Ciência denuncia aposta de Bolsonaro em mortes sem vacina e médicos anticiência
“O governo Bolsonaro (sem partido) apostou na imunização de rebanho sem vacina. Primeiro foram contra a vacina, porque ela vinha da China. E apostar na imunização de rebanho, sem vacinação, é condenar as pessoas à morte; é achar que isso não é importante. Se você tem a vacina, você evita as mortes. Se você não tem, um percentual das pessoas vai morrer, que pode representar até 10% da população (no Brasil, que até ontem contabilizava mais de 318 mil mortos pela Covid, 10% significaria mais de 20 milhões). Apostaram muito alto numa coisa que é um absurdo. E parece agora que o presidente está dizendo que pode vacinar. Ele chegou até a declarar que se você tomasse uma determinada vacina, iria virar jacaré. Um líder não pode falar isso, porque influencia as pessoas, principalmente as que votaram nele”. Foi o que advertiu na manhã de hoje, no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, o biólogo Renato DaMatta, professor da Uenf.
O biólogo explicou como a lentidão da vacinação no Brasil tem servido ao surgimento de novas variantes do vírus, como a P-1, que apareceu em Manaus e tem conferido características epidemiológicas e clínicas diferentes do que a pandemia apresentou em 2020. A maior carga viral causada pela infecção da nova variante é considerada uma das causas do colapso das redes de saúde do país, considerado hoje o principal epicentro mundial da pandemia. Quanto mais lenta for a vacinação e circulação do vírus, maiores são as possibilidades de novas mutações, que podem resultar numa variante, até agora não registrada, que não seja imunizada pelas vacinas existentes:
— As variantes são extremamente preocupantes e a vacinação lenta atrapalha o processo. Por isso o Brasil é hoje o epicentro da doença no mundo. Porque aqui é onde tem mais gente morrendo e mais gente com o vírus. Quando você tem muito vírus em muita gente, a probabilidade de novas variantes aumenta. Quem faz a replicação do vírus são as nossas células. Ele infecta as nossas células, que duplicam aquele vírus várias vezes e o seu material genético. Vão saindo vírus das nossas células que têm pequenas alterações. Elas vão se refletir em proteínas, em moléculas na superfície do vírus, que o tornam diferente. Foi justamente isso que aconteceu com o P-1, por exemplo. Ela apareceu em Manaus e tem uma grande capacidade de infecção. Se você infecta mais, o problema aumenta. Quanto mais rápido você vacina, menos variantes você vai ter. Se você demora, nós voltamos à hipótese do governo Bolsonaro, que era a imunização de rebanho com mortes, o vírus vai infectar as pessoas durante um longo período. A chance de surgirem novas variantes é enorme. Inclusive, a variante pode ficar tão diferente que você tem que fazer uma nova vacina. A notícia boa é que, até agora, as vacinas estão funcionando contra as novas variantes.
Cientista da mais importante universidade de Campos e região, Renato também questionou a capacidade científica dos médicos, geralmente simpatizantes do presidente Bolsonaro, que continuam receitando medicamentos como cloroquina e ivermectina, que a ciência já comprovou serem completamente ineficazes contra a Covid. Não só aos infectados pela doença, mas como em suposto tratamento preventivo a ela. Apesar de ressalvar seu respeito à categoria médica, sua condenação àqueles que agem contra a ciência não teve meias palavras:
— Todo médico é cientista? Deveria ser! Mas, infelizmente, essa não é a realidade. Com todo o respeito à classe, que é extremamente importante na sociedade, mas tem muito médico que não tem o que chamamos de letramento científico. Se os médicos realmente fossem cientistas, eles não iriam usar esses medicamentos como a cloroquina e a ivermectina. Como é que foi isso? No primeiro momento, você pegou no sistema in vitro (ensaio realizado fora de um organismo vivo), onde você tem células em um meio de cultura, infectou elas com o vírus, tratou elas diretamente com esses componentes (cloroquina e ivermectina) e viram que o vírus morria. Eles funcionaram num sistema in vitro. Só que quando você vai para um organismo, e o primeiro passo é usar animal de laboratório, tipo um rato, não funcionou. E aí ficou essa coisa: se funciona no sistema in vitro, então funciona no sistema in vivo. Apesar de não funcionar em animais de laboratório, como não existia mais nada, as pessoas começaram a usar esses medicamentos sem comprovação. Depois de um ano usando, hoje nós temos a comprovação de que não funcionam. E se ainda tem médico receitando, vai me desculpar, mas não são cientistas. A Associação Médica Brasileira (AMB) já disse que não funcionam. Não se deve usar, muito menos de forma preventiva. Mas as farmácias, lógico, querem vender.
Confira abaixo, em três blocos, os vídeos da entrevista do biólogo Renato DaMatta, professor da Uenf, ao Folha no Ar na manhã de hoje: