Tesouro os recursos que nunca deveriam ter sido sonegados. Se, ainda assim, não for suficiente, uma vez feito esse dever de casa, vai ser preciso pensar na redução da máquina pública, tentando, todavia, preservar a prestação dos serviços essenciais.
Rodrigo – Como disse o famoso pensador Frédéric Bastiat (economista e jornalista francês do séc. 18): “Governo é aquela ficção, em que todos acreditam que podem viver às custas dos outros”. Ou, em um adágio bem mais popular: “em casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”. Não há mágica. O dinheiro não nasce em árvores. A sociedade precisa produzir e decidir se ela quer gastar por si só ou entregá-lo ao governo, para este gastar por ela. Assim, é necessário fazer cortes, e eles precisam ser, infelizmente, no gasto mais relevante, a fim de surtir um impacto significativo no orçamento municipal.
Tiago – O meio termo está na gestão. Caso o município faça o dever de casa, abrir um canal de negociação com os interessados não é difícil, nem ruim. Entre o desejado e o possível, acho que os atores envolvidos entenderão pelo possível. Mas sem que o gestor dê o exemplo, não há conversa que caminhe. Exemplo do que falo são os hospitais contratualizados, cujos contratos precisam ser realinhados. Do contrário, o município não pagará e o serviço será sonegado a quem precisa.
Folha – Arquiteto do ramo da construção e incorporação, Ricardo Paes Teixeira falou da necessidade de impor ponto biométrico rigoroso, suspensão de benefícios e programa de demissão voluntária, como já é feito nas estatais. Em painel de 22 de agosto, o empresário José Francisco Rodrigues, presidente da CDL-Campos, também. Na gestão Rafael, o ponto biométrico e a suspensão de gratificações geraram reação na categoria médica, cuja última greve só foi interrompida por conta da pandemia. Essas medidas não são inevitáveis? Por quê?
Cristiano – Entendo a insatisfação de alguns setores. Mas considero que, para a maioria das atividades, o ponto biométrico é instrumento imprescindível para que se exerça o controle efetivo dos serviços prestados à população. Temos excelentes servidores públicos, certamente a maioria deles. Contudo, é inegável a existência daqueles que não desempenham as suas atividades de maneira adequada, prejudicando a administração pública e, em última análise, prejudicando a sociedade. E, até mesmo em respeito aos bons servidores públicos, o ponto biométrico precisa ser adotado de forma rigorosa.
Marcelo – O servidor público, com seus benefícios e vantagens, está longe de ser o grande vilão da falência dos entes públicos. Eventuais gratificações, não raras vezes, são estabelecidas justamente para minimizar defasagens, que estão para o assalariado como a majoração dos preços para manutenção da margem de lucro, está para o empresariado. O ponto biométrico, por um lado, permite identificar distorções, no que concordo; mas, por outro lado, mistura o joio com o trigo, desprezando a produtividade em prol de um tratamento linear meramente formal. Com isto, o município corre o risco de perder justamente os melhores profissionais.
Rodrigo – Toda categoria, sem exceção, acha que sua situação é diferente e demanda tratamento especial. Isso é comum. É dever do gestor público pensar além desses pequenos grupos de interesses classistas e olhar a coisa pública de uma forma mais ampla. Provavelmente não há alternativa a essas políticas. Pelo menos não dentro do nosso sistema federalista tão amarrado, onde tudo é decidido pela União. Talvez se usássemos o sistema alemão de saúde pública, apenas para ficar no exemplo dado, teríamos uma maior margem para atender o interesse público sem descuidar das demandas individuais de cada categoria.
Tiago – De novo o poder público precisa ser exemplo. Há na saúde um pacto da mediocridade, onde não se paga bons salários, não se dá condições de trabalho e alguns fingem que trabalham o horário pactuado, ao passo que outros, por abnegação, levam o serviço nos ombros. O ponto biométrico parece ser o de menor importância, até porque é imposição. Ocorre que o município exigiu, sem dar condições mínimas de trabalho. O parafuso que servia para operar, passou a não servir mais. Resultado: dinheiro gasto, serviço deficiente e insatisfação geral.
Folha – Os empresários se colocaram contra a possibilidade aumento da carga tributária. Já entre os sindicalistas, não houve consenso quanto à possibilidade do enxugamento dos equipamentos. Edson e José Roberto se mostraram abertos à análise racional da questão, enquanto Elaine defendeu até o Cepop e a Cidade da Criança, que o advogado José Renato Duarte, servidor e ex-secretário municipal de Campos e SJB, sugeriu privatizar. De um lado e do outro também, como superar intransigências? De novo, é necessário fazê-lo?
