Contraditório — Da defesa do PT e Lula à defesa de Bolsonaro

 

(Fotos: Internet)

 

Entre os várias equívocos cometidos pelos bolsonaritas, como antes pelos petistas, é cobrar a suposta insenção jornalística em textos de opinião. Que, por textos de opinião — a repetição é necessária a quem parece ignorar o óbvio —, serão sempre parciais, frutos da análise pessoal dos fatos. Da narração impessoal destes, é composto o noticiário. E qualquer órgão de imprensa divide sua produção entre noticário e opinião. Nesta, para se buscar o equilíbro, é necessário abrir espaço às visões constrastantes. Muito antes do alemão Johannes Gutenberg criar a prensa de tipos móveis, no séc. 15, foi a partir dessa mesma multiplicidade de opiniões, com paridade no direito de se manifestar em sua ágora, que os gregos antigos inventaram a democracia.

A despeito das revoluções tecnológicas, seja a imprensa de Gutenberg há mais de meio milênio, seja a da Internet e das redes sociais, entre o final do séc. 20 e este início do 21, o contraste entre opiniões distintas continua sendo fundamental à democracia. Que vive e se alimenta da discordância, sem transformar quem pensa diferente em “inimigo”. Os argumentos, que precisam se fundamentar para além das meras opiniões, podem e devem se confrontar dialeticamente. Mas não as pessoas.

Não por outro motivo, antes de publicar (confira aqui) no sábado (06) a crônica “Petistas e bolsonaristas sob o juízo da mesa de bar”, com críticas frontais ao que o lulopetismo e o bolsonarismo têm de comum, sobretudo em sua radicalidade e intolerância, franqueei previamente o texto a dois jovens estudantes universitários de Campos. E pedi que o petista Gilberto Gomes e o bolsonarista Eraldo Duarte também se manifestassem. Abaixo, com meu respeito e minhas discordâncias, seguem os textos dos dois:

 

Lula e Ciro Gomes, na imagem escolhida pelo Gilberto Gomes para ilustrar seu texto

 

Gilberto Gomes, estudante da Uenf

Petistas x Bolsonaristas: a verdade absoluta da falsa simetria

Por Gilberto Gomes

Fui convidado pelo amigo Aluysio a discorrer sobre sua crônica publicada ontem, a despeito de uma suposta relação entre petistas e bolsonaristas.

Desde o resultado catastrófico das eleições de 2018, teses e mais teses buscavam tentar explicar a ascensão de um projeto conservador e negacionista no Brasil.

E uma das teses de maior adesão, sem dúvidas, é a de que o PT teria optado pela manutenção de sua hegemonia, em detrimento do bem estar social do país, defendida principalmente por figuras que há muito tempo tentam jogar o PT a um extremo que nunca lhe coube, visando a vacância de representação para o centro liberal, outrora representado por Marina, hoje por Ciro, há quem diga que até por Doria ou Huck.

E é ao lançar o PT a um extremo que o partido jamais frequentou, que o maior equívoco dessa tese encontra abrigo: a falsa simetria com o outro extremo, o bolsonarismo. Essa tese é, claramente, uma visão distorcida de quem não conhece, por óbvio, dos debates e disputas internas do maior partido de esquerda da América Latina. Lança Lula a um extremo que ele sequer ocupa dentro do próprio partido, onde seu grupo político é considerado dos mais moderados e conciliadores.

A superficialidade desta simetria vem se tornando mantra e “verdade absoluta” para aqueles que apenas fingem não possuir interesses políticos em 2022, condenando o PT por seu próprio motivo de existência enquanto partido político: disputar os rumos da sociedade brasileira, não somente através de eleições, mas principalmente através delas para a projeção de um programa democrático-popular ainda muito atual.

Na crônica, Aníbal acerta que nós, petistas, somos geralmente muito mais inteligentes que bolsonaristas, a quem eu agradeço o elogio, mas não trata essa constatação com a devida importância. Afinal, qualquer pessoa que não pense com o fígado poderia identificar as fragilidades desta falsa simetria tida como verdade absoluta, uma vez que nossa militância jamais tocou nos extremos que o bolsonarismo toca.

