Petistas e bolsonaristas no juízo da mesa de bar
— E o PT, hein?! — abriu os trabalhos Artur, no papo regado a cerveja com o amigo no boteco.
— Essa é a pergunta preferida dos bolsonaristas. Talvez a única que tenham para tentar justificar a excrecência que colocaram no Palácio do Planalto — devolveu Aníbal, antes de virar seu primeiro copo de Eisenbahn.
— Mas Bolsonaro elegeu na segunda-feira o presidente do Senado e da Câmara. Esta, no primeiro turno, por 302 votos de Arthur Lira contra 145 de Baleia Rossi, dando uma coça em Rodrigo Maia.
— Sim, Maia perdeu não só o Centrão, ao qual Bolsonaro sempre pertenceu e que reconquistou com o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da secretaria de Governo apelidado de “Maria Fofoca” pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo “Passando a Boiada” Salles. O “Nhonho”, como chamam os bolsonaristas, perdeu até o DEM na reta final.
— E ao perder o DEM no domingo, Maia ameaçou botar na roda um dos 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
— Esse foi um erro que Arthur Lira não irá cometer. Ex-pupilo de Eduardo Cunha e também condenado por corrupção na Justiça, o deputado das Alagoas sabe bem o poder que o presidente da Câmara tem. Se Bolsonaro fez barba, cabelo e bigode no Legislativo, o barbeiro e dono da navalha agora é o Centrão. Se o capitão se engraçar, como fez com Maia, Lira não terá pudor de pressionar o fio da navalha contra a carótida de quem quer manter a cadeira.
— Vou perguntar de novo: e o PT?
— Estou começando a achar você virou mesmo bolsonarista, Artur. O PT só faz merda. Foi por conta da sua incompetência amazônica que perdeu o prazo e permitiu a Lira, como seu primeiro ato na presidência da Câmara, anular todo o bloco que apoiou Rossi. Os petistas pisaram no próprio rabo e acabaram perdendo a poderosa primeira secretaria da Mesa Diretora, por serem a maior bancada, para terem que se contentar com a segunda secretaria. Não é à toa que, no Rio, Lula é Vasco. Até como coadjuvante, acabou vice mais uma vez.
— E se puder concorrer a presidente em 2022? Será que vai ser vice de novo?
— O PT não aprendeu nada com o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. Só pensa no tal hegemonismo que herdou do leninismo de Zé Dirceu. Na mesma segunda-feira em que Bolsonaro fez os presidentes do Senado e Câmara, para se segurar na cadeira até tentar a reeleição de 2022, Lewandowski liberou à defesa de Lula o que os hackers da Vaza Jato descobriram nos celulares de Moro e Dallagnol. E, em todo o país, os petistas invadiram as redes sociais para gritar que Lula é inocente, tentando vencer pela altura e insistência do grito.
— E Moro e Dallagnol são inocentes?
— Moro ultrapassou seus limites de juiz desde que liberou, a seis dias do primeiro turno de 2018, uma delação de Palocci que não aceitou no julgamento da ação penal do ex-homem forte do PT. Só para prejudicar Haddad e favorecer a Bolsonaro, de quem aceitou depois ser ministro da Justiça. A Vaza Jato do site esquerdista Intercept só revelou depois, com o trabalho sujo dos hackers, o que todos já sabiam. E Lewandowski, amigo de Lula desde os velhos tempos dos dois em São Bernardo do Campo, tornou a coisa oficial pelo STF.
— Então?
— Então um erro não justifica os outros. Os erros de Moro não apagam a montanha de evidências da corrupção sistêmica dos 13 anos do PT no governo. Que os petistas pensam poder fazer desaparecer, como em um passe de mágica. E são tão incompetentes para Houdini como são para cumprir os prazos regimentais da Câmara.
— Realmente, só os petistas e os “não sou petista, mas…” acreditam na inocência de Lula. Tirando eles, você conhece alguém capaz de dar alguma credibilidade a um site como o Brasil 247? A Janaina Paschoal ficou famosa por ter assinado o pedido de impeachment de Dilma. Mas sua maior contribuição à história política recente do Brasil foi quando ela definiu, ainda na campanha presidencial de 2018, o bolsonarismo do qual fazia parte: “petismo de sinal trocado”.