Cristiano – O aumento da carga tributária é algo que sabidamente em nada contribui para o crescimento econômico. E, mesmo quanto ao fomento da arrecadação, essa ampliação da carga tributária pode se mostrar fantasiosa. Por outro lado, incentivar gastos absurdos como aqueles verificados no Cepop e na Cidade da Criança é uma postura, com todo respeito, inconcebível. Soluções precisam ser encontradas e, dentre elas, certamente está a privatização desses equipamentos, ao menos para que sejam minimizados os prejuízos e reduzidas as despesas públicas com estruturas que se transformaram em verdadeiros “elefantes brancos”.
Marcelo – Não sei se é preciso aumentar a carga tributária. Mas é preciso, sim, combater a sonegação e cobrar todos os créditos tributários em execução fiscal. Privatização de espaços subutilizados também pode ser uma solução. Assim como uma reengenharia dos equipamentos públicos, analisada de forma racional, como dito em painéis anteriores. É muito difícil alcançar consenso: “em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão” diz a sabedoria popular. Ao próximo prefeito, com a legitimidade que a representação popular irá lhe conferir, é quem cabe decidir por onde começar.
Rodrigo – Esse é o papel do político. O prefeito, além de gestor, precisa ser um líder, uma pessoa que consiga comandar e inspirar a sociedade a fazer o que precisa ser feito, para que seja alcançado o bem comum. Infelizmente, a nossa sociedade tem tido péssimos exemplos de políticos e a gestão da coisa pública terminou sendo relegada, em regra, para pessoas inescrupulosas que apenas desejam se locupletar. Penso que o aumento da carga tributária é inviável. Já pagamos carga tributária equivalente à de países europeus e não temos serviços públicos de mínima qualidade.
Tiago – Com o poder público cortando na sua carne primeiro, antes de cortar na carne alheia. Se eu loto a máquina de assessores, distribuo cargos, nomeio várias pessoas, com pregar para quem sofrerá o corte que tal medida é necessária? A necessidade de otimizar parece evidente, mas é melhor enfrentada pelos economistas, que possuem conhecimento técnico. Mas, por certo, o que não pode é tirar dos mais pobres, que precisam dos serviços para sobrevivência, porque não se pratica o que se prega.
Folha – Campos tem 14 mil servidores concursados na ativa, ao custo de R$ 60 milhões/mês. E outros 4,5 mil inativos, ao custo de R$ 15,5 milhões/mês. Na semana passada, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) enviou ao Congresso sua proposta de reforma administrativa. Concorda que os acordos já feitos têm que ser respeitados? Por outro lado, como impor produtividade com as regras atuais?
Cristiano – Sim. A reforma administrativa é de suma importância, assim como a reforma política e a reforma tributária. Mas, por evidente, o direito adquirido, por expressa previsão constitucional, precisa ser assegurado. As regras atuais já preveem um certo controle da produtividade por parte dos servidores. Todavia, é inegável que essas regras são brandas e absolutamente insuficientes para que os resultados pretendidos sejam alcançados. Esse é um dos pontos que precisa ser bem explorado na reforma administrativa.
Marcelo – Engana-se quem pensa que ao servidor público, com as regras atuais, é garantido o direito de ser ineficiente. Basta um bom chefe, que exija disciplina de seus subordinados por um lado, mas por outro ofereça condições de trabalho, para que, sem a necessidade de qualquer reforma, a máquina funcione. Mesmo o servidor estável é passível de demissão, a título de punição, após processo administrativo-disciplinar. Basta ter disposição para separar o joio do trigo e punir quem precisa ser punido. Quanto aos direitos adquiridos, é lógico que precisam ser respeitados: não se podem mudar as regras com o jogo em andamento.
Rodrigo – Há uma regra bem clara no Direito de que “não existe direito adquirido a regime jurídico”. Essa escolha atinente aos servidores já aprovados foi política do presidente, não jurídica. Assim, penso, que a única forma de ser conseguir produtividade é dar mais liberdade aos entes políticos para criarem as mais diversas formas de disciplinar sua relação com os seus servidores. Desta forma, poder-se-á ver o que funciona e o que não. Com as regras atuais, tudo fica mais difícil, tudo fica muito na mão do gestor. Caso esse consiga se desamarrar de interesses individuais e olhar o interesse do serviço, talvez melhore a situação.
Tiago – Caso aprovada a reforma, ela não deve atingir os servidores atuais. Por outro lado, o princípio da eficiência está no artigo 37 da Constituição. O problema é que nenhuma gestão como regra, federal, estadual ou municipal, tem interesse ou consegue na prática cobrar, seja por falta de vontade política, seja por desconhecimento do modo de fazer ou por corporativismo. O administrador precisa explicar o porquê, se o servidor falta ou não produz, ele não é cobrado pela via administrativa. Porque o poder público já tem os meios para tanto.
Folha – Entre vocês quatro, três são servidores: um juiz, um promotor e um defensor público. A proposta de reforma administrativa do governo deixou de fora militares, parlamentares, juízes e promotores. Se passarem no Congresso, essas exceções não perpetuarão o sistema de castas que alguns afirmam existir no Brasil? Por quê?