Embora como petista e socialista que sou eu desejasse, jamais houveram passeatas pela por revolução ou pela “ditadura do proletariado” durante a década passada, incentivadas pelo governo ou que fossem consenso entre a militância. No máximo, era um tema acadêmico ou aventada por correntes minoritárias do partido. Nunca houve qualquer discurso de ruptura da democracia, enquanto os bolsonaristas, incentivados pelo presidente e seus filhos, só falam a todo momento em fechar o Congresso, o STF e decretar AI-5.

O PT fortaleceu a democracia brasileira e suas instituições, teve as experiências mais exitosas de participação popular, ascendeu camadas

da sociedade historicamente desprezadas nos projetos nacionais, combateu a fome e a miséria. Muito, mas muito distante do obscurantismo bolsonarista que nega até mesmo a pandemia que vivemos.

A crônica tem um ato falho revelador quando diz que o que está jogo, de verdade, são os 60% da sociedade “espremidos” entre os polos PT x Bolsonaro. E revelaria mais ainda se viesse assinada pela visão oportunista liberal de Hannah Arendt (pausa para um riso e um gole na mesma Eisenbanh que compartilho com a crônica).

É nesta massa definidora que reside o principal interesse e a principal frustração do “centro”, pautado convenientemente como solução para a crise de representação que nossa jovem democracia enfrenta.

Se há alguma similaridade entre o PT e o fenômeno que elegeu Bolsonaro, é que este último foi a primeira experiência de massas posterior à eleição de Lula e Dilma, cooptando principalmente os emergentes que outrora viam no “lulismo” a afirmação de sua dignidade através da inclusão social e com o passar do tempo se tornaram empreendedores fomentados a compreender o Estado como um obstáculo. A própria Fundação Perseu Abramo identificou recentemente este perfil liberal entre parcelas mais vulneráveis da sociedade brasileira.

Sem conseguir estabelecer qualquer diálogo com esta massa que ainda busca transformação, cabe ao “centro” lançar o PT a um extremo que jamais lhe coube, torcendo para que a principal experiência democrática das últimas décadas seja apagada pela corrupção sistemática nacional, injustamente atribuída quase que exclusivamente a este único partido, que mais fortaleceu mecanismos e instituições de combate à corrupção, ao contrário de Bolsonaro que assumidamente interfere na chefia de investigações policiais.

No fundo, a falsa simetria traz um grande problema, que é reduzir o debate político ao ponto de, na prática, colocar o próprio centro liberal como um dogma, único caminho e verdade absoluta, nada aberto a projetos de mudança e transformação reais necessários e ainda desejados pela população brasileira.

Acaba por se estabelecer como o velho conservadorismo tradicional do Brasil, já rejeitado por mulheres e jovens, principalmente, maioria crescente na população brasileira.

A falsa simetria é tão nociva para a oposição ao bolsonarismo quanto qualquer erro estratégico que o PT possa ter cometido algum dia. É frágil e perde tempo ao não apresentar um projeto político ao país que não necessite destroçar o petismo para garantir viabilidade.

Acontece que defender essa tese poderá custar caro se a ideia é conquistar — e reconquistar —  novas mentes para um projeto alternativo ao bolsonarismo.

Essa alternativa liberal do centro incorre no erro fatal de igualar um adversário político, mas aliado na luta democrática, como o PT, a um inimigo da própria democracia, como Bolsonaro, oferecendo em troca apenas a conservação de uma institucionalidade esgotada e rejeitada pelos mesmos milhões de brasileiros que elegeram Bolsonaro.

 

“Primeira Missa no Brasil” (1860), óleo sobre tela de Victor Meirelles, imagem escolhida por Eraldo Duarte para ilustrar seu texto

 

Eraldo Duarte, estudante da UFF-Campos

Bolsonaro é uma das possibilidades de reencontramos a história do Brasil

Por Eraldo Duarte

 

Para o filósofo e professor John N. Gray (*), a história política contemporânea se enquadra perfeitamente como um capítulo da história das religiões. Em sua análise esboçada no livro “Missa Negra — Religião Apocalíptica e o Fim das Utopias” (Ed.Record, Rio de Janeiro, 2007), o autor sintetiza que as correntes políticas contemporâneas se apegaram a versões seculares de crenças religiosas.