— Bolsonaristas e petistas vivem em suas bolhas. Criam e acreditam em seus mundos paralelos. Até que o real lhes estapeia as fuças. E, pior, também a de quem nada tem a ver com seus delírios e tem vergonha na cara. Pode ser pela maior recessão econômica da história do Brasil, com a desastrosa “nova matriz econômica” de Dilma e Mantega. Pode ser pelos 230 mil brasileiros mortos em asfixia lenta e sôfrega, como o Cristo crucificado, pela condução criminosa da pandemia da Covid por Bolsonaro e Pazuello.
— Mas você não respondeu: se puder concorrer em 2022, Lula tem chance contra Bolsonaro?
— Cada um sairia da base aparentemente consolidada de 20% de intenções de voto. E seria muito difícil para qualquer outro presidenciável chegar lá. Os dois teriam, portanto, boa chance de ir ao segundo turno. Lá, Bolsonaro quer Lula e Lula quer Bolsonaro. Lulistas e bolsonaristas sonham confirmar seu universo binário nas urnas de 2022. Nós somos a realidade dos 60% espremida entre essa esquizofrenia. Lula é a melhor aposta à reeleição de Bolsonaro. Como Bernie Sanders seria, caso levasse as primárias democratas que esteve perto de ganhar, para o mundo ter que suportar mais quatro anos de Donald Trump.
— E como fazer para o Brasil rumar ao centro, pacificar o país como Joe Biden tenta fazer nos Estados Unidos?
— A melhor chance que tivemos foi com Marina Silva em 2014, catapultada pela comoção da morte de Eduardo Campos. Mas aí a ex-petista foi alvo das mesmas fake news, ecoadas cruelmente por Lula e Dilma contra sua ex-correligionária, que o PT acusa Bolsonaro de ter usado em 2018. A direita histérica dos tios e tias bolsonaristas só levou para o WhatsApp o que o PT introduziu nas eleições presidenciais brasileiras quatro anos antes, em suas campanhas milionárias de TV, custeadas com dinheiro público desviado. É que em 2014 ainda não havia o termo “fake news”, criado em 2016 pela imprensa dos EUA para classificar as notícias falsas de Trump contra Hillary Clinton, na disputa presidencial deles naquele ano.
— Em 2018, também tivemos uma chance. Ciro tinha um projeto para o país. Podia ter erros, mas tinha projeto. Tentou chegar ao centro, colocou a pecuarista Kátia Abreu de vice. Era o único com condições, em todas as pesquisas, de bater Bolsonaro no segundo turno. E daí, da cadeia, o Lula entregou a cabeça de Marília Arraes, neta do Miguel Arraes, de bandeja para o PSB dos Campos em Pernambuco, só para tirar o apoio nacional do partido ao cearense. E depois os petistas ainda tiveram a cara de pau de reclamar que ele foi para Paris, no lugar de abraçar o afogamento do nado poste de Haddad. Ironia do destino, mesmo sem o apoio do seu PT, Marília levou agora a segunda secretaria de Lira na Câmara.
— O “projeto” do PT é parnasiano: é o poder pelo poder. Só para fazer contra as instituições, até pela inveja danada e não admitida pelo que seu carbono Bolsonaro já fez, para tentar se perpetuar no poder. Você leu o projeto de governo de Haddad? Viu o que o PT propunha para o Ministério Público e a imprensa? Já se o capitão conseguir mais quatro anos, o general Emílio Garrastazu Médici é o limite. Só não será porque, com Biden no poder dos EUA, se voltar a ensaiar golpe por aqui para cantar de macho, Bolsonaro apanha como moleque ou mia. Como já fez em sua cartinha tipo “Não esqueça da minha Caloi” ao novo ocupante da Casa Branca.
— Mas você não vê diferença entre os petistas e os bolsonaristas, além do “sinal trocado”?
— Os petistas geralmente são mais inteligentes. E, em geral, pessoas mais interessantes. Mesmo que a grande maioria deles seja de pequeno-burgueses que se veem “revolucionários” ao espelho no qual o próprio ridículo é como vampiro: não reflete. Mas os bolsonaristas, além de gente obtusa em sua maioria, são muito cafonas, né? O fato é que, quando tão parecidos em método, causa e efeito, é menos difícil perdoar o burro que o inteligente — distinguiu Aníbal, antes de outro gole longo de Eisenbahn gelada.
Publicado hoje (06) na Folha da Manhã