Cristiano – Entendo que uma reforma administrativa precisa atingir, em maior ou menor grau, todos os servidores públicos. É evidente que isso não significa dizer que todos serão impactados da mesma forma, pois há atividades que, por suas peculiaridades, precisam ser tratadas de forma diferenciada. Mas deixar algumas categorias de fora é um equívoco, e acaba gerando na sociedade uma insatisfação compreensível. A sensação de ser tratado de forma desigual, sem justificativa e como se estivesse “pagando o preço” sozinho, em nada contribuiu para que a reforma seja bem aceita, consiga êxito e surta efetivamente resultado.
Marcelo – As denominadas “carreiras de Estado”, das quais fazemos parte, têm que ter tratamento à altura de suas responsabilidades, inclusive como fiadoras do estado democrático de direito, às quais rigorosamente todos os que as criticam irão recorrer em seus momentos de agruras. E, com certeza, esperarão encontrar um agente motivado e independente. Não há, portanto, sistema de castas nenhum, até porque se chegam a essas carreiras por mérito próprio, juízes, promotores, defensores, militares; ou a investidura popular dos parlamentares: tal rótulo reflete a hipocrisia de quem aposta na subserviência dos membros dessas carreiras.
Rodrigo – Há funções típicas de Estado e sem paralelo na iniciativa privada. Não estou aqui querendo defender um regramento especial, tampouco que Juízes não são servidores públicos como todos os outros. A magistratura demanda o poder de contrariar interesses e de ser, em grande medida, contra majoritária. Deixar a magistratura sem algumas dessas garantias pode ser contra o interesse público porque deixa o juiz suscetível a obedecer ao líder político do momento. E isso é péssimo, não para o rico e poderoso, que se defende sozinho, mas para os mais pobres, que precisam contar com a independência do juiz para não ser explorado.
Tiago – Essas diferenciações advogam contra a proposta de reforma. Se de fato ela é necessária, não há justificativa para seletividade. Até porque os que estão fora das exceções buscarão nela entrar e nada mudará substancialmente, a não ser para o andar de baixo, porque serão atingidos pela reforma, quer como servidores, quer como destinatários dos serviços públicos. Pense no SUS sem médico, sem enfermeiro. Foi o SUS que enfrentou a pandemia. Sem ele o pobre não tem acesso ao serviço de saúde. A escola pública sem professor atinge a quem?
Folha – Em painel do último dia 5, o reitor do IFF, professor Jefferson Manhães de Azevedo, fez distinção pecuniária entre os vários níveis do serviço público: “A média salarial dos servidores do Executivo é muito menor do que a dos Judiciário e Legislativo. E a média salarial do poder municipal, por sua vez, é a menor se comparada à média salarial nas esferas federal e estadual”. Como você analisa?
Cristiano – Concordo. Mas isso não minimiza os impactos extremamente negativos que o elevado número de servidores públicos municipais causa na administração pública. Não se despreza o tamanho do município de Campos. Mas é inconcebível que um município com aproximadamente 500 mil habitantes tenha quase 15 mil servidores públicos, sem contar com as inúmeras empresas prestadores de serviços que são contratadas para atividades específicas. Como foi dito acima, não há administração que resista a números tão comprometedores.
Marcelo – Talvez a diferença remuneratória entre servidores municipais e estaduais/federais seja decorrente da diferença de receita própria que esses entes arrecadam. Em relação às carreiras, cada qual tem seu plano de cargos e salários, de acordo com suas realidades orçamentárias, o que é de conhecimento de todo o candidato ao respectivo cargo quando presta o concurso. Não vejo isto, portanto, como distorção. E muito menos admito como solução nivelar por baixo, já que todo o funcionalismo público precisa ser bem remunerado, para que dele se possa exigir o cumprimento de todos os seus deveres.
Rodrigo – O Judiciário e o Legislativo têm uma função que demanda, em comparação com o Executivo, menor número de funcionários. Isso, por si só, faz com que a média remuneratória desses Poderes seja maior. Não se pode diminuir ou menosprezar nenhuma profissão, mas deve-se reconhecer que alguns cargos que demandam maior conhecimento/especialização custam tempo/dinheiro e isso precisa ser reconhecido pelo Estado, sob pena de não haver servidores qualificados.
Tiago – Tenho essa afirmação como verdadeira, mas isso não exonera o gestor municipal de ter uma máquina que funcione em suas mãos. Prestigiar os servidores concursados, dar condições de trabalho, mas exigir que prestem o serviço. É o básico.
Folha – Em entrevistas ao programa Folha no Ar quase todos os pré-candidatos a prefeito de Campos entrevistados falaram em necessidade de redução da máquina municipal. Mas nenhum deles deu detalhes de como e onde. Qual a sua visão?