Gray não endereça esse comentário apenas aos apologetas de ideologias e partidos revolucionários, mas o estende até mesmo aos supostos luminares da razão, isto é, às manifestações políticas e filosóficas cujo berço são o humanismo, o racionalismo e outras crenças oriundas ou subsidiárias do Iluminismo.

Concordo com o pensador britânico e desejo introduzir, com algumas alterações, sua análise aos leitores deste blog a fim de defender que tanto o bolsonarismo quanto o lulopetismo são fenômenos similares ao descrito no livro supramencionado. Todavia há entre eles uma grande diferença que torna um mais defensável que o outro, ao menos em minha perspectiva

Em uma época em que o individualismo e o agnosticismo ganham tremendo destaque na sociedade, o pertencimento a uma instituição tradicional — família, igreja, associações, etc — começam a ser substituídos por outras organizações. O espaço que antes era ocupado pelos símbolos e instituições formadoras da nossa cultura e pátria foram escanteados e substituídos pelas “maravilhas” tecnológicas, programas de televisão, canais de YouTube, times de futebol, cantores e webcelebridades.

Tal situação acarretou uma lenta mudança em nossos valores éticos e morais que agora refletem a religião secular progressista, cujo cerne “igualitarista” busca incinerar qualquer ideia ou força que lhe faça oposição, ainda que timidamente.

Nesta realidade, a política desempenhará papel de grande organizador social e atuará na criação de comunidades unidas em torno de projetos de poder. Com a dissolução e enfraquecimento de outras instituições tradicionais, a política será a principal mediadora na relação entre o indivíduo e o Estado, e o caminho para a reação dos defensores das antigas instituições.

Não é por menos que pululam extensa iconografia e relatos que conferem aos líderes destes dois grupos políticos brasileiros uma aura messiânica. O espaço que estes ocuparam era antes destinado a santos, beatos e outros personagens comuns da nossa religião cristã que foi substituída por políticos, celebridades, etc.

Se há semelhança entre o bolsonarismo e o lulopetismo no sentido de nadarem em um rio de significância religiosa e teológica, firmando-se como religiões seculares, como pode ser extraído em analogia aos escritos de Gray, há também uma grande diferença no conteúdo desses movimentos cujas proposições são antípodas.

Enquanto o lulopetismo se fia no progressismo e busca reorganizar toda a estrutura social tradicional, valores e instituições de modo que sirvam para acelerar o processo de desestruturação de nossa tradição e história, garantindo-lhes a hegemonia a perpetuação do seu líder; o bolsonarismo, malgrado seus defeitos, serve como cabeça de ponte para ideais que exaltam nossa tradição cristã, a família tradicional e nossa pátria, valores que os primeiros julgam eurocêntricos, racistas, machistas entre outras adjetivações que nós, conservadores, conhecemos bem.

É óbvio que Bolsonaro tem capacidade e perfil inferior do que muitos conservadores desejam, todavia seu valor está mais no fato de servir como cabeça de ponte para um movimento organizado que visa aquilatar devidamente nossa história e reconectar o brasileiro com formas de pensar e falar que lentamente lhe estavam sendo retiradas pelos arautos progressistas.

Nesse sentido é preciso conceber o bolsonarismo como antessala de um movimento conservador que não pode se fiar num indivíduo, tampouco num político, mas na história e cultura do nosso povo, cujo legado é, novamente, a fé cristã, a família tradicional e nossa pátria. Sendo assim, as articulações do presidente, seus erros e acertos servem apenas como meio de sua continuidade no poder, questão minúscula em comparação com a sua maior tarefa, que foi defender — ao menos em alguns discursos — e trazer de volta à agenda política uma perspectiva que muitos brasileiros já haviam esquecido ou tinham medo de defender.

Sem nenhuma necessidade de Messias políticos ou de “fim da história”, é preciso que os conservadores estejam atentos a isso ao votarem no atual presidente. Afinal, ele é o semeador deste movimento, não seu fruto.

(*) Professor de Filosofia na Universidade de Oxford

 

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