Cristiano – Esse é o problema. Muitos pré-candidatos, mas poucas respostas para os graves problemas do município. Não estou dizendo que são problemas com soluções fáceis. Pelo contrário, é tudo muito difícil. Mas aqueles que se apresentam para o cargo precisam ter alguma resposta mais concreta. Apenas espero que aquele que venha a se sagrar vencedor no pleito deste ano não insista no equívoco de manter uma estrutura de pessoal absolutamente incompatível com as necessidades e, principalmente, com as atuais possibilidades do município.
Marcelo – Não imaginava que fossem dar esses detalhes em pleno período de campanha eleitoral. Aliás até anterior à própria campanha eleitoral que, tecnicamente, ainda não começou. É natural, porque reduzir a estrutura do município implicará em cortes de pessoal, medida impopular e antipática. Não tenho como apontar aonde pode a máquina ser enxugada, porque só seu conhecimento interno é capaz de revelar o que é essencial e o que é adorno. A única convicção que tenho é a de que, da mesma forma que não há mais como enfeitar o pavão, não se pode depená-lo indiscriminadamente, sacrificando os serviços essenciais.
Rodrigo – Não há solução mágica. Não há nada que nunca foi pensado. O orçamento público é uma questão matemática. A conta precisa fechar. Caso se gaste mais em alguma coisa deve-se gastar menos em outra. Se o município aumentar os impostos, haverá menos dinheiro na mão da população. Ou seja, a solução é a mesma: privatizar, descentralizar, diminuir a máquina, especialmente com profissionais não ligados à atividade fim, etc. Na saúde/educação, por exemplo, poder-se-ia diminuir a centralização e dar mais autonomia ao gestor da unidade.
Tiago – Acho que o gestor deve buscar meios de aumentar a receita municipal, com a atração de investimentos para a cidade, explorando nossos recursos naturais e a proximidade com o Porto do Açu. Por outro lado, a máquina pública deve ser eficiente e para isso é preciso ver onde se gasta e como se gasta. Auditar contratos para deles extrair o máximo e comprar melhor são caminhos. Ao lado disso, a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei 9801/99 dão a possibilidade para eventual corte, caso o gestor entenda necessário.
Folha – Um ponto questionado é o número atual de mil DAS, ao custo de R$ 3,2 milhões/mês, e de 4 mil RPAs, ao custo de R$ 6 milhões mês. Presidente do Siprosep, Elaine Leão denunciou: “A maioria dos cargos RPAs e de DAS são indicados pelos vereadores”. E, no painel do dia 22, foi endossada pelo sociólogo José Juiz Vianna da Cruz, professor da Candido Mendes: “que os prefeitos e vereadores desenvolvam outras fontes de poder político-eleitoral que não a drenagem dos recursos do município para seus interesses particulares”. Como vê a questão? Esses não concursados deveriam ser os primeiros atingidos por um eventual corte?
Cristiano – Reitero tudo o que já coloquei acima. O corte de pessoal é a primeira medida a ser adotada para retirar o município de Campos dessa dificílima situação. A manutenção dessa política “tradicional”, com o gasto do dinheiro público com pessoal tão somente para atender aos interesses particulares em nada contribuirá para que os nossos graves problemas sejam resolvidos. Pelo contrário, já está mais do que evidenciado que esse comportamento apenas contribuirá para que a crise fique cada vez mais profunda.
Marcelo – Os ocupantes de cargos comissionados (DAS) e RPAs já foram os primeiros atingidos por um corte, aliás uma espécie de “corte branco”, porque foram os primeiros a terem seus salários atrasados, sendo credores do município. Os cargos comissionados são destinados constitucionalmente à chefia e assessoramento, o que toda a administração precisa ter. São de livre nomeação e exoneração, de sorte que, havendo mérito por parte do ocupante, parece desimportante a origem da indicação. Quanto aos RPAs, o objetivo é suprir carências eventuais do serviço público. Não se pode generalizar e nem presumir ilegalidade nas contratações.
Rodrigo – O problema não é a existência de RPAs e DAS. O problema é o uso politiqueiro desses cargos. A administração pública precisa dar certa margem de manobra ao gestor. Caso todos os cargos fossem efetivos, não haveria como, por exemplo, atender a uma demanda específica e circunstancial com a celeridade que o interesse público exige, além de que não haveria como se desfazer dessa força de trabalho assim que essa exigência deixasse de existir. Sobre a demissão desses servidores, pelos motivos já expostos, penso que se deve ter bastante cuidado para não ocorrer um completo engessamento da administração.
Tiago – No Brasil, assim como na obra de Lampedusa (escritor italiano do séc. 20), parece que se sustenta a mudança para que as coisas fiquem no mesmo lugar. Se haverá o corte, ele deve começar por aqueles que não prestaram concurso, até porque admitir que as indicações, por quem quer que seja, suplantem o interesse público, macula o ato pelo desvio de finalidade. Ao final, se toda essa propaganda da reforma administrativa for apenas para banir o concursado, mas se prestar a manter a indicação política, teremos uma máquina de fisiologismo, com laranjas e apadrinhados.
Folha – No painel publicado dia 26, com o presidente e ex-presidentes da Câmara Municipal, o atual, vereador Fred Machado (Cidadania), questionou: “Afirmar que os DAS e RPAs são indicações de vereadores não é verdadeiro”. Já seu antecessor e ex-prefeito, Nelson Nahim (MDB) admitiu: “Quanto à indicação de nomes para cargos comissionados por indicação de vereadores, sempre existiu na formação de uma base parlamentar”. Por sua vez, hoje deputado federal, Marcão Gomes (PL) ressalvou: “Sem essa força de trabalho (DAS e RPAs), o município não consegue manter todos os serviços”. O que concluir?
Cristiano – A conclusão é que precisamos mudar a nossa forma de fazer política. Não é possível que continuemos entendendo que o dinheiro público deve servir para beneficiar interesses privados. Por evidente, não estou aqui generalizando a desnecessidade de todos aqueles que exercem cargos comissionados. Mas posso afirmar que a quantidade que temos hoje é inconcebível, ainda mais diante da grave crise pela qual passamos.
Marcelo – A democracia é um complexo sistema de freios e contrapesos, que requer, para a manutenção da governabilidade, interação entre o Executivo e o Legislativo. Aceitar indicações para cargos de livre nomeação e exoneração, havendo mérito do indicado, bem como contratar prestadores de serviços, sendo eles momentaneamente essenciais, não é conduta digna de censura, sob pena de se criminalizar a política. Claro que pode haver uma ou outra distorção; mas disto não se permite extrair a regra. Cabe corrigir eventuais distorções e não tolher o uso pelo medo do abuso.
Rodrigo – Como tudo, a análise parte, em grande medida, do ângulo sob o qual se observa a questão. Tem que ser muito ingênuo para não se saber que, lamentavelmente, vários cargos da administração pública são distribuídos não pela qualificação de determinado profissional, mas pela sua cor partidária. Mas também não se pode alijar os representantes do povo das escolhas da coisa pública e nem se ignorar a necessidade desses profissionais para dar ao gestor certa margem para exercer suas funções. Talvez a solução desse problema passe mais por uma reforma política do que por mudança nesses cargos.
Tiago – Essa pergunta foi em parte respondida na anterior. Por outro lado, se a máquina não funciona sem os contratados, a lei tem os mecanismos para cobrar e adequar à gestão, para garantir a continuidade e qualidade do serviço público prestado. Sustento que o poder público deve dar condições de trabalho aos seus servidores para poder cobrar. Mas deve cobrar. O pobre necessita do serviço público e ele deve chegar à ponta com qualidade, mesmo com menos prestadores. Não há espaço para aventura. É tempo de gestão.
Folha – No painel com o presidente e ex-presidentes do Legislativo goitacá, sobre a possibilidade deste funcionar abaixo do teto máximo de 25 cadeiras, ao custo de R$ 100 mil por mandato, Nahim e Rogério Matoso (DEM) foram favoráveis, enquanto Fred e Marcão, mais reticentes. Fora da política partidária, todos os ouvidos até aqui, entre sindicalistas, empresários e professores universitários, são favoráveis à redução de vereadores. E você?
Cristiano – Também sou favorável a essa redução. Em verdade, entendo que o Legislativo, em especial o municipal, precisa ser repensado. É necessário serem repensados o papel e a importância do Legislativo Municipal. Não é o caso de Campos, mas é inegável que o Legislativo, na grande maioria dos municípios, não exerce papel de relevância e se mostra desqualificado para o seu mister. E, principalmente em um momento de escassez de receitas e necessidade de serem diminuídas as despesas, a redução dos custos com o Legislativo é um dos passos a serem dados.
Marcelo – Por um lado, um Legislativo mais enxuto torna o seu custo total menor, sem dúvida; por outro lado, a diminuição do número de vereadores reduz a representatividade da população e torna o prefeito mais suscetível a pequenos grupos de pressão, a depender do quórum que vier a necessitar para aprovação de seus projetos de lei e julgamento de suas contas. É uma questão de custo-benefício. Reduzir a representatividade popular e a independência do Executivo ao Legislativo não me parece uma boa ideia, a não ser que compense muito do ponto de vista orçamentário. A questão não é tão simples como parece.
Rodrigo – Em vários países, a função legislativa das câmaras municipais é voluntária. Não há remuneração alguma (no Brasil, até 1977, só os vereadores das capitais recebiam salário). A redução do número de cadeiras, por si só, não reduz o gasto do Legislativo. Pode ocorrer até o oposto, concentrando mais poder em poucas mãos, deixando esses mais à vontade para criar novos cargos dentro do próprio Poder Legislativo, aumentar verbas de representação ou indenizações. A preocupação tem que ser o custo total do Legislativo, e não apenas do número de cadeiras, apesar de a redução das cadeiras, em si e em tese, ser um bom começo.
Tiago – A crise não pode ser seletiva. Ela não pode pesar para o povo e não existir para a classe política. Partindo dessa premissa, o exemplo deve ser dado por quem defende e promove o corte. Enxugar a máquina passa por diminuir o número de vereadores. Tornar o Executivo e Legislativo municipais eficientes significa diminuir o custo deles para a população, com o desafio de melhorar a qualidade do serviço prestado.
Folha – Em valores corrigidos pelo INPC, Campos recebeu de royalties e participações especiais R$ 4,67 bilhões de 1999 a 2004, nos governos Arnaldo Vianna (PDT); 6,94 bilhões de 2005 a 2008, nas gestões Alexandre Mocaiber (sem partido); e 12,06 bilhões de 2009 a 2016, nas administrações Rosinha Garotinho (hoje, Pros). Em conta que desce a ladeira para 2021, Rafael teve, até o primeiro trimestre de 2020, R$ 1,84 bilhão. Juntos, os três prefeitos anteriores tiveram 23,67 bilhões. Acredita que os mais de 507 mil campistas tenham a noção da chance histórica que a cidade desperdiçou? E, se houve desperdício, Ministério Público e Judiciário poderiam ter feito algo para evitá-lo?
Cristiano – Infelizmente, a maior parte da população não tem consciência do que foi desperdiçado de todo esse dinheiro dos royalties que recebemos nos últimos 20 anos. Foram quase R$ 25 bilhões. É muito dinheiro, para praticamente nenhuma infraestrutura e preparação do município para situação de escassez futura. O que se viu foi um considerável desperdício de dinheiro público, em obras como o Cepop e a Cidade de Criança, conforme foi anteriormente mencionado. Mas, claro, eventual gestão temerária pode acarretar a punição dos responsáveis, aí sim com a necessária atuação do Ministério Público e do Judiciário.
Marcelo – Peço a compreensão de todos para não responder a esta pergunta especificamente, já que, de alguma forma, estão na próxima corrida eleitoral nomes ligados a maioria dos ex-prefeitos citados, além do próprio atual prefeito. Não me parece adequado, portanto, externar juízo de valor quanto a eventual desperdício anterior, no que estaria manifestando opinião política, o que me é vedado pela posição que ocupo como membro do Ministério Público. No entanto, posso dizer que os órgãos de Tutela Coletiva de Campos ajuizaram ações e instauraram inquéritos civis relativos a gastos públicos, em todas essas quatro gestões citadas.
Rodrigo – É muito comum, em momento de bonança, esquecer que isso pode acabar. Vemos isso com jogadores de futebol de sucesso que, não raras vezes, terminam na miséria após deixarem o esporte. Sempre há o que MP e Judiciário poderiam minimizar a corrupção, embora nenhum sistema do mundo tenha conseguido acabar com ela em 100%. Boa parte do gasto foi com escolhas políticas. Certas ou erradas, foram escolhas lícitas do gestor de como alocar o dinheiro público. Talvez esse dinheiro devesse ter sido gasto em projetos que melhorassem o capital humano ou físico do município, o que, infelizmente, não foi feito.
Tiago – Só o campista pode responder a essa pergunta, porque isso será avaliado nas eleições e cada um é dono de sua consciência e responde por suas opções. Quanto à segunda parte, a autocrítica deve estar presente em todas as instituições que compõem o sistema de Justiça. Sempre é possível fazer mais. Seria muito produtivo para a cidade e seus munícipes, se tivesse ocorrido uma maior fiscalização nos gastos públicos e no emprego dos recursos provenientes do petróleo. Na quantidade recebida e empregada e no destino dado a essa verba.
Folha – Campos começou sua colonização contínua em 1632, com o plantio da cana, seu eixo econômico até o ciclo do petróleo, cujo primeiro carregamento comercial se deu em 1977, em campos hoje maduros. Que não retomarão o auge de produção e com a perspectiva de aprovação da partilha dos royalties no Supremo Tribunal Federal (STF). Foi um erro abandonar a vocação agropecuária do município? Retomá-la é uma saída?
Cristiano – O completo abandono dessa vocação foi um equívoco, sem qualquer dúvida. Seria possível e necessário que, ainda naquele momento inicial do ciclo do petróleo, não se deixasse de lado a vocação agropecuária de Campos. Aliás, esse é um equívoco que não encontra justificativa, pois são atividades que podem e devem ser exploradas concomitantemente, aumentando a capacidade de produzir receitas do município. Mas penso que nunca é tarde para se retomar essa característica, e ela certamente é uma das principais alternativas para a retomada do crescimento municipal.
Marcelo – Embora não seja especialista no assunto, parece-me que as vocações próprias são sempre mais interessantes do que as riquezas de ocasião, finitas por definição. Quando determinadas luzes se apagam, como a dos royalties do petróleo, outras luzes precisam ser acesas ou reacendidas. A saída pode ser, sim, retomar a vocação agropecuária, além de abrir outras frentes, como explorar, com sustentabilidade, o turismo nas belezas naturais da cidade, além de trazer indústrias que possam gerar riquezas e criar empregos no município, que já é um polo universitário, o que também pode ser explorado.
Rodrigo – Sem dúvida. Campos está se vendo vítima da malfadada doença holandesa (em economia, relação da exportação de recursos naturais com declínio da produção manufatureira). Um grande processo de apatia econômica porque as divisas da atividade petroleira eram de tal dimensão que deixavam outras atividades menos atrativas. Há uma ideia muito difundida, e, a meu ver, errada, de que há a necessidade de atividades industriais para se alcançar a riqueza. Vários países desenvolvidos mostram o oposto. A Nova Zelândia é um exemplo de que há como se ter um país rico tendo a agricultura como principal atividade.
Tiago – É lição antiga que não se deve colocar todos os ovos em cesto único. Cai o cesto, quebram todos. O petróleo trouxe para Campos um modelo de gestão com gasto ineficiente de recursos públicos, nenhuma poupança, preguiça fiscal, pouca diminuição da desigualdade social e paralisação, no que se refere à busca por alternativas de receitas. Houve o abandono das vocações locais, como a agricultura. Agora, caiu o cesto.
Folha – Além da retomada da produção do campo, uma opção até aqui unânime para diminuir despesas nas compras e dificultar a corrupção é o pregão eletrônico. Cujo adoção o governo federal tornou obrigatória por decreto, condicionando sua utilização aos repasses a estados e municípios. Nas prefeituras de Macaé e Niterói, gerou economia de até 40% nas compras. Há motivo confessável para ainda não ser integralmente adotado rem Campos?
Cristiano – O pregão eletrônico também é adotado em Campos. Mas, não sei dizer o porquê de não ser adotado de forma integral aqui no município.
Marcelo – Desconheço esses dados, tanto percentuais, como relativos à não adoção (integral) em Campos. No entanto, é evidente que qualquer mecanismo criado para evitar ou dificultar a corrupção é muito bem-vindo. Comprovados os seus benefícios, não há nenhuma justificativa “confessável” para que não seja adotado. A corrupção é o maior vilão da administração pública, que tem que ser constantemente combatida e os mecanismos de vigilância e controle, principalmente os preventivos, aprimorados. Aliás, penso que a primeira medida de economia e ajuste orçamentário é exatamente cortar a corrupção.
Rodrigo – Particularmente, não vejo razão lógica para não adotar esse tipo de procedimento. Ele aumenta a celeridade e eficiência dos gastos públicos. Penso que apenas os gestores poderiam dar uma justificativa. Talvez o pregão eletrônico e a descentralização das compras para as unidades de saúde, escolas, possam permitir reduzir a máquina, tirando funcionários de funções burocráticas, geralmente ligados à inchada assessoria de secretários, e liberando essa mão de obra para a atividade fim.
Tiago – O que se fala é em prestigiar o fornecedor de Campos, mas essa é uma visão pequena, caso verdadeira. A Saúde, por exemplo, precisa de um olhar atento. Todo ano recebe muito dinheiro, gasta mal e presta um serviço que não agrada aos pacientes ou aos profissionais. Os contratos firmados pelo município são outro ponto. Não é possível que Campos não receba outorga pela exploração de seus bens e serviços e seja tratado como consumidor comum pelas concessionárias. Os serviços são caros para o povo e não geram receitas para o município.
Folha – Seja para gerar receitas ou diminuir as despesas do município, enxerga alguma alternativa até aqui não tratada? Qualquer uma delas não teria que passar e aproveitar a condição de polo universitário de Campos?
Cristiano – O fato de sermos um polo universitário é algo que precisa ser mais bem explorado. É preciso a valorização das pesquisas locais, muitas delas com foco na solução dos problemas vivenciados em nosso município. Como foi dito anteriormente, não há solução pronta e nem imediata, ainda mais considerando a gravidade dos problemas municipais. Mas o debate entre pessoas capacitadas, inclusive com o necessário suporte da academia, é um caminho que jamais pode ser desconsiderado. Temos uma enorme força nesse sentido, e não estamos sabendo aproveitá-la.
Marcelo – Destaquei a condição de polo universitário de Campos antes de ler esta pergunta. Claro que sim! Isto já é uma capacidade instalada e uma vocação atual do município: Campos é um polo universitário, portanto produtor de conhecimento e formador de mão de obra em todas as áreas do saber. Qualquer inovação, seja em termos de política pública, seja em termos de tecnologia e melhoria dos serviços públicos, passa pelo conhecimento produzido nessas universidades.
Rodrigo – Sou conservador. Penso que é melhor fazer o simples bem feito do que tentar inovar e correr os riscos inerentes a isso. A formação de capital humano, incluindo as universidades, é importantíssima para o desenvolvimento de qualquer sociedade. A atual pandemia mostrou que a tecnologia é o futuro. A Apple, por exemplo, possui, atualmente, um valor de mercado maior que o PIB do Brasil e ela não existiria sem universidade, tecnologia, estudo. O município poderia estabelecer linhas de pesquisa de interesse, talvez ligadas à cana de açúcar, por exemplo, e criar bolsas para essas finalidades.
Tiago – A universidade tem muito a contribuir, desde que seja, de fato, chamada a participar e não apenas para legitimar decisão já tomada. Para aumentar receitas, vejo também o potencial turístico de Campos como uma fonte não aproveitada. Fomentar parcerias público-privadas, buscar captação de recursos disponíveis no Estado e na União, através de projetos para o desenvolvimento. A coleta seletiva de lixo é um exemplo de ineficiência administrativa. Não existe política pública e apoio municipal e com isso não se arrecada ICMS Verde como poderia.
Folha – Embora trate da crise financeira de Campos, este painel é feito com operadores do Direito. Que teve na Lava Jato um divisor de águas na história recente do país. Com a passagem conturbada do ex-juiz federal Sérgio Moro no governo Bolsonaro, as críticas públicas do procurador-geral da República, Augusto Aras, e a saída de cena de Deltan Dallagnol e vários outros procuradores, a operação está em seu momento de maior fragilidade, desde que teve início, em março de 2014? Como a avalia até aqui, entre erros e acertos?
Cristiano – Reconheço a extrema relevância da Lava Jato no processo de reduzir a corrupção no Brasil, com a punição daqueles que se valeram de dinheiro público em proveito próprio. Todavia, isso não quer dizer que não houve erros e excessos, ainda que em menor número. Além disso, não se pode pretender chegar à punição de alguém, quem quer que seja, sem que lhe seja assegurado o devido processo legal. Em inúmeros processos oriundos da Lava Jato, as provas evidenciaram a prática de crimes, corretamente punidos. Contudo, em um dado momento, parece que a atuação legítima do Ministério Público e do Judiciário se transforam em um espetáculo de exposição de pessoas por supostos crimes, sobre os quais não havia qualquer prova. Isso é sério, delicado e preocupante. Além disso, em diversos momentos pretenderam, e ainda pretendem, associar à advocacia as condutas eventualmente praticadas por seus clientes. É uma tentativa de criminalizar a advocacia, inibindo a atuação de uma profissão essencial para a manutenção do estado democrático de direito. E isso é inaceitável.
Marcelo – Se houve erros, sem sombra de dúvida foram muito menores do que os acertos, reconhecidos nacional e internacionalmente. A própria pergunta já traz ínsita a resposta: a operação Lava Jato foi “um divisor de águas na história recente do país”, porque fez chegar a lei penal àqueles que até então não haviam sido incomodados por ela, e expôs as entranhas da corrupção estrutural do país à mais completa biópsia. Corrigir erros deve ser uma tarefa constante de aprimoramento, a que todos têm que estar abertos, inclusive em autocrítica. Mas nada que impeça de seguir em frente, para trazer resultados ainda melhores para o país, independentemente dos personagens, porque, como sempre costumo dizer, as instituições são muito maiores e mais importantes do que as pessoas que passam por elas.
Rodrigo – Sem dúvida. A fragilidade é evidente. Como todo ser humano, os operadores do Direito são sujeitos a falhas e erros. Como se fala: coitada da sociedade que necessita de heróis. Mas, não se pode deixar de reconhecer os avanços civilizatórios da Lava Jato. Pela primeira vez, viu-se esquema de macrocorrupção, certamente um dos maiores do mundo, sendo alvo das mesmas leis a que um ladrão de galinha estaria sujeito. A Lava Jato tentou criar uma nova cultura e alcançou esse desiderato até certo ponto, mas os interesses da sociedade mudam e, com eles, muda o protagonismo desse lampejo civilizatório.
Tiago – Vejo como um momento de acerto de contas. A Lava Jato teve o mérito de tocar em pessoas que não sentavam no banco dos réus. Todavia, restou claro que interesses pessoais e políticos se sobrepunham ao seu intuito declarado, além do método utilizado, onde os fins justificam os meios, o que não se coaduna com o estado de direito. As figuras do juiz acusador, da banalização de prisões, da condução coercitiva desnecessária, enfim, do processo penal do espetáculo, devem ser reprovadas. Curioso é ver Bolsonaro, seu maior beneficiário, não defendê-la.
Quem esta passando por crise financeira é a população e não os políticos, se realmente essa crise fosse verdadeira só um louco se arriscaria a ser prefeito, mas na verdade são muitos que almejam a prefeitura da nossa cidade.